Ação estaria sendo imposta pelos diretores de escolas estaduais, ligados a campanha de Puccinelli, sobre os contratados sem concurso e sem direitos trabalhistas

O professor de Matemática, no ensino público desde 1983, Jaime Teixeira, que cumpre o segundo mandato de presidente da Fetems (Federação dos Trabalhadores na Educação de Mato Grosso do Sul), a maior entidade sindical do serviço público, disse que os professores contratados da rede estadual estariam pressionados por diretores das escolas engajados na campanha eleitoral do governador André Puccinelli, do PMDB, candidato à reeleição. A “pressão” seria um meio de os diretores ligados ao governo garantir o apoio ao peemedebista e, com isso, os temporários, professores não amparados pelas leis trabalhistas, manterem seus empregos. Hoje, o Estado contrata 7,3 mil professores não concursados.

Durante a entrevista ao Midiamax, na sexta-feira de manhã, Teixeira fez um balanço do ensino estadual, disse ser contrário a instalação de câmeras nas escolas e ainda que o governo “fez um gol contra a educação” ao recorrer contra a lei que prevê mais tempo para o professor planejar suas aulas.

Eis o diálogo com o presidente da Fetems:

Midiamax – Ser professor no Brasil, principalmente nas regiões afastadas das áreas centrais do País, sempre foi um desafio. Mas é notado o avanço alcançado para categoria, é isso mesmo, a vida do professor melhorou mesmo, está tudo certo?

Jaime Teixeira – A gente tem de analisar o professor a partir da qualidade da escola pública, não tem como separar uma coisa da outra. A escola pública hoje é melhor do que a de 20 anos atrás, por exemplo. Isso quer dizer que melhorou as condições de trabalho do professor. Mas ainda falta muito, embora tenhamos avançado bastante.

Midiamax – E o senhor poderia apontar que setor do ensino ainda é carente?

Jaime Teixeira – Algumas coisas que se destacaram ao longo do tempo, por exemplo: as escolas públicas, no final da década de 1980, início dos anos 90, enfrentavam um déficit de ao menos 100 mil alunos. Hoje em dia, pode-se dizer que tanto no ensino fundamental quanto no ensino médio, o número de vagas está quase todo preenchido. E no decorrer dos anos 90 criou-se a cultura da superlotação nas salas de aula. Puseram mais alunos nas salas e isso prejudicou o trabalho do professor. Numa sala superlotada é difícil melhorar a qualidade do ensino e ao mesmo tempo requer do professor um esforço muito grande, principalmente com relação ao seu principal instrumento de trabalho, que é voz. E o resultado disso: muitos professores ficaram doentes, com calos vocais, foram afastados por conta das licenças médicas.

Midiamax – Então, a superlotação das salas de aula seria um problema?

Jaime Teixeira – Esta é uma questão que tem de ser enfrentada. O professor precisa atuar em salas com menos alunos e as escolas precisam de uma adequação melhor. Nada adianta as reformas anunciadas hoje, que é pintar o prédio, pôr uma nova cobertura, apenas. O professor precisa de uma escola equipada com sala de informática, possuir a disposição fotocopiadoras, laboratórios, espaços para planejamento escolar, enfim, essas são as principais carências de hoje nas escolas.

Midiamax – O senhor disse planejamento de aula, um projeto de lei criado pelo governo federal que dá ao professor mais tempo para ele cuidar das tarefas fora da sala de aula, mas aqui em Mato Grosso do Sul esse plano não foi posto em pratica, certo?

Jaime Teixeira – Infelizmente no Mato Grosso do Sul, não. O governador André Puccinelli moveu uma ação no STF (Supremo Tribunal Federal) contra o período maior destinado para o professor planejar suas aulas. E a corte concedeu uma liminar ao governo. A lei prevê que o professor use 33% de sua carga horária para o planejamento. E o que é esse planejamento: é um tempo destinado para o professor preparar aula, trabalho, conversar com a comunidade, preparar prova. É um tempo destinado para que o professor possa cumprir a tarefa administrativa dentro da sala. Sem esse tempo, o professor leva para casa tarefas que poderiam ser cumpridas durante a semana, na escola. Mas o governador não entendeu assim e acabou fazendo um gol contra a educação ao mover a ação contra a lei.

