Com violência contra a mulher como tema, redação do Enem vira assunto nas redes

Prova do sábado também trouxe questão sobre igualdade de gêneros

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Prova do sábado também trouxe questão sobre igualdade de gêneros

O tema da prova de redação do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) deste ano foi como uma revolução televisionada, ou melhor, ‘internetizada’, digamos assim. O assunto da prova, que pediu aos candidatos a problematização da violência sofrida por mulheres no Brasil, causou verdadeiro frisson nas redes sociais. Como sempre, há os que condenam e apontam o enunciado como uma espécie de ‘doutrinação de gênero’, no entanto, o que mais se viu foram mulheres comemorando o tema.

Entre as candidatas que prestaram o exame, a satisfação com a proposta de redação é quase uníssona. O assunto é apontado por algumas como ‘de fácil desenvolvimento’ e um debate do qual não se pode fugir, nem os ‘machistas de carteirinha’ que fizeram a prova. No entanto, o locus onde o caldo engrossou de verdade foi a Internet, quando diversas ativistas e usuárias do Facebook e Twitter, por exemplo, destacaram a importância social do tópico.

O entusiasmo começou já no primeiro dia do exame, quando uma das questões da prova de Ciências Humanas trouxe Simone de Beauvoir e o feminismo como mote. Mas o assunto da redação neste domingo (25) foi como uma pá de cal sobre o conservadorismo, um ‘demorou, mas chegou’ , já que o assunto é uma aposta para o Enem há anos. Tanto é que logo no início da tarde, quando os perfis oficiais do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, órgão responsável pelo exame) e do MEC (Ministério da Educação) no Facebook revelaram o tema da redação, começaram a surgir as postagens comemorativas.

Viva ao Enem!

E não é para menos. No ano em que as redes sociais tanto prFrisson na Internet começou no sábado (24)oblematizaram o machismo, o feminismo e a igualdade de gêneros, com direito a citações de Beauvoir e de Judith Butler, o mais natural é que se interprete a utilização da proposição como um sintoma, uma forte repercussão dos trabalhos da militância, no caso, as mulheres.

A ilustradora Nathália Catarina Forte relatou sensação de paz com a abordagem e vê o tema como uma reverberação dos debates promovidos pela militância. “Essa não foi uma semana fácil para ser mulher e feminista. As resoluções da câmara, o caso Valentina, as reações absurdas, a campanha primeiro asédio… Mas, chegar no fim de semana e descobrir a presença da  luta pela igualdade de gênero no Enem é revigorante. É o resultado de que todas as horas gastas em debates, físicos  e virtuais tem reverberação em nossa sociedade”.

A defensora pública Neyla Mendes também apontou a satisfação do feminismo marcando presença no principal exame de vestibular do país. “É a primeira vez que eu vejo a rede comentando sobre esse assunto sem ter acontecido um crime de violência doméstica. Além dos milhões de pessoas que tiveram de fazer essa reflexão seriamente para escrever sobre o tema, ainda temos essa explosão nas redes sociais”, celebra.

Uma das postagens mais compartilhadasDe fato, o que se observa é que o factual dos debates online está em torno da redação, e não de uma ocorrência violenta em si. “Mas não podemos esquecer que a motivação a proposta foi certamente os altos índices de violência contra a mulher. Sempre dizem que o tema da redação é algo discutido nos jornais. Pois, taí, até demorou”, ironiza a ativista Elaine Gonçalves, no Facebook.

O que dizem as candidatas

Na saída das escolas onde a prova foi aplicada, não foi trabalhoso encontrar quem achou a prova acessível e de fácil desenvolvimento – o assunto chegou até a ser discutido em salas de aula. Mas, algumas candidatas foram além na problematização. “É maravilhoso que o tema tenha sido esse, faz a gente refletir e parar para pensar no que está acontecendo, pois parece que estamos regredindo no tempo, com o machismo cada vez mais crescente e inúmeros homens que acham que têm direitos sobre nós”, afirma Daniela Lima, 21.

Para elas, a suposta facilidade de discorrer sobre violência contra a mulher é um forte sintoma da realidade nebulosa que enfrentam. “Todo mundo achou fácil, e realmente é, porque é uma coisa muito próxima da gente, todo mundo tem uma avó, uma mãe ou uma tia que apanhou do marido”, disse Caroline Gonçalves da Silva, 20, que fez o exame este ano em companhia da prima Daniele Gonçalves da Silva, 17. “E também ressalta a vulnerabilidade da mulher, porque toda vez que você ouve falar de violência sobre a mulher, é com índices muito altos”, completou a prima.

Formada em direito, Edilaine Venâncio, 27, prestou o exame de olho em uma vaga no curso de psicologia. “O tema foi bom, mas acho que demorou muito para colocarem a violência em foco. Não considero que seja fácil escrever bem sobre o assunto, porque ele é muito mais amplo do que o que está na cara. Vai desde a mãe que reproduz o machismo criando o homem para ser um garanhão à mulher que não pode usar saia curta para andar na rua porque o homem vai mexer com ela. Quem entende o feminismo e a luta pelas mulheres sabe que é muito mais difícil do que parece. É um debate que não cabe só em uma redação”.

‘Ideologia de gênero’

Em junho deste ano foi aprovado na Câmara dos Vereadores de Campo Grande o Plano Municipal de Educação. No entanto os itens que discorrem sobre abordagem de diversidade sexual e de gênero (vulgarmente conhecido como ‘ideologia de gênero’) em sala de aula ficaram de fora. Os itens contemplam o assunto abordado na prova de redação aplicada neste domingo.

O fato se repetiu Brasil a fora. Em Campo Grande, por exemplo, o assunto causou polêmica e não teve apoio da ala conservadora na Câmara e nem de líderes religiosos, que compareceram à votação para se manifestar. Dos vereadores que participaram da votação, apenas dois, Eduardo Romero (PTdoB) e Luiza Ribeiro (PPS) votaram contra as mudanças, incluindo a que suprime o tema ‘diversidade sexual” do texto original do Plano.

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