O primeiro lucro milionário é esperado para 2015, em menos de três anos do lançamento

No fim de 2013, o ator e roteirista Fábio Porchat recebia no Citibank Hall, em São Paulo, o prêmio de Personalidade do Ano nas Novas Mídias, da revista IstoÉ. Em seu discurso de agradecimento, o humorista brincou dizendo que seu objetivo era ser destaque de outra publicação da Editora 3, a DINHEIRO. A platéia riu, achando graça em seu desejo de se tornar um de sucesso. Um ano e meio depois da piada, fica evidente que Porchat estava realmente falando sério. O Porta dos Fundos, canal de vídeos criado em agosto de 2012 por ele, Antonio Tabet, mais conhecido como Kibe Loco, Gregório Duvivier, Ian SBF (abreviação do sobrenome Samarão Brandão Fernandes) e João Vicente de Castro, filho do falecido jornalista gaúcho Tarso de Castro, transformou-se numa máquina de criação de conteúdo para internet, tevê e cinema.

O humor ferino, abusado e, muitas vezes, desabusado, bomba e o dinheiro, idem. Nesses quase três anos na estrada, o Porta dos Fundos atingiu 1,6 bilhão de visualizações, conquistou quase 10 milhões de assinantes no YouTube e levou o título de maior canal de humor da internet mundial. Os cinco sócios comandam um negócio com valor de marca estimado em R$ 500 milhões, segundo estudo realizado pela consultoria Millward Brown Vermeer, a pedido da DINHEIRO. “Usamos Time Warner, Fox e CBS como comparação para termos noção do valor de mercado de uma empresa do setor de produção de conteúdo e de entretenimento”, diz o diretor-geral da consultoria, Eduardo Tomiya, responsável pelo ranking AS MARCAS MAIS VALIOSAS DO BRASIL.

“O Porta dos Fundos pode ser um pouco diferente, mas o múltiplo chega a 14 vezes o lucro operacional.” Para este ano, a projeção dos humoristas é obter um lucro de R$ 35 milhões, o primeiro resultado expressivo da empresa. Nos primeiros nove meses de vida, os fundadores tiveram de tirar dinheiro do próprio bolso para pagar as contas de produção e filmagens. Os primeiros takes aconteciam com roupas emprestadas, na casa de conhecidos e com câmeras do “Anões em Chamas”, o canal de humor criado por Ian SBF, que serviu de embrião para o Porta dos Fundos. Nos três meses seguintes, os sócios conseguiram empatar o capital e encerrar o primeiro ano com uns trocados a mais na conta bancária.

No início, as receitas vinham praticamente do Google, dono do YouTube, que remunera as produtoras que alocam vídeos em sua plataforma. Quem recebe mais cliques, ganha mais. O valor que é repassado não é revelado, mas o mercado estima que o Porta dos Fundos receba o teto da remuneração, cerca de US$ 3 para cada mil visualizações. Isso renderia US$ 2,4 milhões (cerca de R$ 7,5 milhões), por ano. Em 2015, a participação do YouTube no caixa do Porta deve cair de 20% para menos de 10%. O grosso dos ingressos – cerca de 60% do total– virá dos contratos de patrocínio.

A Coca-Cola, a cervejaria Petrópolis, dona da marca Itaipava, e a empresa de tecnologia Asus têm exclusividade para mostrar seus produtos quando há um roteiro com cenas de bebidas ou laptop. A intenção da trupe é encerrar o ano com um quarto patrocinador fixo. Outras empresas, como Visa e LG, já fizeram ações pontuais. “O Porta dos Fundos conseguiu vincular atributos muito positivos como ousadia, humor e criatividade”, diz Eliana Cassandre, gerente de propaganda do Grupo Petrópolis. “Eles são jovens e dinâmicos, aspectos que conquistaram o público e, não por acaso, sempre batem recordes de visualização e comentários nas redes sociais.”

