É cada vez mais frequente jovens envolvidos com o consumo de droga implicados também com as bebidas alcoólicas; na Capital, entidade que cuida desses pacientes completa 38 anos

Uma jovem senhora bonita e bem vestida levanta da cadeira e faz um breve relato. Ao final da fala ela é aplaudida e senta. Então outro senhor, bem mais velho, aparentemente cansado também faz uso da palavra. A cena se repete e eles falam sobre a árdua tarefa de viver um dia de cada vez. Essa é a vida de quem freqüenta os alcoólicos anônimos.

Na semana em que o grupo mais antigo da Capital completa 38 anos, a comemoração é cheia de esperança e sorrisos. No grupo, as pessoas não têm nome e o anonimato é uma garantia que o preconceito não atingirá aqueles que ali buscam ajuda.

Criado nos EUA em 1935, o AA chegou ao Brasil em 5/9/1947 e em Mato Grosso do Sul, o esse primeiro grupo foi criado no salão paroquial da Igreja São Francisco em 25/8/1972. São 50 grupos no Estado, sendo 20 na Capital e sete em caráter experimental.

“O nosso primeiro grupo foi criado por alguém que não era da irmandade e um dos padres pediu que ele começasse o AA aqui. Ele que já tinha tido problemas com alcoolemia se entusiasmou e o grupo foi crescendo”, explica João.

Ele que é profissional na área de comunicação freqüenta o grupo há muitos anos. “Aqui eu aprendi que tenho valor. É a primeira coisa que um recém chegado ouve quando ele chega aqui. O alcoólico chega e fica à vontade, para frequentar ou não, mas já fica sabendo que ele é o mais importante”, explica.

Sem qualquer ligação com grupos políticos ou religiosos a ‘irmandade’ gira em torno de homens e mulheres que compartilham experiências, forças e esperanças. “Nosso propósito primordial é mantermo-nos sóbrios e ajudar outros alcoólicos a alcançarem a sobriedade”, diz um cartaz.

O AA tem doze princípios que são apresentados aqueles que desejam parar de beber. Entre os doze preceitos, o que João considera primordial é o anonimato e a valorização.

“O alcoólatra geralmente chega até nós com baixa auto-estima e se sentindo mal. Quando ele se sente valorizado aqui e percebe que há outras pessoas que passaram pelos mesmos problemas ele volta”, entende o nosso entrevistado.

Segundo José, que também participa da conversa com a reportagem do Midiamax, a grande dificuldade é a pessoa se assumir alcoólatra. “Inicialmente vem a negação e as justificativas: ‘eu bebo porque eu briguei com a minha esposa’, ou ‘eu bebo porque estou com problemas financeiros’. Mas é a vergonha de assumir que é alcoólatra”.

Para José e João a situação muda quando a pessoa participa de uma reunião. “Daí o alcoólatra consegue enxergar que há outros como ele. E esse é nosso objetivo é passar uma mensagem e nos mantermos sóbrio. A única coisa que pedimos aqui é que a pessoa que frequente realmente tenha o desejo de parar de beber”.

“Não somos contra a bebida alcoólica, mas algumas pessoas não podem beber, nem socialmente e essa pessoa tem o vício do alcoolismo dentro do organismo. Essas pessoas, que sofrem com a alcoolemia é que sofrem com a bebida”, explica José.

Ele que tem formação superior e trabalhou como alto executivo em grande empresa conta que sofreu bastante para entender porque bebia. “Eu queria descobrir porque eu bebia, paguei terapeutas caros e foi no grupo que eu consegui entender que eu sou alcoólatra e não posso beber. Nenhuma gota. E cada dia é um desafio”, conta.

A organização se mantém com a estrutura própria. “Não recebemos doações de ninguém e só aceitamos a ajuda mútua, pois não podemos deixar que algo alheio nos afaste de nosso objetivo primordial, por isso devemos ser auto-suficientes”, explica João, lembrando que isso faz parte também das doze tradições dos Alcoólicos Anônimos.

Vício cruzado

Entre um dos pontos destacados é o aumento do número de mulheres frequentando o AA. “Antes ela eram minoria, mas hoje muitas mulheres participam do grupo. Os valores mudaram e talvez não é porque as mulheres não bebiam, mas é que agora com a mudança cultural ela passaram a buscar ajuda”, acredita João.

Ele explica que o grupo também tem recebido um crescente número de jovens dependentes. “São dependentes cruzados. Eles chegam aqui viciados em álcool e em drogas mais pesadas, como cocaína e crack, mas a bebida é o vício inicial da maioria deles”.

De acordo com José, isso se deve também a uma falta de políticas públicas de saúde para viciados. “Não existe política pública voltada para o tratamento desses jovens. A maioria está marginalizada, sem auto-estima e vivendo para o vício. Alguns chegam ao AA como verdadeiros farrapos humanos. São tratados como a escória da sociedade”, desabafa.

Os dois concordam que isso se dá a mudança de valores sociais. “Hoje há mais permissividade, maior acesso a bebidas e os jovens acabam se perdendo”.

Despedida

Enquanto conversamos com alguns membros do grupo, dentro do salão a festa já começou. São depoimentos e vários homens e mulheres de várias partes da cidade e profissões diferentes.

Antes de sairmos aprendemos mais um lema: “O que se ouve aqui, fica aqui”. Ou seja, para o mesmo lema vale para nós da reportagem. E para o AA, o desejo de um longo caminho no auxílio e recuperação de pessoas que antes não tinham mais esperança de vida.

Serviço

O Grupo São Paulo de Alcoólicos Anônimos funciona no salão paroquial da Igreja São Francisco (Rua 14 de julho, 4213).

Já o escritório central em Campo Grande fica no edifício Conjunto Nacional, na rua Dom Aquino, 1354 – centro. O telefone é 3383-1854.