Gabriel e João pintaram as unhas por diversão, e só a gente viu problema nisso
Educação sexista ainda é um paradigma a ser rompido
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Educação sexista ainda é um paradigma a ser rompido
O que você faria se um dia o seu filho decidisse que queria pintar as unhas? Para a maioria das pessoas, possivelmente, haveria nisso aí um problema. Mas, para Glê Schmitt, 27, dona de casa, e Wity Prado, 30, consultora de estilo, esmalte é uma coisa que se põe sobre a unha. Apenas. Melhores amigas, Glê e Wity são as mães de João Pedro, 5, e Gabriel, 4. Os guris também são amigos e convivem desde bebês, vivem um na casa do outro. E é mais ou menos nesse contexto que a história do esmalte surge.
Um belo dia, Wity pintava as unhas quando Gabriel colocou na cabeça que queria pintar também. “Eu não vi problema nenhum, mas joguei uma real pra ele de que as outras crianças iam dizer que era coisa de menina. Ele não ligou muito, só me perguntou por que os outros meninos iam dizer isso e eu expliquei que um dia inventaram isso e que as pessoas acreditam, mas que se ele quisesse pintar as unhas, que pintasse, porque aquilo era só esmalte, assim como rosa é só uma cor e a boneca é só um brinquedo”, explica Wity.
Assim aconteceu. Gabriel escolheu as cores e a mãe pintou. “Ele mesmo disse que queria ‘o verde do Hulk’, o ‘azul do Capitão América’ e o ‘Amarelo do Homem de Ferro’, e assim ficou com as unhas coloridas, um tanto quanto impressionado com a sensação mais geladinha que fica na unha. Depois esqueceu e foi brincar”, descreve Wity. Foi quando chegou Glê com o pequeno João Pedro, que imediatamente deu conta das unhas do amigo. “No começo ele achou bem estranho, mas o Gabriel já foi dizendo que era só tinta no dedo e que não tinha isso de menino e menina. E daí o João quis pintar também, pintou nas mesmas cores que o Gabriel. E foram brincar”, complementa Glê, a mãe do João Pedro.
O que aconteceu depois disso é que Glê e o marido passaram na casa de Wity para buscar João Pedro para um aniversário. E seguiram rumo – o guri ainda com as unhas pintadas. “É nessa parte que eu me impressiono. As pessoas – as adultas, mesmo – quando viram as unhas dele pintadas começaram a confrontar, sabe? A dizer que ‘ah, mas é coisa de menina’. Aquilo que para meu filho era uma diversão, para os adultos era uma preocupação. Não me admira que as crianças repitam isso, porque são os adultos que ensinam essas referências”, descreve Glê.
Apesar dos julgamentos, Glê não tirou o esmalte das unhas do filho. “Fiquei ruminando aquilo eu mesma, tentando entender o que passava na cabeça das pessoas, essa preocupação toda com o João ser gay, sendo que na minha família a gente já conversou sobre isso. Muito embora não seja um esmalte ou uma boneca que vá fazer de um menino gay, se acontecer dele ser, a gente acolhe com todo o amor do mundo, seja filho, irmão, parente nosso. Já basta muita gente de fora que tá julgando”, explica.
Além de João Pedro, de 5 anos, Glê também é mãe de mais duas meninas, Maria Luiza, de 1 anos e 8 meses, e Maria Flor, de 2 meses. “É como eu te falei, temos duas meninas e um menino, queremos criar com igualdade e promovendo todas as referências. Está tudo no nosso mundo: eu tenho meu mundo feminino e o meu marido, o masculino. As crianças vão ter as duas referências e o que elas escolherem é ok. O que a gente percebe é que isso incomoda as outras pessoas”, explica. “O João Pedro, por exemplo, pega uma boneca das meninas e finge que é a filha dele. Isso para mim só diz uma coisa, na verdade, e não tem a ver com sexualidade, mas que ele vai ser um pai melhor que os outros”, conta.
Coisa de menina, coisa de menino
Na casa de Wity Prado, a amiga de Glê e mãe do Gabriel, os papeis de gênero também são combatidos. Ela, que também é mãe da Maria, de 2 anos e meio, vê nesses estímulos uma oportunidade de Gabriel não ser machista e de Maria não se reprimir. “Tem uma preocupação, claro. Você está ali, criando um ser humano em constante formação, e você é responsável por isso. Cada ato que a gente ensina, cada preconceito que a gente reproduz tem que ser pensado antes, refletido, porque tem consequências na formação da criança. Se você quer que seu filho faça a diferença, tem que promover uma educação desconstruída, precisa ser livre de julgamentos”, considera.
Desta forma, na casa de Wity também não tem coisa de menino e coisa de menina “Aqui realmente não tem isso, a gente tenta ao máximo um espaço que seja livre de julgamentos e também preparamos as crianças para ignorarem. Esse episódio que o João Pedro viveu aqui em casa, brincando com o Gabriel, é uma coisa que a gente sempre passa. O Gabriel, por exemplo, usa calça legging, que costuma ser só de menina, mas ele usa, porque é confortável. Um dia coloquei um jeans nele e um tempo depois ele veio falar pra mim que não queria a calça dura, queria a macia, que era melhor de brincar. A visão dele é só o conforto, que possibilita de brincar”, conta Wity.
Depois do episódio das unhas pintadas, Glê encontrou a amiga, com quem refletiu sobre o fato e depois desabafou com um post no Facebook. “A gente chegou à conclusão de que é muito fácil falar que quer mudar o mundo, mas não fazer nada. E é uma pena, porque quem está educando tem essa oportunidade ao alcance das mãos”, considera Glê, que mantém, no Facebook, uma fanpage na qual narra a rotina das crianças. “Lá eu tenho oportunidade de divulgar as coisas que ponho em prática com as crianças”, disse Glê. Na fanpage, também está o relato de todo o episódio das ‘unhas’ e a conclusão das duas amigas diante de todos os julgamentos que as crianças sofreram: “Deixe a criança ser criança. Apenas”.
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