Os guarani-kaiowa decidiram protestar contra ‘enrolação’ do Governo Federal e do STF ocupando fazendas nas terras indígenas de Mato Grosso do Sul; fazendeiros reclamam de prejuízos nas invasões.
Os !*guarani-kaiowá*! que aguardam a demarcação de áreas já consideradas terras indígenas pelo governo brasileiro em Mato Grosso do Sul anunciaram novas ‘retomadas’ de fazendas para os próximos dias em toda a região sul do estado.
Eles acusam o Governo Federal de ‘enrolação’ e protestam contra a demora do !*STF*! (Supremo Tribunal Federal) em julgar o mérito da questão. A decisão das ocupações foi tomada pelo !*Aty Guasu*!, espécie de conselho político formado por lideranças e rezadores de diversas aldeias indígenas.
No final de julho, um Aty Guasu realizado em Laguna Caarapã, no extremo sul de MS, deliberou pelo fim dos prazos que os !*índios*! têm dado para as autoridades e decidiu que as fazendas localizadas dentro das !*tekohá*! (como os guarani chamam o ‘espaço onde se vive’, no idioma nativo)devem ser ocupadas.
Em Paranhos, a 477 quilômetros de Campo Grande, um grupo de aproximadamente 200 índios entrou em fazendas que estão na tekohá !*Arroyo Corá*! no último dia 10.
Nos dois dias anteriores, rezadores e lideranças, além das mulheres das aldeias, estiveram reunidos se preparando para entrar na terra. Outros grupos, segundo eles, devem se reunir isoladamente e decidir o momento de agir em cada região.
“Estamos declarando guerra à enrolação. Aqui é só o começo, mas vão acontecer mais retomadas. Nós não vamos mais ficar paralisados enquanto todo mundo engana o índio com promessas”, avisa Eliseu Lopes, uma das lideranças indígenas que acompanhou a mobilização.
Antes da ‘retomada’, os índios divulgaram um manifesto explicando a decisão.
“As nossas crianças e lideranças estão morrendo nas margens da rodovia e nos acampamentos. Não aguentamos mais. Não vamos mais aguardar na margem da BR e nos pequenos acampamentos isolados. Por isso, hoje, 10 de agosto de 2012, começamos a reivindicar o despejo dos !*fazendeiros*! que invadiram os nossos territórios tradicionais”.
Conflitos
Tanto índios quanto fazendeiros consideram prováveis novos conflitos na região e culpam a morosidade do poder público em resolver a questão fundiária indígena de !*Mato Grosso do Sul*! pela situação.
Durante a ação, houve conflito com homens armados e, segundo os índios, um homem identificado como Eduardo Pires, de aproximadamente 50 anos de idade, estaria desaparecido desde então. A morte de um bebê de nove meses de idade também é considerada pelos guarani como resultado do ataque ao grupo durante a ocupação.
A !*Funai*! (Fundação Nacional do Índio) confirmou que esteve no local após o conflito e acionou a Polícia Federal e Força Nacional. Policiais recolheram capsulas de projéteis deflagrados e o MPF (Ministério Público Federal) já pediu a instauração de inquérito.
Para os fazendeiros, invasão
Os fazendeiros, no entanto, negam que tenham reagido com armas de fogo e reclamam da ação indígena, que consideram como invasão criminosa.
Vergilina Pereira Lopes, de 83 anos de idade, registrou queixa na delegacia de Paranhos contra a ação dos indígenas na fazenda Campina, da qual é dona há 50 anos, como ‘esbulho possessório’.
“Se eu tenho a escritura, paguei pela terra, pago impostos, e alguém entra, é invasão. Seja índio ou sem-terra, são invasores até que a justiça decida que os fazendeiros devem entregar a área mesmo”, diz o filho da proprietária.
Informações não confirmadas são de que há aproximadamente duas mil cabeças de gado na área que os guarani-kaiowá consideram retomadas. Os índios exigiram dos fazendeiros a retirada imediata dos animais, mas os produtores dizem que não têm sequer local para colocar a boiada.
“Eu entrei nessa terra em 1962. Meus seis filhos nasceram lá e trabalhei a vida toda para construir o que tinha lá dentro. É a segunda vez que os índios invadem. Há dez anos, até bateram em mim e no meu velho. Agora, o secretário me falou que eles destruíram tudo. É muito complicado guerrear por uma coisa assim”, relata a fazendeira.
Revolta perigosa
Até mesmo entre os fazendeiros, o temor é de que a situação acabe com mais violência. “Eu sou uma velha e não vou mexer com isso, mas tem muita gente revoltada demais com essa situação. O prejuízo que tem é muito grande e isso não é brincadeira. Isso está cada vez mais perigoso”, pondera Vergilina.
A região de Arroyo Corá fica a poucos quilômetros do território paraguaio. Em Paranhos, a fronteira é seca e de difícil controle. Os rumores de que pistoleiros paraguaios seriam contratados pelos fazendeiros para fazer a segurança das fazendas são comuns na cidade.
Apesar de afirmarem que estão desarmados, os guarani-kaiowá prometem que vão enfrentar supostos ataques de pistoleiros. Aproximadamente 200 índios que a reportagem viu no local estão organizando pequenos grupos de barracos onde as famílias se instalam.
Segundo eles, não há segurança alguma na área e o medo de novo ataque é constante. Alguns se alternam na vigília para avisarem aos demais em caso de aproximações suspeitas.