O juiz Rodrigo Pedrini Marcos, titular da Comarca de Anaurilândia, julgou improcedente a ação de reintegração de posse interposta pela Companhia Energética de São Paulo (CESP) em desfavor de A.C.M. e I.M.

De acordo com o processo, a CESP alega que os requeridos estariam ocupando sem autorização a área de terras de 0,1100 ha., parte de uma área maior de 27,54 hectares, da qual seria a única proprietária e legítima possuidora, o que inclusive configura crime ambiental, por ser a área de preservação permanente (APP).

Segundo a requerente, foi desapropriada uma grande área de terras visando à formação do reservatório da usina hidrelétrica de Porto Primavera, sendo a área invadida de faixa de segurança, borda livre e APP.

Assim, a CESP requereu medida liminar de reintegração de posse, cumulada com demolição de construções e benfeitorias, erradicação de culturas e condenação em perdas e danos. O pedido liminar foi negado.

Citada, a parte requerida alega ocupar a área mencionada de forma pacifica, não tendo apropriado-se ilegalmente do local, como apontado pela empresa. O requerido é pescador profissional e ocupou a área, com sua esposa, para desenvolver atividade pesqueira, construindo um barraco de lona, um banheiro e uma pequena casa, ambos de madeira rudimentar e em caráter provisório, sem causar qualquer degradação ambiental, tendo inclusive plantado árvores no local.

No julgamento do processo, disse o magistrado que, aspirando construir a usina hidrelétrica Sérgio Mota, a CESP obrigou-se perante a sociedade local a realizar inúmeras obras, com o intuito de abrandar os impactos sociais e ambientais que inevitavelmente ocorreriam, dentre elas a construção de pontos de pesca, devidamente estruturados e com as condições mínimas para o adequado desenvolvimento da atividade pesqueira no município.

Diante disso, teria a CESP indicado a área discutida nos autos como sendo, futuramente, o ponto de pesca nº 04, autorizando verbalmente os pescadores a se instalarem, construindo barracos provisórios para o fim exclusivo da pesca, até que os respectivos pontos fossem concluídos. As testemunhas, em depoimento, confirmaram a existência da autorização, indicando inclusive o nome dos funcionários que a concederam.

Consta nos autos um documento expedido pelo Poder Executivo municipal que se refere à área como “Ponto de Pesca” no Rio Quiterói, denominada AI -4, comprovando-se que o local era destinado a um dos pontos de pesca a serem construídos pela requerente.

“Tendo a requerente consentido a entrada dos requeridos na área, que nela permanecem há mais de dez anos, têm-se justa a ocupação, visto a não incidência de violência, clandestinidade ou mesmo precariedade, até porque não comprovou a requerente havê-los notificados para a caracterização da alegada apropriação indevida, conforme precedentes do TJMS.

Foi apontado ainda que a questão posta em juízo não deveria ser encarada sob enfoques ambiental restrito e eminentemente patrimonial.

De acordo com o magistrado, “decerto que a Constituição Federal prevê a proteção do Meio Ambiente em seu art. 225. Contudo, a proteção ambiental não é uma finalidade em si mesma, mas tem por destinatário o ser humano, através da tutela da vida humana e em um patamar mais dogmático, da própria dignidade da pessoa humana. (…) Com relação ao trabalho, a proteção aos seus valores sociais é princípio fundamental da Constituição da República (art. 1º, IV), é livre o seu exercício (art. 5º, XIII), está previsto como direito social (art. 6º) e é primado da ordem social (art. 193). É ainda a ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano (art. 170, caput). Ressalte-se que não há colidência de princípios constitucionais entre o contido no art. 225 e as demais disposições que tratam do trabalho, pois trabalho e meio ambiente têm por finalidade a dignidade da pessoa humana”.

Com base em tais fundamentos, o pedido de reintegração de posse foi julgado improcedente e a CESP condenada no pagamento das custas e honorários processuais.