As senadoras Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) e Lídice da Mata (PSB-BA) elogiaram a escolha, pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), do tráfico humano como tema da Campanha da Fraternidade de 2014. Vanessa e Lídice foram, respectivamente, presidente e relatora da CPI do Tráfico de Pessoas, que investigou esse tipo de atividade em 2011 e 2012 e sugeriu mudanças legislativas para combatê-la, como a tipificação do tráfico de pessoas com pena de quatro a dez anos de detenção e multa (PLS 479/2012).

Para Vanessa Grazziotin, a iniciativa é fundamental, inclusive porque o Brasil sediará a Copa do Mundo, evento internacional que atrai milhares de turistas.

– Há preocupação da sociedade brasileira no sentido de debater e combater o tráfico de pessoas, a exploração sexual. A mobilização de pessoas faz com que o problema ganhe mais evidência. É fundamental e muito importante inclusive por ser um crime muito comum, mas completamente invisível – observou a senadora, atualmente titular da Procuradoria Especial da Mulher do Senado.

Lídice da Mata disse que recebeu “com emoção” a decisão da CNBB de abordar um tema difícil de ser tratado tanto na sociedade quanto na política.

– Tanto que a CPI que fizemos no Senado foi a primeira sobre o assunto. Teve um desempenho muito interessante e apresentou o relatório final com projeto de lei de mudança do Código Penal no que diz respeito ao crime de tráfico de pessoas. Recebemos o apoio do ministro da Justiça, mas não conseguimos sequer que a CCJ analisasse o projeto – lamentou a senadora.

O PLS 479/2012 ainda tramita na CCJ, onde aguarda designação de relator. Outra proposta oriunda da CPI do Tráfico de Pessoas foi o projeto de resolução que determina a realização de audiências públicas anuais na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), com a presença do ministro da Justiça, para discutir a política de governo de prevenção e repressão ao tráfico de pessoas e de assistência às vítimas (PRS 82/2012).

– O Código Penal brasileiro não tem o conceito de tráfico de pessoas de maneira mais ampla, é necessário que sejam caracterizadas todas as formas de tráfico de pessoas, o que nós fizemos no projeto de lei do relatório final da CPI. Vi com emoção e com satisfação o fato de a CNBB abraçar o tema. Que possa sensibilizar o coração da sociedade, mas também das autoridades – disse Lídice.

As duas senadoras disseram que a volta do tema ao nacional com a Campanha da Fraternidade pode ajudar na sensibilização da sociedade e dos parlamentares sobre a importância da aprovação desses dois projetos e, claro, da prevenção e enfrentamento do crime.

– Vou conversar com a senadora Lídice [da Mata] para aproveitar o momento e puxar uma grande mobilização para tentar acelerar a votação das propostas – prometeu Vanessa Grazziotin.

CPI do Tráfico de Pessoas

A CPI do Tráfico de Pessoa do Senado foi instalada em abril de 2011 e encerrou os trabalhos em dezembro de 2012. A CPI realizou audiências públicas para apurar denúncias de tráfico de pessoas em Manaus (AM), Salvador (BA), Belém (PA), São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Natal (RN) e Goiânia (GO). Graças ao trabalho da CPI, vieram a público casos como o da adoção ilegal de cinco crianças de uma mesma família da cidade de Monte Santo, na .

Vindas de uma família em situação de vulnerabilidade social, essas crianças foram adotadas por famílias do estado de São Paulo, com a ajuda de intermediários, sem que fossem seguidos os devidos procedimentos legais. As autoridades foram acionadas e as crianças acabaram voltando para casa. Os integrantes da CPI também analisaram suspeitas de desaparecimento de crianças em Natal que as autoridades locais acreditavam tratar-se de um caso de tráfico de órgãos.

Entre seus encaminhamentos finais, a CPI solicitou o ingresso imediato da Polícia Federal no caso, “tendo em vista o flagrante desrespeito aos direitos humanos e a inépcia demonstrada pelas autoridades policiais e judiciais no sentido de dar uma resposta às famílias”.

A CPI também apurou denúncias de tráfico de trabalhadores rurais de Pernambuco para trabalhar em outros estados, envio de jovens do estado do Rio de Janeiro para a Namíbia, aliciamento de homossexuais em São Paulo, entre outras.

“O tráfico de pessoas, que não haja ilusões, existe e atenta contra os direitos de toda a sociedade brasileira. Como se vê, além de vitimar mulheres e homens que vivem em situação de vulnerabilidade dadas as condições peculiares das atividades profissionais que desempenham, relacionadas à do sexo, o tráfico de pessoas também entra nas casas, rouba crianças, empobrece o futuro de meninas e meninos e instala a desesperança e a revolta no seio de famílias que já enfrentam a necessidade de conviver com privações sociais, políticas e civis inaceitáveis na era moderna”, escreveu a senadora Lídice em seu relatório.

Esse relatório final concluiu pela apresentação do projeto de lei que procura adequar a valoração dada pela lei penal brasileira ao crime aos termos da Convenção de Palermo das Nações Unidas (contra o crime organizado transnacional), ratificado pelo Brasil em 2003. De acordo com o relatório, uma das falhas da legislação vigente é vincular o tráfico de pessoas exclusivamente à exploração sexual, deixando de lado, por exemplo, os casos ligados à remoção de órgãos, ao trabalho escravo ou adoções ilegais.

Assim, o PLS 479/2012 define como tráfico de pessoas a prática de “agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de explorar alguém para: remoção de órgãos, tecidos ou partes do corpo; trabalho em condições análogas à de escravo; servidão por dívida; casamento servil; adoção ilegal; exploração sexual e qualquer forma que acarrete ofensa relevante à dignidade da pessoa ou a sua integridade física”. A pena prevista é de prisão, de quatro a dez anos, e multa.

O projeto também trata de princípios e objetivos do enfrentamento ao tráfico, prevenção, cooperação jurídica e policial nacional e internacional, proteção e assistência social às vítimas, entre outros.