O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Carlos Ayres Britto, seguiu o entendimento da maioria dos colegas e condenou oito réus nesta quinta-feira. Com a palavra do último magistrado a votar neste capítulo sobre lavagem de dinheiro, Kátia Rabello, José Roberto Salgado, Vinícius Samarane, Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino e Simone Vasconcelos foram declarados culpados por unanimidade e podem pegar de três a 10 anos de prisão apenas por este crime. Aynna Tenório e Geiza Dias foram absolvidas.

Ayres Britto iniciou sua fala já adiantando que acompanharia o voto do colega Celso de Mello. Este, por sua vez, seguiu o mesmo raciocínio dos ministros Rosa Weber, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. Para o presidente da Corte, as provas contidas no processo são suficientes para comprovar a participação dos dirigentes do Banco Rural e de Marcos Valério e seus sócios e funcionários na operação para tornar aparentemente legal o dinheiro desviado em contratos com o Banco do Brasil e em empréstimos já declarados fraudulentos.

Sobre Ayanna Tenório, Britto afirmou não ter tido dificuldades para inocentá-la, tendo em vista que a acusação do Ministério Público não comprovou que ela tivesse conhecimento dos crimes ocorridos no Banco Rural. Na hora de absolver Geiza Dias, o presidente do STF confidenciou que chegou a conversar com a ministra Rosa Weber sobre a situação da ex-gerente financeira da SMP&B que foi chamada de “funcionária mequetrefre” pelo seu advogado.

“O comportamento dela parece que se situou naquela tênue fronteira entre a extrema eficiência funcional e a cumplicidade criminal propriamente dita. Confesso que conversei com a ministra Rosa Weber sobre Geiza Dias e ambos, a ministra e eu, tivemos a oportunidade de nos reportar a servidores de nossos gabinetes e que, por vezes, seguem nossas orientações. Isso é próprio de servidores que não tem poder de mando”, justificou o ministro.

Britto ainda estimulou um debate final entre os ministros sobre os crimes já analisados pelo plenário até agora, como corrupção, gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro. Ganhou a simpatia de Celso de Mello e Luiz Fux, que desfiaram teorias sobre os efeitos dos delitos na sociedade.

“A corrupção é tão preocupante que leva à desnaturação no exercício da função pública e com reflexo no âmbito de todo o setor estatal. A corrupção também leva, mais que uma apatia cívica, a um ceticismo cívico. Os cidadãos deixam de acreditar na seriedade do poder público”, encerrou Ayres Britto.

A sessão desta quinta-feira durou quase 7 horas e não teve intervalos. As longas horas de atividades foram sentidas pelo ministro Gilmar Mendes. “Já estou rouco e cansado de ouvir”, desabafou. Os ministros estão preocupados que o julgamento se estenda até o mês de outubro. Desde o início da semana, eles discutem se aumentam as horas semanais de atividades, utilizando as manhãs de quarta. Eles entenderam que ainda é possível tentar soluções menos impactantes, tais como votos mais resumidos, pontualidade no início das sessões, intervalos mais curtos e prolongamento das exposições noite adentro, quando possível. A sessão extra só será convocada se nenhuma dessas medidas surtir efeito.

O dia também foi marcado por frases irreverentes e polêmicas por parte dos magistrados. Ao comentar a certeza de Gilmar Mendes de que os réus acobertaram a lavagem de dinheiro, Ayres Britto parafraseou Einstein: “O universo e a esperteza humana não têm limites. Sobre o primeiro tenho dúvidas”. Terceiro a votar nesta tarde, Toffoli entendeu pela absolvição de Ayanna Tenório, Rogério Tolentino e Geiza Dias, essa última classificada pelo ministro como uma “frentista de posto de gasolina”.

O mensalão do PT

Em 2007, o STF aceitou denúncia contra os 40 suspeitos de envolvimento no suposto esquema denunciado em 2005 pelo então deputado federal Roberto Jefferson (PTB) e que ficou conhecido como mensalão. Segundo ele, parlamentares da base aliada recebiam pagamentos periódicos para votar de acordo com os interesses do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Após o escândalo, o deputado federal José Dirceu deixou o cargo de chefe da Casa Civil e retornou à Câmara. Acabou sendo cassado pelos colegas e perdeu o direito de concorrer a cargos públicos até 2015.

No relatório da denúncia, a Procuradoria-Geral da República apontou como operadores do núcleo central do esquema José Dirceu, o ex-deputado e ex- presidente do PT José Genoino, o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares, e o ex- secretário-geral Silvio Pereira. Todos foram denunciados por formação de quadrilha. Dirceu, Genoino e Delúbio respondem ainda por corrupção ativa.

Em 2008, Sílvio Pereira assinou acordo com a Procuradoria-Geral da República para não ser mais processado no inquérito sobre o caso. Com isso, ele teria que fazer 750 horas de serviço comunitário em até três anos e deixou de ser um dos 40 réus. José Janene, ex-deputado do PP, morreu em 2010 e também deixou de figurar na denúncia.

O relator apontou também que o núcleo publicitário-financeiro do suposto esquema era composto pelo empresário Marcos Valério e seus sócios (Ramon Cardoso, Cristiano Paz e Rogério Tolentino), além das funcionárias da agência SMP&B Simone Vasconcelos e Geiza Dias. Eles respondem por pelo menos três crimes: formação de quadrilha, corrupção ativa e lavagem de dinheiro.

A então presidente do Banco Rural Kátia Rabello e os diretores José Roberto Salgado, Vinícius Samarane e Ayanna Tenório foram denunciados por formação de quadrilha, gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro. O publicitário Duda Mendonça e sua sócia, Zilmar Fernandes, respondem a ações penais por lavagem de dinheiro e evasão de divisas. O ex-ministro da Secretaria de Comunicação (Secom) Luiz Gushiken é processado por peculato. O ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato foi denunciado por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

O ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP) responde a processo por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A denúncia inclui ainda parlamentares do PP, PR (ex-PL), PTB e PMDB. Entre eles o próprio delator, Roberto Jefferson.

Em julho de 2011, a Procuradoria-Geral da República, nas alegações finais do processo, pediu que o STF condenasse 36 dos 38 réus restantes. Ficaram de fora o ex-ministro da Comunicação Social Luiz Gushiken e do irmão do ex-tesoureiro do Partido Liberal (PL) Jacinto Lamas, Antônio Lamas, ambos por falta de provas.