MPF recorre contra piloto por falso testemunho no caso Legacy
O Ministério Público Federal em Sinop, Mato Grosso, recorreu ao Tribunal Regional da 1ª Região (TRF1) para processar por falso testemunho o piloto brasileiro Sérgio de Almeida Salles. Ele foi testemunha de defesa dos dois pilotos americanos condenados pelo acidente entre o avião da Gol e o jato Legacy, que matou 154 pessoas em 2006. […]
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O Ministério Público Federal em Sinop, Mato Grosso, recorreu ao Tribunal Regional da 1ª Região (TRF1) para processar por falso testemunho o piloto brasileiro Sérgio de Almeida Salles. Ele foi testemunha de defesa dos dois pilotos americanos condenados pelo acidente entre o avião da Gol e o jato Legacy, que matou 154 pessoas em 2006.
Conforme a denúncia, durante o depoimento prestado em fevereiro de 2011, em Sinop, Salles mentiu “acintosamente” por diversas vezes sobre fatos e sobre outras questões que exigiam conhecimento técnico. Para o MPF, não há dúvidas de que ele usou argumentos técnicos falsos e inverdades sobre os fatos para favorecer os dois pilotos americanos Joseph Lepore e Jan Paul Paladino. Essa conduta do piloto brasileiro, diz o MPF, foi flagrante em 14 pontos do interrogatório.
A Justiça rejeitou a denúncia proposta pelo Ministério Público Federal alegando falta de justa causa para a condenação. Contudo, no recurso, o MPF defende que a justa causa para a condenação só pode ser observada depois da fase de instrução processual (coleta de provas e depoimentos), que ocorre após o recebimento da ação penal. A teoria jurídica explica que para que o réu seja julgado é preciso que haja indícios suficientes do cometimento do crime, o que está fartamente demostrado na denúncia e no recurso. Já para que o réu seja condenado, é necessário que as acusações sejam provadas ao longo do julgamento.
Para o MPF, o quadro probatório é farto e robusto no sentido de que houve a prática do crime de falso testemunho, previsto no artigo 342 do Código Penal. “Inequivocamente há o lastro probatório mínimo necessário para o ajuizamento da presente ação penal.”
Falsas afirmações
Em razão da especificidade da matéria tratada nas ações penais deste acidente aéreo ocorrido em setembro de 2006, tanto a acusação quanto a defesa se valeram de técnicos para esclarecer o juiz e sustentar suas alegações. O MPF indicou Roberto Peterka e a defesa indicou como testemunha Sérgio de Almeida Salles.
Um dos 14 itens de falso testemunho de Sérgio Salles, apontados pelo MPF, diz respeito à responsabilidade do piloto e as atitudes que ele tem que tomar ao ver o sinal no painel indicando que o equipamento TCAS não está funcionamento. Em seu depoimento, Sérgio Salles afirma que ao perceber o sinal de alerta branco no painel que indica que o TCAS está desligado (TCAS OFF), “o piloto não tem que fazer nada, é responsabilidade da manutenção. Ele não tem nem que tomar ciência.”
Na sentença que condenou os pilotos americanos pelo acidente, o juiz federal escreveu que “o absurdo da afirmação feita pelo senhor Salles ficou evidenciado inclusive na audiência de interrogatório. A tese é tão esdrúxula que mesmo os pilotos ficaram com vergonha de assumi-la.”
O TCAS é um equipamento do avião que informa ao piloto a existência de outras aeronaves nas proximidades. O funcionamento do TCAS depende de outro equipamento também estar ligado, o transponder. O transponder passa aos controladores de voo no solo informações como a altitude, velocidade e direção do avião e ao TCAS da própria aeronave, e outras aeronaves dentro de um rádio de alcance, que, por sua vez, emite resoluções de manobras evasivas capazes de garantir uma distância segura em caso de iminente colisão.
No momento do acidente entre o jato Legacy, pilotado pelos americanos, e o avião da Gol, que fazia um voo comercial com destino a Manaus, com 154 pessoas a bordo, os dois equipamentos do jato Legacy não estavam ligados para informar pilotos e controladores de voo, em solo, a respeito da proximidade das duas aeronaves.
Ofício do Cenipa
Outro item em que as informações prestadas por Sérgio Salles foram falsas, segundo o MPF, diz respeito à suposta existência de problemas no transponder desde a decolagem do Legacy. De acordo com o ofício enviado pelo Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), não foi constatada discrepância no funcionamento e tampouco nas características operacionais dos equipamentos. Foram realizados testes nos equipamentos TCAS, transponder e rádios da aeronave Legacy na Base Aérea de Cachimbo, em duas oportunidades diferentes, e nos Estados Unidos, nas instalações das empresas Honeywell, fabricante do transponder.
Em outro item, ao declarar que Joseph Leopore e Jan Paul Paladino tinham experiência com os equipamentos do jato Legacy, Salles fez nova afirmação falsa. O relatório do Cenipa mostrou que eles não estavam adequadamente adaptados à aeronave e não possuíam certeza de como manusear os equipamentos de comunicação e navegação, o que ficou comprovado nas gravações dos diálogos dos pilotos durante o voo.
Recursos
No recurso, o MPF sustenta que Sérgio Salles mentiu intencionalmente sobre fatos e normas técnicas em questões não sujeitas a juízo de valor, com o objetivo de favorecer os pilotos americanos. O MPF argumenta que em situações de dúvida o acusado deveria ter esclarecido que não tinha certeza sobre a resposta, que ela deveria ser confirmada por outro meio ou, pelo menos, que não se sentia habilitado a respondê-la. Mas, pelo contrário, o piloto persistiu na mentira, evidenciando que possuía vontade e consciência de que fazia afirmações falsas.
“A quantidade de afirmações falsas, a gigantesca diferença entre as afirmações técnicas relatadas pelo acusado, as inverdades sobre questões de fato, a falta de lealdade com o juiz federal sobre campo de conhecimento muito específico, o conjunto de informações concertado para favorecer os réus daquelas ações penais, enfim, é inconcebível a ocorrência de tudo isso, em apenas um caso, seja tolerado pelo Poder Judiciário”, defende o MPF no recurso.
Ainda para o MPF, o dever da testemunha de dizer a verdade é uma garantia fundamental ligada ao devido processo legal porque ela afeta o poder e a autoridade do Poder Judiciário de proferir um julgamento independente e justo. “Responsabilizar aquele que faz afirmação falsa dolosamente em um processo, quando presentes os requisitos para tanto, significa tutelar penalmente o bem jurídico da verdade nos processos judiciais e a independência do magistrado.”
O recurso proposto foi encaminhado à Justiça Federal de Sinop para ser remetido ao TRF1 para análise.
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