Desde que o Catar ganhou o direito para sediar a Copa do Mundo de 2022 a três anos, a Fifa recebe pedidos para que a disputa seja invalidada.

Seja pelo calor do verão no país ou pelo tratamento dado a operários ou por alegações de corrupção no processo de escolha do país, o Catar vem sendo alvo de muitos críticos, para quem o país sequer deveria ter sido eleito para sediar o Mundial.

Mas as denúncias publicadas pelo Sunday Times podem ser a novidade mais significativa até agora.

O jornal britânico promete publicar ao longo do próximo mês uma enorme quantidade de emails e documentos secretos que diz serem a prova de que o Catar quebrou as regras da Fifa para obter sua vitória.

A primeira reportagem publicada pelo jornal trouxe fortes evidências que sugerem que o diretor de investigação da Fifa, o advogado americano Michael Garcia, terá de incluir a vitória do Catar na longa lista de suspeitas em torno da escolha do país pela entidade.

Suborno a autoridades

No centro destas alegações, está o ex-vice-presidente da Fifa Mohamed Bid Hammam, um catari que já foi um dos homem mais poderosos do futebol mundial.

Ele foi expulso da Fifa depois de ter sido flagrado, em junho de 2011, seis meses após a escolha do Catar, oferecendo suborno a autoridades da entidade para conseguir apoio para tirar Joseph Blatter da presidência da Fifa.

O Sunday Times diz ter descoberto uma campanha secreta liderada por Bin Hammam para garantir o apoio à eleição do Catar para a Copa de 2022.

Usando uma construtora como empresa de fechada, ele teria pago propinas de 5 milhões de dólares para membros da Fifa na África, Austrália-Ásia e Caribe.

Bin Hammam sempre disse que não havia feito campanha por seu país. Como presidente da entidade para a Ásia, ele tinha que manter-se neutro, porque Japão, Coreia do Sul e Austrália também estavam na disputa.

Até o momento, ele não retornou os pedidos de entrevista feitos pela BBC. Mas seu filho, Hamad Al Abdulla, entrou em contato com o Sunday Times para dizer que seu pai e sua família não responderiam às acusações feitas pelo jornal.

A organização da Copa do Mundo no Catar também afirmou que Bin Hammam não fazia parte de sua equipe durante a campanha.

Ainda assim, muitos emails e registros de transferências bancárias obtidas pelo jornal britânico – alguns deles lidos por mim – parecem mostrar que Bin Hammam não só fez campanha ativamente em nome do Catar como pagou subornos para obter a vitória.

Plano de longo prazo

Uma das questões levantadas pelas novas provas é se estes supostos pagamentos, caso sejam comprovados, poderiam ser parte de um plano de longo prazo de Bin Hammam para chegar à presidência da Fifa.

No entanto, muitos dos emails enviados por delegados da Fifa na África, indicam que Bin Hammam tentava obter seu apoio para o Catar, mas não tratavam dos planos presidenciais do dirigente.

Na segunda-feira, o presidente da Confederação de Futebol Africano, Issa Hayatou, divulgou um comunicado em que nega veementemente as alegações publicadas pelo Sunday Times dizendo que elas são parte de uma campanha para desacreditar não só a ele “como a todo um continente”.

Então, o ponto central é se as novas evidências fornecerão as provas definitivas aos críticos da escolha do Catar.

Os documentos levantam questões sérias sobre a conduta de Bin Hammam e seu apoio à campanha do Catar, mas não há um único email, transferência bancária ou carta que mostre de forma inequívoca que a equipe de campanha do país estava envolvida no pagamento de propinas por meio de Bin Hammam.

E o Catar diz legitimamente que, como Bin Hammam nunca ocupou um cargo oficial na equipe da campanha, seja o que for que o dirigente tenha feito, ele o fez por conta própria.

Parte do problema para a Fifa é que, enquanto as equipes de campanha devem seguir normas rígidas, os membros de um país concorrente no comitê executivo da entidade, como Bin Hammam, não estavam sujeitos a estas regras.

Mesmo que seja provado que Bin Hammam usou seu dinheiro para garantir o apoio ao Catar, a equipe da campanha do país poderia argumentar que não quebrou nenhuma regra.

Aliados

Entre as alegações publicadas pelo Sunday Times, estavam acusações de que um antigo aliado de Bin Hammam, Jack Warner – seu cúmplice no plano de compra de apoio no Caribe para sua tentativa de chegar à presidência da Fifa – recebeu 1,6 milhão de dólares, um quarto disso no período que precedia a escolha da sede de 2022. Até o momento, Warner não se pronunciou.

E ainda há a acusação feita pelo jornal britânico de que o ex-dirigente da Fifa no Taiti Reynald Temarii foi financiado por Bin Hammam para impedir sua suspensão do comitê da entidade na véspera da votação.

Segundo o Sunday Times, isso impediu que outro membro da Oceania estivesse entre os eleitores do próximo país-sede, desta forma negando à Austrália (e à Inglaterra) um provável voto na eleição. Assim como Warner, Temarii não comentou as acusações.

Tudo isso é fascinante, mas o que os observadores querem ver é provas claras e contundentes de que membros do comitê executivo que apoiaram o Catar com seus votos receberam dinheiro ou presentes para fazer isso.

Agora, os desdobramentos do caso estão nas mãos de Garcia, que trabalha há dois anos em uma investigação sobre as muitas acusações de fraude.

Nesta semana, ele deve se encontrar com representantes da Copa do Mundo no Catar, inclusive seu diretor, Hassan Al Thawadi. Esta reunião estava marcada bem antes das últimas alegações virem à tona, mas agora ele com certeza pedirá ao jornal para ver os documentos.

Poder limitado

Mas é bom ressaltar o quão limitado é o poder de Garcia.

Ele não pode pedir uma nova votação. E nem interrogar Bin Hammam sobre as recentes alegações porque o dirigente já foi banido do futebol pelo resto de sua vida.

Ninguém espera que Garcia tome alguma medida definitiva com base nos documentos vazados. Na verdade, seu relatório final só deve sair em alguns meses e provavelmente se concentrará em como a Fifa pode melhorar o processo de escolha da sede do Mundial no futuro.

O que ainda pode mudar nesta história é o tamanho e o peso das evidências do Sunday Times, que tem em mãos uma série de documentos secretos e pode ainda não saber exatamente o que eles contêm.

Se o jornal conseguir produzir uma série de alegações que levem a sérios questionamentos sobre o processo de escolha do país-sede e a conduta de seus dirigentes, a Fifa não poderá se manter impassível – especialmente se seus patrocinadores multimilionários começaram a demonstrar incômodo com isso.