Na Afonso Pena, a lealdade tem nome de dupla: Rodinei e o cão Guri
“A gente não precisa de dinheiro, só de comida”
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“A gente não precisa de dinheiro, só de comida”
Rodinei Faustino Roberto tem 38 anos e está em Campo Grande há dois anos. É um entre os muitos homens que vivem nas ruas da cidade, que deixou para trás casa, família e amigos e hoje dorme em uma cama de cimento. Há cinco meses ele adotou o Guri, um filhote de cachorro, que ganhou papel de família em meio a tanto desamor.
É na região mais movimentada da cidade, na Afonso Pena com a Rua 14 de Julho, que uma cena vem chamando a atenção de quem passa. O morador de rua divide o que tem como o cão, proporcionando, dia a dia, um daqueles retratos que comovem, e fazem lembrar o dito popular: “Às vezes, quem menos tem, é quem mais compartilha”.
Ele conta que o cachorro era recém-nascido quando o adotou, estava abandonado, e que não teve escolha e ficou com o Guri. “Ele estava sozinho, e eu também, a gente fez uma dupla”, brinca. Em dia de chuva, cama são os 40 centímetros de uma mureta em frente a uma loja de roupas. Durante o dia, Guri fica amarrado ao banco de madeira no canteiro, e atrai atenção dos motoristas que passam pela avenida. “Ele tem dono?”, pergunta uma idosa de dentro do ônibus.
Nascido em Maracaju, no interior de Mato Grosso do Sul, aos 2 anos Rodinei foi morar em Salvador (BA) com a família, e o retorno ao Estado de origem foi recente, e cheio de certezas. “Decidi que queria viver assim: sem preocupação, sem telefone tocando, sem cobrança, sem crédito, queria viver livre. Eu era mestre de obras, ganhava bem, mas abri mão, e hoje eu sou feliz. A minha única preocupação é com a comida”, diz ele.
A história dele é semelhante à outras centenas de pessoas que vivem na Capital em estado de rua, que sobrevivem com recursos mínimos, sem moradia regular e marginalizados. Na maioria dos casos, a situação é consequência do vício, e a rua acaba por se tornar a saída.
Uma vida para trás
Pai de 7 filhos e casado por sete vezes, a liberdade que Rodinei sempre buscou revela também a dependência química e os problemas familiares que nunca foram resolvidos, e o apego ao Guri é explicada por ele próprio. “Cachorro é nosso melhor amigo porque ele não conhece dinheiro. Família é complicada”.
Do alto de um prédio na avenida Afonso Pena, a moradora Regina Silva diz cuidar dos dois, e acima de tudo, admirar a relação entre ser humano e animal. “Sempre dou uma olhada pra ver se tudo está bem. Fico com medo que façam alguma coisa com eles, sou de Brasília, e já tivemos histórias triste com isso”, disse, em referência a morte do índio Galdino Jesus dos Santos, queimado vivo por jovens de classe média enquanto dormia, há 19 anos. Ela recorda que uma das cenas que mais chamou atenção nos últimos meses foi a dos dois. “Ele comprou um pote de sorvetes e dividiu com o cachorro. Tudo que ele ganha ele divide”, contou.
Apesar de todo o cuidado, Rodinei avisa: “já me ofereceram R$ 500 no Guri, mas ele não preço, não. A gente não precisa de dinheiro, só de comida”.
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