Quando surge a saudade, basta apertar a mãozinha do urso. É assim que as crianças que enfrentam o duro tratamento contra o câncer e estão internadas no Hospital Amaral Carvalho, em Jaú, no interior de São Paulo, fazem para amenizar a distância dos pais, amigos e colegas de escola. O hospital, que é considerado referência em oncologia infantil no Brasil e na América Latina, desenvolveu uma solução lúdica e inovadora para diminuir a solidão de crianças isoladas para tratamento.

Batizado de “Elo”, o clássico ursinho de pelúcia evoluiu e ganhou um upgrade. Ao apertar a mãozinha do brinquedo, a criança recebe mensagens enviadas por familiares e amigos via WhatsApp, aplicativo para celulares que grava e envia notas de voz. O projeto levou seis meses para ser desenvolvido, explica a oncologista pediátrica e chefe do setor de pediatria do hospital, Cláudia Teresa de Oliveira.

“Pensamos em algo que trouxesse para a criança o dia a dia dela fora do hospital. E a gente sempre pensa num bicho de pelúcia, mas teria que ser um material atóxico na pediatria. Aí começamos a pensar num diferencial para não ser só um urso. Cada um foi dando uma ideia, um palpite. Até que um professor deu a ideia de usarmos o celular e surgiu a possibilidade de usarmos o WhatsApp, que todo mundo conhece e tem hoje em dia”, disse.

O projeto, ainda considerado piloto, ganhou corpo a partir da parceria com a empresa FOM, fabricante de travesseiros, brinquedos e almofadas com material antialérgico e também com uma empresa de tecnologia de Belo Horizonte (MG). Os brinquedos foram adaptados para comportarem o equipamento. Um dispositivo semelhante ao celular recebe as mensagens, que são reproduzidas por caixas de som também acopladas dentro do boneco. “Funciona mais com as crianças menores, que ficam surpresas ao ouvir as mensagens, mas a receptividade foi bem legal”, diz a médica.

A oncologista explica ainda que o vínculo com a família e com os amigos, a partir do brinquedo, ameniza o sofrimento inerente ao tratamento contra o câncer, que requer longos períodos de hospitalização e quimioterapia, além de causar inúmeros efeitos colaterais.

“Por um período mínimo de seis meses essas crianças ficam isoladas, mas não só dentro do hospital, como socialmente também, que é uma indicação. Não podem ir a locais muito fechados, por exemplo cinema, escola. Quanto mais tranquilos eles ficarem, melhor para o tratamento, melhor para a imunidade. E a família é fundamental nesse momento”, justifica.

Cada criança internada ou que já recebeu alta médica, mas segue o tratamento em casa, recebeu um ursinho para usar enquanto estiver no hospital, e cada um deles tem um número exclusivo, que foi passado aos familiares. Quando uma nota de voz é enviada, passa antes por um moderador para que apenas as mensagens de carinho e otimismo cheguem às crianças.

“A gente não consegue documentar o quanto o alto astral, o suporte emocional, fazem a diferença, mas percebemos isso no dia a dia. As crianças que têm um suporte emocional têm menos complicações, aceitam melhor o tratamento, internam menos”, garante a médica.

A direção do hospital não sabe precisar o valor de cada ursinho, mas diz que os bonecos e os equipamentos eletrônicos foram doados à instituição, que atende mais de 95% dos pacientes pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Atualmente, 10 ursinhos estão equipados com a tecnologia, mas a ideia é ampliar o projeto e levar o brinquedo a outras áreas do hospital. Para tanto, explica a médica, a instituição depende de futuras parcerias.

Vídeo

As reações das crianças ao ter o primeiro contato com o ursinho Elo foram documentadas pelo Hospital Amaral Carvalho em um vídeo divulgado no canal da instituição no YouTube. Ele já foi visto por mais de 50 mil pessoas.

Primeiro contato

Dois pequenos pacientes, ambos com 4 anos, estão entre os primeiros que tiveram contato com a novidade. Nas mãos de Maria Eduarda Calobrizi, chamada de Duda pelos amigos do hospital, Elo ganhou o nome de “Juliana”. A menina faz tratamento contra leucemia linfoide aguda (LLA) há um ano e meio. Ela começou a manifestar os primeiros sintomas durante uma viagem da família ao Rio de Janeiro, para as festas de final de ano. No hospital em Jaú, Duda logo reconheceu de quem eram as mensagens.