Esse impulso no desempenho financeiro aconteceu após a chegada de uma forasteira, que entrou pela porta da frente para colocar ordem na casa. Ex-diretora-geral, no País, da holandesa Endemol, dona do reality show Big Brother, a argentina Juliana Algañaraz assumiu como CEO do Porta dos Fundos no início do segundo semestre do ano passado para revolucionar a gestão do negócio. Juliana foi seduzida pelos sócios durante as negociações para a contratação do Porta dos Fundos pelo canal Fox, parceiro da Endemol. A empatia criou uma atração irresistível, mas o convite formal só aconteceu após Juliana dar um ultimato ao grupo, depois de quase seis meses de conversa.

“Estávamos perdendo tempo com reuniões de negócio e não com idéias”, diz Porchat. “Precisávamos de alguém para mandar na gente”, reforça Castro. O Porta dos Fundos precisava mesmo de uma chacoalhada. Não do vídeo para fora, claro. A qualidade seguia impecável e a conquista de seguidores continuava aos milhares a cada nova publicação. Mas era necessário promover uma arrumação nos setores administrativos, que estavam perdidos em meio ao caos do quinteto fundador. Embora nenhum deles fosse especialista em atividades burocráticas, eles foram se virando. Ian SBF era o mais dedicado à papelada, cuidando desde o pagamento de contas aos contratos de atores e à produção.

Com o crescimento do negócio, ficou claro que, se tocassem todas as áreas de forma amadorística, seriam apenas mais uma produtora diletante, entre tantas que penam por aí. O problema é que, desde o início, eles queriam ser uma grande empresa. “Eles eram bem esforçados, mas faltava gestão”, diz Juliana. Na produção, por exemplo, os sócios nunca se importavam com o custo, que gira em torno de R$ 80 mil por ano. O importante é gravar. O primeiro pedido de verba para Juliana foi de cair o queixo: uma superprodução, com aluguel de helicóptero, que custaria cerca de R$ 500 mil.

A executiva pediu um tempo e saiu a campo para encontrar interessados em bancar a filmagem. No mesmo sentido, o esquete Refém saiu a custo zero, com o apoio da Fox e da montadora Nissan, que topou colocar seus carros no quadro. “Antes, filmávamos e procurávamos os interessados. Hoje, o caminho é o oposto”, diz ela. “Temos custos altíssimos e temos de nos pagar.” Por isso, a primeira ação da executiva argentina foi montar uma estratégia comercial para atrair parceiros e interessados em repartir as despesas.

O ‘Case Spoleto' – No início do Porta dos Fundos, os contratos eram esporádicos e fechados com muita empolgação e quase nenhum embasamento. Castro, Tabet e Ian SBF foram os responsáveis pelo primeiro case comercial. Num bar do Baixo Gávea, região boêmia do Rio de Janeiro, eles conquistaram o empresário Antonio Moreira Leite, da rede Spoleto, que dias antes assistira ao vídeo Fast Food, que fazia uma crítica mordaz ao péssimo atendimento numa lanchonete e foi um dos primeiros grandes sucessos do grupo. A marca Spoleto não era citada, mas todos os elementos levavam a uma associação direta com ela.

Em vez de abraçarem uma crise, os sócios do Spoleto preferiram aproveitar as críticas e melhorar seus processos e sua comunicação. Acertaram o patrocínio, o vídeo mudou de nome e acumula mais de 11,1 milhões de visualizações. O retorno espontâneo, de acordo com a marca, é de R$ 1,4 milhão. “O vídeo foi transformador para nós”, diz Leite. Mas uma marca de sucesso não é construída apenas na internet. Logo ao desembarcar na produtora, Juliana enxergou um potencial para ir além dos vídeos para celulares, tablets e computadores. Por isso, será cada vez mais comum ver a marca Porta dos Fundos na tevê, no cinema ou em animações (um desenho inspirado na série americana Simpsons está em produção).

