Produtores rurais de Mato Grosso do Sul estão em para acompanhar a explicação de trechos da decisão do STF no caso Raposa Serra do Sol. Líderes indigenas também estão de olho no julgamento.

O julgamento que pretende explicar melhor decisões do STF (Supremo Tribunal Federal) no caso da terra indígena Raposa Serra do Sol coloca mais uma vez fazendeiros e índios de Mato Grosso do Sul em posições contrárias.

Um grupo de produtores rurais de MS está em Brasília para acompanhar a análise dos embargos declaratórios da petição 3388. Líderes indigenas também estão de olho na sessão, a primeira com assunto novo no Supremo após o julgamento do Mensalão, interrompido por duas semanas.

Os recursos envolvendo a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol incluem seis petições impetradas por políticos, representantes do Estado e comunidades indígenas para esclarecer questões pendentes após o julgamento que demarcou a área, em março de 2009.

O interesse no julgamento da Raposa Serra do Sol começou quando os fazendeiros passaram a tentar usar partes da decisão do STF no caso em outras disputas fundiárias com povos indígenas.

Esses embargos são uma espécie de questionamento para resolver dúvidas sobre decisões judiciais e, por isso, são chamados de ‘aclaratórios'.

Portaria 303: ‘traição'

A bancada ruralista chegou a conseguir a publicação da Portaria 303, da AGU (Advocacia-Geral da União), interpretada pelos indigenistas como uma forma de tornar trechos do julgamento do STF regra em outros casos genéricos.

Os índios consideraram a Portaria 303 uma ‘traição' por parte do Governo Federal. Em protesto, os guarani-kaiowá que aguardavam pela demarcação de terras já consideradas indígenas em Mato Grosso do Sul passaram a realizar ‘retomadas' de áreas nas quais há fazendas instaladas.

Os donos das fazendas, que possuem toda documentação das propriedades rurais emitidas pelo Governo Federal, tratam as ações dos índios como invasões. Em Paranhos, a 477 quilômetros de Campo Grande, e na fronteira com o Paraguai, houve confronto e disparos de armas de fogo.

Alguns fazendeiros chegaram a cogitar uma reação armada contra as invasões. Após prometer entregar os índios que ‘sobrassem' de uma suposta chacina para ‘os porcos comerem', um produtor rural foi indiciado pela Polícia Federal. Os homens da Força Nacional tiveram a permanência na região prorrogada pelo Ministério da Justiça em função da situação, que as autoridades consideram controlada.

Com pressão direta sobre a Presidência da República, os índios conseguiram o adiamento do prazo para entrada em vigor da Portaria 303. No entanto, os casos de ameaças contra os índios continuam, segundo as lideranças guarani.

Estupro e suicídios

Os suicídios entre os guarani também seguem acontecendo e até um caso de suposta violência sexual contra uma jovem índia, que teria sido estuprada simultâneamente por oito peões de fazenda e obrigada a revelar detalhes de como a aldeia está organizada está em investigação.

Os líderes indígenas reclamam do que consideram ‘falta de atenção' por parte das autoridades locais. “Se atacam uma moça nossa, até pra gente registrar lá na delegacia eles dificultam. Não querem atender porque nós somos índios. Eu falei pro policial que podia ser uma filha dele, e ele só riu da minha cara”, conta um guarani.

Documentos da diplomacia norte-americana divulgados pelo WikiLeaks revelaram que as autoridades dos EUA confirmaram as acusações dos índios sobre o descaso por parte das autoridades.

Em um dos trechos da correpondência diplomática vazada na internet, o relatório diz que o governador André Puccinelli ‘zomba' da devolução das terras indígenas para os índios em um estado com perfil econômico baseado na produção rural.

Um dos argumentos dos fazendeiros para defender a Portaria 303 é justamente de que as decisões do STF sobre a Raposa Serra do Sol defende ‘interesses da soberania nacional'. O documento da AGU define como os advogados da União devem agir e abre brecha, segundo os índios, para que as terras não fiquem sob controle dos povos indígenas.

Além disso, a Portaria 303 abriria caminho para novos estudos antropológicos que identificam terras originalmente ocupadas por povos indígenas, dizem os indigenistas.

Os fazendeiros destacam que, em regiões de fronteira, como em Mato Grosso do Sul, é necessário que a União mantenha algum controle sobre as terras entregues aos índios para coibir, por exemplo, o uso das áreas para plantação de drogas.

‘Nos enterre aqui'

Há algumas semanas, a situação dos guarani em Mato Grosso do Sul voltou a ter destaque internacional quando uma carta de lideranças da aldeia Pyelito Cue, em Naviraí, a 359 quilômetros de Campo Grande, falava de resistir a um suposto despejo mesmo que isso significasse morrer.

Eles reagiram a uma decisão judicial que foi interpretata como ordem de despejo, mas foi suspensa pela Justiça Federal nesta terça-feira (30).

O texto foi divulgado como se fosse uma ameaça de suicídio coletivo e ganhou o noticiário mundial. Porém, os próprios índios esclareceram que, na verdade, disseram que não aceitam mais sair da terra que consideram sua e pediam ao Governo Federal para que os matassem e enterrasem lá mesmo.

“Cientes desse fato histórico, nós já vamos e queremos ser mortos e enterrados junto aos nossos antepassados aqui mesmo onde estamos hoje, por isso, pedimos ao Governo e Justiça Federal para não decretar a ordem de despejo/expulsão, mas solicitamos para decretar a nossa morte coletiva e para enterrar nós todos aqui”, diz a carta.

Em ambos os lados, as acusações apontam o poder público como maior responsável pela situação. Tanto fazendeiros quanto índios dizem que a demora da justiça e a ausência de órgãos como a Funai contribuem para os conflitos entre os envolvidos.