Acusado de envolvimento na morte da juíza Patrícia Acioli – executada com 21 tiros em 11 de agosto -, um cabo PM foi fundamental para levar para a prisão o tenente-coronel Cláudio Luiz Silva de Oliveira, ex-comandante do 7º BPM (Alcântara) e suspeito de ser mentor do crime, e o PM Júnior Cesar de Medeiros.

Em depoimento na 3ª Vara Criminal de Niterói e Tribunal do Júri, segunda-feira, o cabo, que não teve a identidade divulgada, revelou ainda como funcionava o esquema de corrupção montado por outros sete PMs, sendo um oficial, presos pela morte da magistrada. O grupo transformou o quartel num mar de lama com práticas de homicídios e extorsões.

Segundo o cabo, os PMs tentaram matar Patrícia duas vezes antes do crime. A primeira, dias antes de a magistrada ser morta. Mas o PM escalado para vigiar a saída de Patrícia do Fórum de São Gonçalo não a viu deixar o local. Outra tentativa, na véspera da execução, foi frustrada porque haveria reconstituição de crime, o que levaria muita gente à região.

Para matar Patrícia, o cabo afirmou que os PMs usaram armas apreendidas, uma delas no Morro da Coruja, São Gonçalo, mas que não foram apresentadas na delegacia. Os projéteis também eram de apreensões e do batalhão. O cabo revelou a atuação do grupo após delação premiada — benefício que permite a redução da pena. Sua família vai ser incluída no Programa de Proteção à Testemunha. Na madrugada desta segunda-feira, o tenente-coronel Cláudio, exonerado do 22º BPM (Maré), se apresentou no Batalhão de Choque.

À tarde, na Divisão de Homicídios (DH), ele garantiu inocência. “Ele é o mentor intelectual do crime. A juíza investigava o envolvimento dele com execuções e extorsões”, disse o delegado Felipe Ettore, da DH. O oficial recebeu a informação da morte no dia seguinte ao crime pelo seu braço-direito, o tenente Daniel dos Santos Benitez, um dos executores. Por ordem da Justiça, nove policiais do 7º BPM estão presos em Bangu 8. A polícia apura a participação de mais um PM.

Apreensões divididas entre grupo de policiais militares

Desvios de armas, munição e drogas, dinheiro apreendido e não apresentado. De acordo com o depoimento do cabo, tudo era dividido entre os integrantes do grupo criminoso que atuava no 7º BPM. O então comandante da unidade, tenente-coronel Cláudio Luiz, de acordo com o depoimento, entrava no rateio quando o valor apreendido era “mais elevado”.

As quantias, chamadas por ele de “espólio”, eram divididas semanalmente. O lucro era tão alto que o grupo chegou a combinar de reservar parte dele a fim de contratar milícia do Rio para matar a juíza, de acordo com depoimento.

Ainda segundo o cabo, o grupo atuava nos complexos do Salgueiro e da Coruja, em São Gonçalo, onde, segundo ele, “a rentabilidade era maior”. Os policiais costumavam se dividir em duas equipes e sempre tinham preferência por áreas em que o tráfico era mais “desenvolvido”. A cobrança por arrecadação era frequente. Segundo o PM, quando não conseguia faturar, a equipe podia ser penalizada com plantões extras.

Visita do comandante após a prisão

Antes de completarem 24 horas na cadeia, em 13 de agosto, PMs acusados do crime receberam a visita do tenente-coronel Cláudio na Unidade Prisional, antigo Batalhão Especial Prisional (BEP). O oficial teria pedido para que seu nome fosse tirado da lista de visitas.

Segundo o cabo, o oficial prometeu advogado para os policiais. De acordo com o cabo, o tenente Daniel Benitez não revelou que executou a juíza com ajuda dos PMs, mas de milicianos. A advogada Alzira de Castro Garcia se apresentou aos PMs por indicação do coronel e cobrou R$ 7,5 mil de cada para defendê-los.

Apesar de Cláudio ter comandando vários batalhões, Relatório de Inteligência da Secretaria de Segurança, há três anos, contraindicou o oficial para posto de comando. Na PM há 26 anos, foi o 7º BPM a primeira unidade que ele comandou. Ele foi transferido dia 2 de setembro para o 22º BPM e estaria cotado para assumir o 14º BPM (Bangu). Passou pelo Bope.

Em coletiva no Tribunal de Justiça, o secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, alegou que o oficial não foi exonerado antes porque não havia acusação contra ele. Sobre o comandante-geral da PM, coronel Mario Sérgio Duarte, foi taxativo: “continua gozando da minha confiança”, afirmou o secretário. O oficial está internado e telefonou para Cláudio pedindo que se entregasse.

Perícia analisa 380 armas

A chefe da Polícia Civil, delegada Martha Rocha, afirmou que 380 armas que poderiam ter sido usadas para matar a juíza já foram analisadas por peritos do Instituto de Criminalística Carlos Éboli. No início do mês, a DH apreendeu quase 900 armas no 7º BPM.

Na noite de segunda-feira, ela acompanhou o depoimento do cabo na Justiça. Ele foi ouvido por dois promotores e assistido por dois defensores em sessão conduzida pelo juiz Peterson Barroso Simão. “Ele disse ter se arrependido do crime”, afirmou o defensor Jorge Alexandre Mesquita.

A expectativa da polícia é a de que o caso seja encerrado até sexta-feira. A Justiça decretou a prisão de sete acusados por 15 dias, outros três já estavam presos.

Juíza estava em “lista negra” de criminosos

A juíza Patrícia Lourival Acioli, da 4ª Vara Criminal de São Gonçalo, foi assassinada a tiros dentro de seu carro, por volta das 23h30 do dia 11 de agosto, na porta de sua residência em Piratininga, Niterói, na região metropolitana do Rio de Janeiro. Segundo testemunhas, ela foi atacada por homens em duas motos e dois carros. Foram disparados mais de 20 tiros de pistolas calibres 40 e 45, sendo oito diretamente no vidro do motorista.

Patrícia, 47 anos, foi a responsável pela prisão de quatro cabos da PM e uma mulher, em setembro de 2010, acusados de integrar um grupo de extermínio de São Gonçalo. Ela estava em uma “lista negra” com 12 nomes possivelmente marcados para a morte, encontrada com Wanderson Silva Tavares, o Gordinho, preso em janeiro de 2011 em Guarapari (ES) e considerado o chefe da quadrilha. Familiares relataram que Patrícia já havia sofrido ameaças e teve seu carro metralhado quando era defensora pública.