Escrivã diz que delegado sorriu ao vê-la nua
Relatório do Ministério Público Estadual revela que uma policial militar chamada por policiais civis para revistar a escrivã suspeita de corrupção em 2009 tentou vistoriá-la no banheiro da delegacia, na companhia de uma guarda-civil metropolitana, sem a presença masculina, mas foi impedida pelo delegado da Corregedoria que comandava a ação. O documento da Promotoria foi […]
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Relatório do Ministério Público Estadual revela que uma policial militar chamada por policiais civis para revistar a escrivã suspeita de corrupção em 2009 tentou vistoriá-la no banheiro da delegacia, na companhia de uma guarda-civil metropolitana, sem a presença masculina, mas foi impedida pelo delegado da Corregedoria que comandava a ação.
O documento da Promotoria foi obtido pelo G1. A ex-escrivã, expulsa da corporação, foi despida à força por um delegado da Corregedoria da Polícia Civil e filmada nua pela equipe dele, formada por homens, dentro do 25º Distrito Policial, em Parelheiros, na Zona Sul de São Paulo.
Em seu depoimento, a policial militar disse que o delegado alegou que ele precisava acompanhar a revista, exigindo que a escrivã se despisse na sua frente. A testemunha afirmou que a suspeita se recusou, dizendo que só iria tirar a roupa para mulheres.
Mas o delegado arrancou a calça e a calcinha da escrivã, que ficou nua na frente da policial militar, de uma guarda-civil metropolitana, de uma mulher e de pelo menos quatro delegados. Em seguida, o delegado da Corregedoria mostrou R$ 200 que disse estar com a escrivã e a prendeu. O dinheiro, segundo a acusação, foi pago à escrivã por um suspeito de porte ilegal de arma para favorecê-lo no inquérito.
“A testemunha solicitava ao delegado da Corregedoria para fazer a revista pessoal (…) no banheiro existente no local. Porém, o delegado exigia que ela se desnudasse na frente dele. Referido delegado não deixou que a testemunha realizasse a revista pessoal (…) no banheiro porque ele dizia que, por ser o condutor, precisava acompanhar a diligência. Na sala também estava uma guarda-civil metropolitana para auxiliar na diligência e uma outra mulher. Por fim, (…) se jogou no chão e referido delegado a segurou pelas pernas e arrancou as calças dela, arrancando também a calcinha, permitindo que todos vissem seus pelos pubianos”, disse a policial militar em depoimento ao Grupo de Atuação Especial de Controle Externo da Atividade Policial (Gecep), que instaurou procedimento para apurar eventual crime de abuso de poder e violação de direitos durante a prisão em flagrante da escrivã.
Vídeo na internet
Recentemente, imagens da ação vazaram na internet, causando mal-estar na cúpula da Secretaria da Segurança Pública do estado. Pelo menos dois documentos foram encaminhados ao secretário da Segurança, Antonio Ferreira Pinto, nos últimos dois anos o alertando sobre esse vídeo no qual o delegado despe a escrivã.
São eles o relatório do Gecep, ao qual a equipe de reportagem teve acesso, e que foi enviado em 28 de agosto de 2009 ao secretário Ferreira Pinto; e um ofício da Ordem dos Advogados do Brasil, em São Paulo (OAB-SP), enviando cópia da fita com a ação da Corregedoria a ele em 4 de novembro de 2010.
A assessoria de imprensa da SSP foi procurada para comentar a informação de que o Gecep encaminhou o relatório ao secretário, mas não se pronunciou. A respeito do DVD com cenas da ação policial, a secretaria informou que Ferreira Pinto recebeu o conteúdo com as imagens em 22 de dezembro de 2010, mas não as viu, e enviou as cenas à Corregedoria da Polícia, que já havia investigado e arquivado o caso.
O vazamento do vídeo da Corregedoria foi criticado nesta semana pelo governador Geraldo Alckimn (PSDB), que o classificou como “grave”.
Delegados afastados
Após a divulgação da ação em sites e a reprodução dela nas TVs e jornais, o secretário Ferreira Pinto demonstrou indignação com o arquivamento do inquérito da Corregedoria que apurava suposto abuso de poder praticado pelos delegados que fizeram a prisão da escrivã. Na segunda-feira (21), ele determinou o afastamento dos quatro delegados envolvidos. No dia seguinte, foi a vez de ele transferir a delegada Inês Trefiglio Valente do posto de corregedora-geral. Ela chegou a defender os policiais publicamente, ao dizer que eles agiram com “moderação”.
