A visita que o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, fará ao Brasil neste fim de semana marca a oportunidade de um novo começo nas relações bilaterais, após um período de distanciamento, disse à BBC Brasil a analista Julia Sweig, especialista em Brasil e América Latina do Council on Foreign Relations, com sede em Washington.

“Os primeiros dois anos do governo Obama foram marcados por outras prioridades, domésticas e internacionais. Mas com respeito ao Brasil, as relações realmente azedaram”, afirma Sweig.

Nos dois últimos anos do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, as relações entre Brasil e Estados Unidos foram marcadas por divergências sobre temas como o programa nuclear iraniano ou a crise em Honduras.

“Minha impressão é a de que ao ir ao Brasil logo no início do mandato da presidente Dilma Rousseff, Barack Obama e a presidente brasileira têm ambos um interesse claro em melhorar a dinâmica (da relação), e em fazer isso logo”, diz a analista.

Segundo Sweig, ambos os presidentes já sinalizaram um ajuste no tom da relação. Ela afirma, porém, que uma relação mais próxima não significa uma aliança ou uma relação especial.

Para analista, questão iraniana foi uma lição para os EUA sobre a política independente do Brasil

A analista diz ainda que o conflito sobre a questão nuclear iraniana – quando o Brasil votou contra uma resolução defendida pelos Estados Unidos no Conselho de Segurança da ONU para pressionar o Irã a interromper seu programa de enriquecimento de urânio – foi uma lição para Washington sobre a política externa independente do Brasil.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

BBC Brasil – A visita do presidente Barack Obama ao Brasil vem sendo encarada como uma oportunidade de recomeço nas relações bilaterais, depois de dois anos marcados por atritos durante o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A presidente Dilma Roussseff já disse que pretende fortalecer os laços com os Estados Unidos. Na sua opinião, como essa relação deve avançar?

Julia Sweig – Eu realmente acho que a viagem do presidente Obama ao Brasil é uma oportunidade para um novo começo entre o Brasil e os Estados Unidos. Os primeiros dois anos do governo Obama foram marcados por outras prioridades, domésticas e internacionais. Mas com respeito ao Brasil, as relações realmente azedaram. Por causa do (programa nuclear do) Irã, (crise em) Honduras, bases (militares americanas) na Colômbia. Estebeleceu-se um tom muito ideológico. Minha impressão é a de que a presidente Dilma Rousseff e Obama – ao ir ao Brasil tão no começo do mandato de Dilma – têm ambos um interesse claro em melhorar a dinâmica (da relação), e em fazer isso logo.

BBC Brasil – Mas que tipo de melhora podemos esperar?

Sweig – Eu acho que há dois níveis de melhora. Um tem a ver com o nível presidencial. Ambos os presidentes sinalizando claramente para seus respectivos governos e públicos que os dois países, Brasil e Estados Unidos, têm algo a ganhar um do outro. Este é um ajuste geral de tom.

E em segundo lugar, muito relacionado a isso, é o fato de estarem realmente começando a desenvolver uma relação entre eles. Isso não é superficial, não é somente pessoal, mas é uma maneira de criar um canal entre Washington e Brasília.

A outra dimensão é que iremos ver uma série de acordos práticos para cooperar em desenvolvimento, segurança alimentar em outros países, biocombustíveis, educação, aumentar a conexão entre as duas sociedades. Muitos anúncios técnicos e burocráticos que vão tentar começar a implementar o que tem sido sinalizado pelos dois presidentes.

BBC Brasil – Em termos práticos, o que o Brasil pode ganhar dessa relação mais próxima com os Estados Unidos, e vice-versa?

Sweig – Eu acho que é muito importante não assumir que uma relação mais próxima significa uma aliança ou uma relação especial. Nós estamos no século 21 e em um mundo de potências emergentes, no qual os Estados Unidos e sua influência global e sobre a América do Sul estão em declínio. Ambos os países estão experimentando como lidar um com o outro.

Então, para o Brasil, uma potência emergente, com voz, interesses e participação crescente em temas globais, como mudanças climáticas, arquitetura financeira mundial, reforma do Conselho de Segurança da ONU, a questão do câmbio e o papel da China, é extremamente importante ter os Estados Unidos por perto, ter um entendimento com os Estados Unidos de que seus interesse e os dos Estados Unidos podem se fortalecer mutuamente.

Da mesma maneira, eu diria que, para os Estados Unidos o Brasil é muito importante para descobrir como realmente atuar em um ambiente multilateral, em um mundo multipolar, em um mundo no qual os Estados Unidos não podem fazer coisas importantes sem ajuda real.

BBC Brasil – Alguns analistas afirmam que a viagem também será uma oportunidade de contrabalançar a influência da China na América Latina. Em um novo cenário mundial, com a ascensão da China e problemas internos na economia americana, que tipo de papel o Brasil pode ter?

Sweig – Brasil e Estados Unidos enfrentam questões semelhantes no que diz respeito à China. A China é um concorrente em termos de bens manufaturados. A moeda chinesa, artificialmente baixa, também reduz os preços tanto das exportações brasileiras quanto das americanas. E compete com os Estados Unidos e com o Brasil em outras partes do mundo, como a África, por recursos e status diplomático em geral. Os dois países podem estar apenas no início do processo de descobrir onde podem realmente cooperar em relação à China. Mas pelo menos ao indicar publicamente que pretendem fazer isso enviam um sinal muito importante para a China e para seus próprios públicos internos.

