Para quem não teve infância, dia das crianças é missão de vida há 20 anos nas Moreninhas
Sem muitos recursos, Sueli distribui bolo para a criançada
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Sem muitos recursos, Sueli distribui bolo para a criançada
Ainda criança, Sueli Acosta se acostumou ao trajeto em caminhões pau-de-arara que a levavam de Dourados até a cidade vizinha, Glória de Dourados, onde trabalhava na colheita de algodão. Se casou aos 16 anos, teve dois filhos e se tornou viúva aos 22 anos. Não pôde aprender a ler e tampouco escrever. Afirma com certeza não ter tido infância, pelo menos não essa das famílias de comercial de margarina.
Aos quatro filhos – teve outros dois em um segundo casamento – também não pode oferecer brinquedos, roupas e viagens nos primeiros anos da vida. De repente, por isso, tenha aprendido que a alegria de criança não está, ou não deveria estar, atrelada unicamente ao consumo e à saúde financeira dos pais. O pouco pode ser muito e na casa dos Acosta esta sempre foi a máxima válida para o tão comercial Dia das Crianças.
Com os filhos pequenos e pouca instrução, Sueli se instalou nas Moreninhas e se tornou faxineira em casas de famílias de classe média. Por lá, fez grandes amigos entre eles as “irmãs” Jéssica e Cida. Foi ao lado delas que, há 20 anos, Sueli iniciou a produção do bolo do dia das crianças. Com os poucos recursos que possuíam, elas fizeram do ato uma tradição na região e todos os anos crianças de todas as partes aguardam ansiosamente pelo dia do corte do bolo. Uma verdadeira festa.
Há alguns anos Cida morreu e Jéssica se mudou para São Paulo. A produção do bolo poderia ter acabado, mas Sueli não deixou que isso acontecesse. Sem qualquer fundo religioso, promessa ou gratidão, a desempregada mantém a produção anual pelo simples prazer de ver a alegria nos olhos de crianças que muitas vezes têm poucos motivos para o fazer. “Me realizo na felicidade deles. Para mim é tudo. É mágico”, conta, hoje, aos 50 anos de uma vida muito feliz, como define.
Mas as coisas nem sempre foram assim. Há 13 anos Sueli perdeu o filho Rodrigo Acosta Vilhalba. Com 16 anos, o jovem voltava do trabalho como segurança em um comércio do bairro quando foi morto a tiros às 4h30 da madrugada do dia mais triste da vida de Sueli.
Por muitos anos ela pouco saia de casa. Não tomava banho e tinha poucos motivos para sorrir. Mas o bolo, este ela nunca deixou de fazer. Mas sua história não é triste, pelo contrário, voltemos ao renascimento da mulher.
Na força de um novo amor, ela encontrou o “chão” para entender que precisava seguir, por ela e por sua família. E seguiu. Nisso tudo, o bolo só cresceu e o amor por ele também. Neste ano, o bolo só não será maior por falta de uma tábua maior para abrigá-lo. Não que o dinheiro esteja sobrando, pelo contrário, por aqui, cada litro de leite é contadinho. Aliás, faltam nove litros para que a conta esteja fechada.
Não há dinheiro. Mas há a certeza de que na segunda-feira (12) o bolo será cortado mais uma vez e o ritual de amor se cumprirá. Sem se dar conta, Sueli rega e aduba a semente da infância muito mais que tantos país que oferecem brinquedos caríssimoa. O objetivo desse texto não é, nem de longe, regular ou censurar os modos de presentear os filhos. Mas diante de Sueli e de todos que envolveu em seu projeto, é impossível passar inerte à reflexão.
Voltemos ao bolo. Como as crianças de sua região hoje são homens e mulheres adultas, restou à Sueli levar o bolo para a casa de sua irmã no Jardim Balsamo. Esta será a primeira vez que a distribuição será feita fora das Moreninhas. “Lá na minha irmã tem mais crianças, a festa vai ser lá. Vamos preparar tudo e cortar lá”
Para este ano a festa ganhou um reforço de peso, Viny Magic ou Vinícius Acosta, 25 anos, filho de Sueli.
A mágica e a mutiplicação
A história de Vinícius daria outra matéria, mas vou encaixá-la aqui por acreditar que os dois são tão parecidos que merecem compartilhar esta história, além do encanto pela vida.
Assim como a mãe, ele começou a trabalhar muito cedo como faxineiro. Um dia passou por um shopping em Campo Grande e viu pela primeira vez a atuação de um mágico. Ficou fascinado. Meses depois, viu outra apresentação de um ilusionista agora no bairro mesmo. “Eu vi ele transformar um papel em uma nota de R$ 10. Ali decidi que queria aprender mágica”, conta.
No mês seguinte comprou o primeiro kit de mágica em um quiosque do shopping, no mês seguinte comprou outro e outro e outro. Até que o dono da loja o convidou para trabalhar com ele. Em pouco tempo aprendeu tudo que pode e hoje se dedica exclusivamente à atividade.
“A maioria dos eventos que faço são voluntários, mas tem os contratados também”, conta, ao dizer que o dinheiro está longe de ser o mais importante em sua vida, mas é preciso educar e sustentar o filho que leva o nome do irmão assassinado, Rodrigo Acosta.
À Vini coube a tarefa de arrecadar os ingredientes, convidar as crianças e preparar o show da festa. O que ele faz com muito prazer ao lado da mãe Já está tudo pronto. Os 250 convites impressos e cortados pela família estão sendo distribuídos pelo bairro como em todos os anos. E o show está bolado. Só falta o bolo. A produção começa neste sábado (10), mas ainda restam muitos ingredientes além dos nove litros de leite. Aliás, quem puder colaborar com a doação de alguns deles será muito bem vindo.
“Ainda não temos tudo, mas não quero ficar nervosa. Tenho certeza que vamos conseguir até sábado. Se não der, a gente corta a carne e qualquer coisa e vamos fazer. Onde como um comem 100 e eu sei muito bem disso”, garante Sueli.
Para encerrar, preciso contar um pouco do maior sonho dessa mulher. Se tivesse dinheiro, ou melhor, um bom emprego, gostaria de poder comprar picolés e outros doces para oferecer às crianças. Por enquanto a grana só dá para o bolo. É pouco, mas é de todo coração.
* O contato da família para doações é 9152-1988
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