Gilmar Mauro: “MST terá autonomia na relação política com o governo Dilma”
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) reconhece com restrições os avanços na questão agrária e na distribuição de renda nos últimos anos. Para Gilmar Mauro, da coordenação nacional do movimento, a evolução ocorreu sem a necessária diminuição da concentração fundiária e a alteração do modelo de exploração do solo o que, para o […]
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O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) reconhece com restrições os avanços na questão agrária e na distribuição de renda nos últimos anos. Para Gilmar Mauro, da coordenação nacional do movimento, a evolução ocorreu sem a necessária diminuição da concentração fundiária e a alteração do modelo de exploração do solo o que, para o MST, põe em risco os recursos naturais.
A questão ambiental estará à frente da pauta de mobilização que os trabalhadores rurais terão no primeiro ano do governo Dilma Rousseff e será tema de campanhas de mobilização como a do Abril Vermelho.
Gilmar Mauro garante que, em relação ao governo da primeira presidenta do Brasil, o MST, um dos principais movimentos sociais do país, manterá autonomia.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista que o líder do MST concedeu:
O senhor já tem alguma avaliação sobre o governo Dilma?
Nossa impressão preliminar é a de que o governo Dilma será mais ou menos a continuidade do governo Lula. A expectativa é que se possa, no governo Dilma, avançar mais na reforma agrária, embora os indícios iniciais sejam de que o tema está fora de pauta. Tanto no período eleitoral quanto no pós-eleitoral [mesmo no discurso de posse], o tema da reforma agrária não foi tratado. Historicamente, aliás, nós podemos afirmar que não temos um programa de reforma agrária. O que temos tido, ao longo da história brasileira, são programas de assentamento porque a estrutura fundiária brasileira continua inalterada, ou seja, grandes propriedades, alta concentração fundiária, grandes investimentos no agronegócio como forma de exportação de commodities para equilibrar a balança de pagamentos.
O lema do novo governo é “País rico é país sem pobreza”. Há relação entre a estrutura fundiária e a questão da pobreza, desigualdade e distribuição de renda?
O governo Lula avançou numa perspectiva de distribuição de renda com o sistema de bolsa, a elevação do nível de empregos e etc, mas sem mexer na renda dos ricos e sem mexer na estrutura altamente desigual que nós temos no país. Não vejo possibilidade de acabarmos com a pobreza no Brasil sem alterarmos isso. É preciso mexer na renda dos ricos, na riqueza do país, e, especialmente, no patrimônio. No caso, em particular da reforma agrária, [mexer] nas terras que estão servindo e serviram por muito tempo como reserva de especulação e hoje estão sendo utilizadas por grandes transnacionais para gerar lucros.
Qual a sua expectativa quanto ao relacionamento do governo com os movimentos sociais?
Por ora, não há nenhum indicativo. Com o MST, não tem nada estabelecido. A gente espera, em um período próximo, fazer reuniões. Temos uma pauta emergencial para discutir com ela [a presidenta Dilma], mas, acima de tudo, temos uma pauta de médio prazo que acreditamos ser uma pauta da sociedade brasileira e tem a ver com o tipo de reforma agrária. Se nós continuarmos com a reforma agrária dentro da lógica de mercado não tem mais sentido. Se pensarmos um outro tipo de utilização do solo, dos recursos naturais, da água, numa perspectiva de preservação para o futuro, evidentemente, a reforma agrária passa a ser uma coisa moderna. Também queremos discutir sobre alimentação. Se a sociedade brasileira quer continuar consumindo alimentos altamente contaminados, então, também não tem sentido uma reforma agrária e uma agricultura familiar fortalecida.
Mas, atualmente, 70% do que o brasileiro consome vem da agricultura familiar…
Podemos dizer que sim. Com uma quantidade menor de terras, a agricultura familiar e a média agricultura têm proporcionalmente uma produtividade de alimentação e de geração de empregos infinitamente maior do que a grande produção de exportação. Porém, a pequena propriedade e a média utilizam, em grande medida, todo o pacote tecnológico produzido e monopolizado por grandes grupos de transnacionais. Isso é preciso ser alterado.
O MST faz muitas críticas ao chamado agronegócio, mas setores dentro do próprio governo reconhecem a importância econômica. O Brasil cada vez exporta menos manufaturados ao passo que se consolida como maior produtor de carne, de frango, de soja, o que tem trazido divisas para o país…
Nós vivemos o dilema da reprimarização da economia na medida em que passamos a exportar produtos com pouco valor agregado. Para ter uma ideia, em produtos agrícolas processados em grau 1 e grau 2, nós estamos perdendo para a Argentina. Do ponto de vista do equilíbrio comercial, essa exportação, em grande medida, e o mercado internacional em expansão, trazem divisas para o país e equilibram a balança de pagamento. Porém, uma economia não sobrevive com isso, não tem jeito.
Teremos, neste primeiro ano de governo Dilma, a mobilização do Abril Vermelho?