BBC Brasil – Logo após ser eleita, a presidente Dilma Rousseff deu uma entrevista ao jornal The Washington Post em que criticou a postura do governo Lula de se abster em uma votação na ONU que condenava o Irã por abusos de direitos humanos. Isso foi encarado por alguns analistas como uma indicação de mudança de postura do novo governo em relação ao Irã. Os Estados Unidos realmente acreditam em uma mudança na condução da política externa brasileira?

Sweig – Eu acho que há diferentes dimensões em relação ao Irã. Em relação aos direitos humanos, o fato de a própria Dilma Rousseff ter aberto a porta para falar sobre direitos humanos no Irã, diferentemente de seu antecessor, convenceu Washington de que há uma oportunidade de diálogo. O que não significa que Washington acredite que o Brasil irá repentinamente votar com os Estados Unidos, apoiar suas resoluções, adotar as mesmas posições com relação ao Irã e direitos humanos. Mas, como se viu na explicação do voto dado na votação no Conselho de Direitos Humanos, duas semanas atrás, essa foi uma abstenção, e não um não. E uma abstenção, em termos diplomáticos brasileiros, geralmente é o melhor que os americanos podem esperar, em comparação com o sim que eles talvez desejem.

BBC Brasil – Qual será a importância dada à questão iraniana na visita de Obama?

Sweig – Eu acho que estará presente. Na verdade, eu espero que esteja, porque espero que os dois presidentes conversem sobre suas diferenças. A questão do Irã, com relação à manutenção do programa nuclear do Irã, e o conflito que os dois países tiveram no ano passado, é exatamente o tipo de questão que o Brasil e os Estados Unidos precisam ser capazes de antecipar. Entender que podem discordar, mas serem capazes de discutir como adultos racionais.

BBC Brasil – O governo brasileiro gostaria de ouvir do presidente Obama um apoio público à entrada do Brasil como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, da mesma maneira que ele fez quando visitou a Índia no ano passado. Há sinais de que ele vá fazer isso?

Sweig – Algumas pessoas no Brasil têm grandes expectativas sobre um apoio dos Estados Unidos a um assento permanente para o país no Conselho de Segurança. Eu acho que, para os Estados Unidos, não há problema em fazer isso. Em termos de política externa isso faria enorme sentido, mudaria dramaticamente a dinâmica em muitas diferentes frentes, internacionalmente, para o Brasil, obviamente, mas também para os Estados Unidos.

Dito isso, acho que as expectativas podem estar um pouco altas. Washington ainda está se recuperando do episódio do Irã no ano passado (quando Brasil e Estados Unidos discordaram sobre a aplicação de sanções contra o programa nuclear iraniano). Mas a declaração da secretária (de Estado americana, Hillary) Clinton feita quando o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, esteve aqui, foi muito clara, de que Washington reconhece a legitimidade da busca brasileira por esse assento. Acho que isso é um excelente passo adiante. Isso significa que Obama vai, neste fim de semana, anunciar sua bênção ao assento brasileiro? Veremos.

BBC Brasil – Nos últimos anos a diplomacia brasileira tem se esforçado para manter uma postura de independência dos Estados Unidos e ter uma atuação mais destacada em temas globais. Os Estados Unidos reconhecem essa nova estatura da diplomacia brasileira?

Sweig – Completamente. Acho que uma consequência positiva do conflito sobre o Irã foi que Washington, o governo Obama, e o Congresso, receberam uma lição objetiva sobre a política externa independente do Brasil. Mesmo se, da perspectiva brasileira, tenha falhado, eles tenham se sentido traídos, foi um desastre em diplomáticos, ainda assim deixou Washington com uma sensação muito clara de que este é um país com uma política externa independente. E isso deixa espaço para um trabalho para ir adiante, descobrindo uma maneira de trabalhar em conjunto em algumas questões, mas sem grandes expectativas em Washington de que o Brasil vai seguir a posição americana.

BBC Brasil – Há a visão de que o Brasil poderia contribuir em temas como os conflitos no Oriente Médio ou o processo de paz?

Sweig – O Brasil está se envolvendo em diplomacia e investimentos no Oriente Médio porque tem uma visão estratégica de longo prazo de que, como um ator global, há muitas razões pelas quais cumprir a agenda doméstica do país requer que tenha uma presença global, inclusive no Oriente Médio. Há um interesse financeiro e comercial, mas também há uma sensação de que, bem ou mal, o Brasil pode ter um papel de ponte, intermediador, interlocutor que tradicionalmente a política externa brasileira tem estimulado em questões internacionais.

BBC Brasil – O presidente Barack Obama disse que pretende discutir importação de petróleo em sua visita ao Brasil. As descobertas de petróleo na camada do pré-sal representam uma mudança na importância estratégica do Brasil para os Estados Unidos?

Sweig – Totalmente. Eu acho que o Brasil, uma vez que as novas descobertas de petróleo comecem a produzir, será o décimo maior produtor de petróleo do mundo. Isso cria oportunidades para os Estados Unidos diversificarem seu portfólio de importação de petróleo, para longe do Oriente Médio, potencialmente longe da Venezuela. Certamente o Brasil vai se tornar um concorrente da Venezuela. O que para os Estados Unidos seria importante. Não significa que irá substituir a Venezuela, mas acho que a dimensão energética das capacidades do Brasil é de importância estratégica para os Estados Unidos.