“A plataforma é indiferente”, diz Mauro Garcia, diretor executivo da Associação Brasileira de Produtoras Independentes de Televisão. “O Porta dos Fundos tem valor pelo conteúdo e criatividade.” Nos próximos meses, o site vai ser turbinado com programas específicos. Porchat terá um de viagem e turismo, o ator Gabriel Totoro exibirá sua paixão pelos games e Tabet criará um talk show e um quadro de esportes. A batalha por um lugar ao sol no mercado internacional também está em curso. Por intermédio da Fox, Portugal foi o primeiro país. Também está em andamento a produção na Inglaterra, com atores locais que estão sendo supervisionados pelo Porta.

“Estamos onde sempre quisemos estar”, diz Ian. “Criar para todos os tipos de formatos.” O cenário parece perfeito para o Porta dos Fundos, mas há riscos pelo caminho. O número de compromissos de todos os sócios aumentou exponencialmente, nos últimos dois anos, com teatro, cinema e programas nas TVs aberta e fechada. Para evitar uma debandada, Juliana fez com que todos assinassem um compromisso de cinco anos de permanência no negócio. “Há um comprometimento de todos os sócios porque podemos produzir dentro de casa”, diz Porchat. “Unimos forças para fazer a empresa crescer.”

O receio é perder o principal produto: os textos de qualidade. Há, sim, uma busca por novos roteiristas. Mas a peneira está apresentando menos resultados do que o esperado, por conta dos elevados níveis de exigência dos donos. De um teste com 50 candidatos, feito recentemente, apenas um foi aprovado para aprender o “jeito Porta” de escrever. “Não temos medo de falar de tabus, mas não acreditamos em homofobia, machismo ou em maltratar animais”, afirma Castro. “Se o texto é grosseiro, não é gratificante para nós.” Uma saída seria recorrer às dezenas de roteiros, que chegam todas as semanas para avaliação.

No entanto, eles descartam todos, sem ler. O receio é ser acusado de plágio. Isso porque os textos deles são sacadas de situações cotidianas. Um exemplo dessa ligação com o dia a dia é o Na Lata, o maior sucesso. “O vídeo retrata de uma maneira bem humorada o desejo das pessoas de encontrar seus nomes customizados nas embalagens”, diz Rodrigo Gameiro, gerente de conteúdo em real time marketing da Coca-Cola Brasil. “O diferencial deles está no comprometimento com a missão de subir o nível de qualidade da produção de conteúdo destinado à internet no Brasil.”

A busca pela qualidade é quase obsessiva. Nas reuniões de segunda-feira, 12 roteiros são analisados a cada vez. Dois terços deles são jogados no lixo. Na fase de pós-produção, todos interferem e respeitam a opinião do outro, algo incomum quando se trabalha com criatividade. “Sempre alguém vai melhorar o que o outro fez”, diz Tabet. O critério é a graça. Se eles acharem que ficou mais ou menos, não há volta. Dois campeões de audiência quase foram cortados. Sobre A Mesa, que popularizou a expressão “O que eu quero, Mario Alberto?”, e Quem Manda, do temido Gorilão da Bola Azul, foram vídeos que estiveram próximos de ir para o buraco negro. “É melhor perder tempo e dinheiro do que qualidade”, diz Duvivier.

“Nossa batalha cotidiana é agregar gente nova para o barco.”

O desafio da trupe é fazer a marca Porta dos Fundos valer mais do que a mera soma da imagem dos sócios. O objetivo é fazer da empresa uma espécie de Pixar, o estúdio criado por Steve Jobs, da Apple, que hoje pertence à Disney. A explicação é simples: eles têm um modelo de negócio que preza a criatividade e as boas idéias, sem perder a espontaneidade. “A Pixar nunca me decepcionou”, afirma Duvivier. “Todo tipo de conteúdo deles é impecável.” Portanto, se algum dia Porchat afirmar num discurso que quer fazer do Porta dos Fundos a Pixar brasileira, ninguém mais deve entender que ele está fazendo piada.