O secretário também determinou a nova instauração de processo administrativo disciplinar na Corregedoria da Polícia Civil para apurar a responsabilidade dos delegados envolvidos naquela ação de 2009.
A equipe da Corregedoria investigava a escrivã por crime de concussão (quando um servidor exige o pagamento de propina). A mulher respondeu a processo administrativo e foi exonerada da Polícia Civil em outubro de 2010.
Arquivamento
No relatório obtido pelo G1, o Gecep pediu para a Promotoria do Fórum de Parelheiros apurar o suposto abuso policial, mas o promotor designado decidiu arquivar o caso em 23 de setembro de 2009. Também informou que foi instaurado inquérito policial na Corregedoria da Polícia Civil e a apuração na então Promotoria de Justiça da Cidadania (substituída hoje pela Promotoria do Patrimônio Público e Social).
“Não há que falar em abuso de autoridade por parte do delegado (…), pois à polícia será sempre permitido relativo arbítrio, certa liberdade de ação (…)”, escreveu o promotor que arquivou o caso.
Sobre as imagens a que assistiu, o promotor escreveu que “o clima existente no local dos fatos ficou bem adverso a atuação destes, aliás, muito idêntico àqueles retratados nos filmes, quando policiais são investigados por outros policiais”.
O promotor ainda escreveu que os delegados “agiram, portanto, estritamente no exercício de suas funções policiais”.
Nesta semana, a Promotoria de Justiça instaurou procedimentos para apurar novamente a denúncia de abuso de autoridade praticado por policiais contra a escrivã a partir das notícias veiculadas na imprensa.
Delegados trocam acusações
O documento também mostra trechos de depoimentos dos delegados que eram investigados pelo Ministério Público, bem como da escrivã e de testemunhas.
O delegado-corregedor apontado como o responsável por tirar a roupa da escrivã sem o consentimento dela foi ouvido e alegou que “a ordem para despir (…) partiu do delegado de polícia divisionário, (…). Disse também que não permitiu que as policiais femininas que estavam no local efetuassem a revista pessoal (…) porque não confiou nelas. Por fim, informou que como era ele quem comandava a operação, deliberou que a revista pessoal (…) fosse feita por ele mesmo”.
O então delegado divisionário negou que ele tenha permitido que a revista da suspeita fosse feita por homens e “afirmou que jamais autorizou ou determinou que a escrivã (…) fosse desnuda por policiais do sexo masculino. Autorizou que a revista fosse realizada dentro dos ditames legais, ou seja, por policiais femininas.”
Escrivã
No mesmo relatório, o Gecep informa que escrivã lhe contou que o delegado começou a sorrir quando ela ficou nua. “Algemou a depoente, com as mãos para trás, e jogou a depoente no chão e, sem sequer abrir os botões arrancou a calça da depoente. Nisso o dinheiro caiu no chão. Sem necessidade alguma o delegado abaixou a calcinha da depoente, tendo ela ficado com a intimidade exposta. A depoente viu que o delegado de polícia da Corregedoria sorriu enquanto estava desnuda”, escreveu a promotora.
Em entrevista ao G1 na segunda, a ex-escrivã, que não quis ter o nome divulgado, afirmou que se sente humilhada em dobro com a veiculação do vídeo na internet com a cena dentro da delegacia. “É uma dupla humilhação, no dia e agora”, disse a mulher, que preferiu não comentar a acusação.
O advogado da ex-escrivã tenta reverter sua exoneração da Polícia Civil. O inquérito criminal ainda corre na Justiça. A primeira audiência do caso só deverá ocorrer em maio, conforme seus advogados. “Foi um excesso desnecessário. Ela só não queria passar pelo constrangimento de ficar nua na frente de homens”, disse o advogado Fábio Guedes da Silveira.
Testemunhas
Ainda no mesmo documento, são mostrados trechos dos depoimentos dos delegados suspeitos do abuso e das testemunhas.
Outro depoimento que chama a atenção é do delegado titular do 25º DP, que tentou defender a escrivã e chegou a responder uma sindicância na Corregedoria por atrapalhar a ação do órgão. De acordo com o delegado de Parelheiros, o delegado da Corregedoria “gritava para que (…) tirasse a roupa dela na frente dele; porém, ela dizia que a revista deveria ser feita por uma policial feminina e não por homens. Havia uma policial militar e uma guarda-civil metropolitana femininas no distrito policial no momento dos fatos”.
O G1 não conseguiu localizar os delegados afastados da Corregedoria pelo secretário, os promotores, a policial militar que prestou depoimento e as testemunhas para comentar o assunto.
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