Uso irregular de balas de borracha pode ter matado o cacique Nisio Gomes, mesmo que milícia não usasse munição mortal no ataque.

Se alguém disser que bala de borracha não mata, desconfie da informação. Se um perito criminal fizer a mesma afirmação, desconfie das investigações que ele estiver fazendo. Pelo mundo afora, e mesmo no Brasil, vários são os casos de mortes provocadas por disparos de bala de borracha, conhecida como munição “não letal”.

Um tiro de bala de borracha pode se tornar letal quando efetuado fora dos padrões de segurança, que foram criados para diminuir o seu dano no corpo das pessoas alvejadas. O disparo de borracha por fuzil calibre 12, de uma potência estrondosa, tem que ser efetuado dentro de determinadas limitações.

 A principal recomendação dos especialistas e fabricantes é que não se pode atirar em uma pessoa acima da região das pernas. As mesmas normas definem que a distância mínima de tiro tem que ser de 20 metros.

Assim, tiros em partes moles e mais sensíveis do corpo – garganta e olhos – ou até sobre órgãos vitais, como o coração, são terminantemente proibidos.

O alto risco ocorre, principalmente, se os tiros forem disparados à curta distância, chamada na linguagem policial de “à queima-roupa”.

O alerta também é feito por publicações dedicadas ao tema. Uma reportagem da Editora Abril ressalta que “a bala de borracha pode causar ferimentos graves se atingir o rosto ou até mesmo ser fatal em pontos como a garganta”.

O site policial de nome “Neptar” adverte que “se você atirar com as balas de borracha na cabeça do alvo ou ficar metralhando o alvo com essa munição, o alvo poderá morrer por causa disso, cuidado!”.

Ao esclarecer dúvidas sobre o manejo da munição não letal, o site da empresa de armamentos Condor é taxativo em afirmar que a “distância mínima recomendada é de 20 metros, tendo como alvo a região das pernas.

No blog “pergunte ao consultor” a orientação também é clara: “A vantagem desse material é que ele não perfura a pele. Mas a bala de borracha pode causar ferimentos graves se atingir o rosto ou até mesmo ser fatal em pontos como a garganta. Por isso, os tiros só devem ser dados na direção das pernas” – repete-se insistentemente.

No caso de Nisio, as testemunhas afirmam que ele foi obrigado a se deitar, e depois recebeu disparos “à queima-roupa” no pescoço, cabeça, tórax e pernas.

Casos de mortes por disparos de balas de borracha

Em fevereiro deste ano, Rudi Puhler, um fugitivo da polícia de Santa Catarina, morreu depois de alvejado por um policial com bala de borracha. O laudo do IML da cidade de Brusque aponta como causa da morte “anemia aguda, perfuração da câmara cardíaca e trauma por instrumento perfuro-contuso”.

Em 2009, em Joinvile, um homem de nome Adenilson morreu depois que uma bala de borracha disparada por um policial passou pelo vão entre as costelas, perfurando o pulmão e se alojando no coração.

Em Contagem, Minas Gerais, o preso Dorival Pereira Santana recebeu o mesmo tipo de disparo no peito, e veio a falecer.

No último dia 20, nos conflitos do Cairo, um manifestante morreu depois de alvejado por bala de borracha. Segundo as agências de notícias internacionais, os hospitais da zona do conflito recebem, constantemente, vítimas fatais com ferimentos de balas de borracha, principalmente nos olhos.

Uso correto não provoca sangramento

O diretor da Polícia Federal do MS, Edgar Paulo Marcon, afirmou que “pela quantidade de sangue encontrada no local não pode se afirmar, com convicção, de que o ferimento que o cacique tenha recebido foi um ferimento mortal”, segundo informação dos peritos da Polícia Civil do MS, responsáveis pelo caso.

Mas, por outro lado, não há como se negar uma contradição: se balas de borracha não causam sangramentos, quando usadas de acordo com o manual, como explicar o sangue encontrado em folhagens e no chão?

No acampamento Guaiviary existiam mais de uma mancha de sangue de Nísio no chão, em volume considerável, fato que não é compatível com o uso de balas de borracha da forma correta – a não letal.

As manchas estavam no local onde o cacique caiu, próximo a sua barraca, e na entrada da ocupação, para onde foi carregado, e colocado em uma caminhonete, como contou Valmir.