Na despedida de Glorinha, ficou a certeza de que ela permanece viva em seu legado
Professora era considerada baluarte da Cultura do Estado
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Professora era considerada baluarte da Cultura do Estado
Tão logo entrei no Cemitério Santo Antônio, reconheci alguns rostos. Artistas, professores, expoentes da cultura sul-mato-grossense. Estavam todos ali com o mesmo fim: a despedida e a homenagem à Maria da Glória Sá Rosa, ou melhor, a professora Glorinha, como gostava de ser chamada. Dona de um sorriso cativante, a professora é símbolo da cultura sul-mato-grossense e referência na militância pelas artes. Seu falecimento, na noite da quinta-feira (29), aos 88 anos, deixa uma espécie de buraco na história da cidade. Fez Campo Grande amanhecer mais pobre na última sexta-feira.
Diferente de outras ocasiões, conversei com parte destas pessoas com uma única pergunta. Quem era Maria da Glória Sá Rosa? Quem me reconhecia como jornalista já dizia o que queria ouvir. Não por pragmatismo, mas por necessidade. Bradar o que Glorinha significa e reverenciar seu legado aos quatro ventos é imperativo diante do vazio que deixou em centenas de corações.
E mesmo com o estremecimento emocional da despedida, percebi que o Cemitério Santo Antônio tornou-se um locus do amor. Eu, repórter, jamais vi tanta ternura emanar de corações abalados, apesar da dor óbvia da saudade. É que Glorinha – descobri depois – conquistou cada coração ali presente, com suas palavras de incentivo e com sua determinação em fazer as coisas acontecerem. Mesmo com as lágrimas, emanava-se gratidão. E eu jamais vi algo parecido, de forma a fazer esta matéria sobre um sepultamento ser, por meio da minha leitura, o relato de quando vi o amor engasgar o adeus.
Exatamente, não houve adeus. Era claro que para cada um a professora cearense, nascida em Mombaça, permanecia eternizada em cada um de seus atos, que edificaram a cultura no Estado, naquele exato momento de busca efervescente por uma identidade. Neste contexto, foi Glorinha quem deu o primeiro passo.
“Não há dúvidas de que ela é de uma importância ímpar. Glorinha abriu as portas para todas as artes de Mato Grosso do Sul, foi autora dos festivais de música e de teatro, participou da fundação da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras, sempre foi uma apaixonada pelo cinema, não só o regional, mas como um todo”, relatou a professora Maria Adélia Menegazzo, forte referência das artes literárias no Estado. “Eu ia ao cinema com ela para assistir aos filmes do Almodóvar. Imagina isso, aqueles filmes mais tétricos e ela ia comigo. Glorinha era ‘mente aberta’, era um espírito livre, sem preconceitos, aquilo que todos gostaríamos de ser, fazendo da vida dela um exemplo de liberdade”, comentou a professora.
Aos poucos, e fazendo o máximo para respeitar a intimidade de cada um, fui descobrindo histórias quase fantásticas, em relatos acompanhados quase sempre de olhos marejados. “Ela era muito apaixonada por Mato Grosso do Sul, tinha muita sabedoria. Mas, além de tudo isso, ela via o outro. Ela sabia acolher, estimular o talento das pessoas. O Estado perde sem sua presença física, mas ganhamos a figura dela dentro da nossa identidade. Ela ajudou a nos localizar”, considerou Athayde Nery, ex-presidente da FCMS (Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul) e ex-titular da Sectei (Secretaria de Cultura, Turismo, Empreendedorismo e Inovação).
“E além de tudo, ela era muito irreverente. Eu e o Jonir Figueiredo fomos fazer uma visita ela há cerca de dois meses. Fui levar meu livro para ela, que leu, comentou… Estava muito serena. Mas, de repente, ela olhou para o Jonir e disse: Ô, no meu tempo! Ele brincou que ela era assanhada e ela retrucou: ué, tô viva”, lembra Nery, entre risadas.
Artista, professor universitário e ex-presidente da Fundac (Fundação Municipal de Cultura), Roberto Figueiredo, foi um dos que destacou gratidão pelos feitos da professora, “Se tem uma pessoa a ser reverenciada nesse Estado, é a Glorinha. Todos nós artistas, que atuamos na década de 1970, até 1990, temos uma dívida de gratidão com ela. O sucesso e a repercussão do nosso trabalho ocorreu pelos incentivos que ela promoveu ao longo de sua atuação junto à Cultura. Ela foi uma das criadoras da primeira Lei de Incentivo à Cultura do Estado, quando ela era presidente da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul. Ela sempre esteve na vanguarda, foi uma pioneira. Gratidão é a palavra que marca hoje. Acho que todos os artistas do Estado deveriam parar hoje em homenagem a ela”, apontou.
“Ser de luz”
Não há porque duvidar que a professora Glorinha tenha sido tudo aquilo que relatou, minutos antes do sepultamento, a poetisa Raquel Naveira. “Glorinha era uma pessoa que nos trazia luz. Ela nos convencia de que havia uma chama entre nós e mostrava que poderíamos ir sempre além. Ela mesma era prova disso. Ela gostava muito de uma frase de Fernando Pessoa, que diz o seguinte: ‘Deus quer, o homem sonha e a obra nasce’”. Não há porque duvidar que viver ao lado da professora tenha sido um privilégio.
“A professora Glorinha deixou um legado, tanto na Cultura como na Educação. Lutou por estas categorias. Pelas mãos dela surgiu a ACP (Sindicato Campo-grandense dos Profissionais da Educação Pública), pelas mãos dela tantos músicos, artistas e artesão surgiram nesse Estado. Todos nós orgulhamo-nos de termos passado por suas mãos”, descreveu Reginaldo Alves de Araújo, presidente da ASL (Academia Sul-Mato-Grossense de Letras). “Ela prefaciou um de meus livros e eu me sinto imensamente privilegiado por isso, porque a professroa Glorinha era uma referência muito forte e presente. Todos nós devemos a ela homenagens, porque ela era uma grande incentivadora”, considerou o escritor Sebastião Barbosa.
E quem cresceu ao lado de Glorinha também dispensou pequeno discurso, ora com risos de causos do passado, ora com lágrimas da saudade que já se anuncia. “A Cultura que ela implantou e desenvolveu permanece, e deve ser eternizada em gestos de gratidão, em reverências a luz que ela carregava. A professora Glorinha é um feito que permanece, que merece todas as homenagens”, destacou o engenheiro Aroldo Abussafi Figueiró, que cresceu frequentando a residência da professora.
“Perdi alguém muito querido, uma pessoa que era um grande mãe. Glorinha era como eu dizia, foi minha professora, minha chefe, tornou-se minha amiga. Eu tinha prazer na companhia dela e agora espero que seja reconhecida no Estado por tudo o que ela fez. Há uma grande dívida de gratidão, impagável. Meu coração só se acalma porque em tudo dessa cidade vemos o trabalho dela. É um legado que fica”, acrescentou Paulo César da Silva Baptista, o Paulo do Radinho.
Serenidade. Foi o que o repórter trouxe da despedida da professora que alavancou na Cultura sul-mato-grossense a identidade de um Estado recém criado, que buscava imensamente ‘ser’, acima de tudo. Serenidade, determinação, vontade de fazer. A história de Maria da Glória Sá Rosa é daquelas que inspira. Por isso, ela segue viva, como pilar da Cultura do Estado e na lição de que poderemos, sempre, ir além.
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