Nós vamos continuar fazendo mobilizações para a reforma agrária. Nós queremos uma relação de autonomia com o governo. Um movimento que perde sua autonomia perde a capacidade de fazer política. Uma coisa muito importante é que a reforma agrária não depende mais do MST. A reforma agrária depende de um debate com a sociedade. Se a sociedade brasileira quer continuar dando esse uso que dá ao solo, aos recursos naturais, à biodiversidade e servir a essa lógica que está estabelecida do lucro, de fato, a reforma agrária não vai ter espaço no nosso país. Agora, se a sociedade quer dar um outro uso ao solo e à água, comer outro tipo de comida mirando uma perspectiva de preservação desse patrimônio às futuras gerações, então, de fato, a reforma agrária é uma das coisas mais importantes e por essa razão essa jornada de lutas em abril.
Das 924 mil famílias assentadas na última década, cerca de 38% não conseguem ter renda de um salário mínimo. A reforma agrária é um bom mecanismo para acabar com a pobreza?
Esse número, na verdade, a grande maioria, é de regularizações fundiárias no Norte do país. Isso é um engabelamento que se faz em torno dos números da reforma agrária.
Para o senhor qual seria o número correto?
Desapropriação e assentamentos no Brasil são em torno de 400 mil famílias. O restante é regularização. Mais que isso, se uma família desiste de um assentamento, o Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] contabiliza a família para quem a terra será destinada como nova família assentada. Isso inflacionou o número de assentamentos e a quantidade de terras que, supostamente, a reforma agrária já possui no país. É um dado que não reflete a realidade.
E a questão da permanência das pessoas em situação de pobreza nos assentamentos?
A maioria das áreas desapropriadas está em condições precárias, já foi destruída ambientalmente e a fertilidade do solo é muito baixa. Um assentado, ao entrar numa área dessa, além de estar descapitalizado, precisa, logo no primeiro momento, investir na recuperação do solo. E não há nenhum tipo de recurso, crédito, para esse tipo de investimento. Então, o investimento é arcado pelas próprias famílias. No início dos assentamentos, a produtividade é baixa pela falta de recursos e, principalmente, pela precariedade da situação das terras.
Mas há recursos do Programa Nacional de Agricultura Familiar para isso, não?
No último período melhorou a situação dos créditos, mas ainda não é o ideal. Ela não tem produção em escala e, por isso, tem dificuldade. Em todo o mundo a pequena agricultura é subsidiada e, no caso brasileiro, devia ser também. Nós queremos melhorar a situação dos créditos, além de um volume maior, as condições precisam ser modificadas. Para ser considerado um assentamento, a área deveria ter estrada, escola, luz elétrica, casa, recuperação do solo e assim por diante. O que acontece é: quando se estabelece o projeto já se considera assentamento, mas ainda com toda a precariedade.
E, com relação ao Congresso Nacional, a bancada governista é mais robusta, mas o MST já apontou que o número dos parlamentares ruralistas continua grande e eles estão entre os mais ricos. O que vocês esperam do Parlamento?
Houve aumento no número dos parlamentares vinculados com o tema da reforma agrária. Isso é importante, é uma situação nova, diferente do último período. A Câmara dos Deputados, no entanto, continua altamente conservadora, mesmo o governo tendo maioria.
Que pautas serão acompanhadas pelo MST?
O Código Florestal é um tema que a sociedade deveria discutir muito melhor. É de fundamental importância e o que a gente espera é que não seja aprovado tal qual está. Seria um retrocesso, a abertura para que o agronegócio continue sua expansão de forma indiscriminada. Estou falando como cidadão desse país que está preocupado com o futuro da nossa agricultura, dos recursos naturais, da contaminação. Espero que o Congresso barre esse projeto para evitarmos consequências graves para o futuro da nossa agricultura e do nosso país.
O senhor expressa grande preocupação com a preservação, mas há dados sobre desmatamento nos assentamentos.
Nós temos esse problema também nos assentamentos, mas não é generalizado como se tenta dizer. A razão [dos desmatamentos] é simples: ocorre por falta de fiscalização do Incra, por falta de iniciativa do próprio Estado em resolver a situação de precariedade dos assentamentos. O MST não orienta a isso.
Há algo mais na agenda política que interesse ao movimento?
Em primeiro lugar, o índice de produtividade, que é uma vergonha. O agronegócio alardeia desenvolvimento tecnológico e quer manter os índices dos anos 1970? É uma contradição. A segunda coisa é o trabalho escravo que nos deixa numa situação delicada internacionalmente. É inadmissível que o Congresso não tenha aprovado ainda a PEC do Trabalho Escravo [Proposta de Emenda à Constiutição nº 438] que aponta para o processo de desapropriação das terras. A terceira preocupação é com relação aos alimentos transgênicos. Além da soja, do milho, do algodão, há vários projetos de utilização de transgênicos que, possivelmente, entrarão em pauta no próximo período e que nos preocupa muito porque ainda não há estudos decisivos sobre o tema.
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