Midiamax – E como está esse processo?

Jaime Teixeira – Vamos fazer um manifesto em Brasília no dia 16 de setembro e objetivo do protesto é justamente esse: convencer o STF a julgar logo essa ação, afinal a lei está em vigor em todo o país. O governo é contrário a proposta por acreditar que mais tempo para o planejamento do professor pode representar mais gasto. Hoje ao menos 17 mil professores atuam no ensino estadual e, para que a lei seja imposta, o Estado teria de contratar ao menos 1,7 mil professores, uma gasto pequeno diante dos benefícios que a regra representa. Um exemplo: o professor estaria menos tempo em sala de aula, sem a sobrecarga e, com isso, reduziram o número de licenças médicas por conta da carga excessiva de trabalho. Isso seria um ganho.

Midiamax – Algumas correntes de especialistas em políticas públicas crêem que a vida melhora a partir da educação, o senhor compartilha desse propósito?

Jaime Teixeira – Em parte sou favorável a essa corrente. Mas contrario quando a tese que diz que a educação tem de dar resposta a tudo. Um exemplo: a escola está violenta. Não é assim. É a sociedade é que está violenta. Entendo que a alfabetização reduz a violência, melhora o debate por um entendimento, mas não é tudo. A educação é fundamental, sim, quando estiver inserida numa política articulada que envolva também a segurança pública e o setor da saúde, por exemplo. Já pensou se as escolas tivessem no seu quadro funcional um psicólogo para cuidar de problemas ligados a droga, por exemplo. Uma assistente social para cuidar de problemas que estejam comprometendo o desenvolvimento de aluno, é outro exemplo. Essa política articulada melhoria todos os setores.

Midiamax – Recentemente foi aprovado um projeto que prevê a instalação de câmeras para a captação de imagens nas escolas, o que acha dessa idéia?

Jaime Teixeira – Nós somos radicalmente contra as instalações desses equipamentos dentro da sala, nos banheiros. No pátio, lado externo, é até admissível, discutível. Mas dentro da sala, jamais, isso é monitorar o professor, um risco a democracia.

Midiamax – É verdade que alguns professores estariam sendo pressionados a apoiar o atual governo?

Jaime Teixeira – Infelizmente, sim. É uma prática que repudiamos. Achávamos que essa imposição criada lá atrás, no período da Ditadura, tinha ficado para acabado. E como isso acontece e faz parte de um manifesto da Fetems? Por meio da “precarização” do contrato dos professores temporários, os chamados contratados. No governo anterior, foram feitos três concursos públicos, já esse governo não realizou nenhum. Com isso, aumentou o número de professores contratados que era de 5 mil até três anos atrás para 7,3 mil. E esses convocados são pressionados a fazer campanha pelo governo. Antes, o contratado entrava na escola por mérito, o currículo dele era examinado, agora não. Hoje, as contratações dos temporários são feitas conforme a vontade do diretor, uma norma que temos combatido. Como a maioria dos diretores de escola atua na campanha para o atual governador, os contratados, que não possuem garantias trabalhistas, acabam sofrendo pressão psicológica.

Midiamax – E o que a Fetems tem feito pela realização de concursos?

Jaime Teixeira – Entramos com mandado de segurança para o governo convocar os professores aprovados em um concurso, cujo prazo expirou recentemente. Conseguimos algumas vitórias, agora intensificamos nosso manifesto pelos concursos.

Midiamax – Como tem sido a relação da Fetems com a secretaria de Educação?

Jaime Teixeira – A relação continua conflitante, isso porque geralmente o secretário vira secretário por meio do cargo de confiança do governador. A partir daí ele [secretário] se investe de um poder que fica devendo obrigações ao governo e não a categoria. Ele precisa prestar conta ao governo, não aos professores. Discutimos isso há tempos, pela eleição direta para secretario, um meio de melhorar esse relacionamento. Hoje em dia há restrição devido ao estilo centralizador do governo atual. Sem autonomia fica mais difícil. O objetivo seria o mesmo. Hoje em dia tem coronel da Polícia Militar secretário de Educação, médico secretário.

Midiamax – A Fetems briga ainda por esse modelo, no caso a escolha do secretário de Educação por meio de eleição direta?

Jaime Teixeira – Nós vamos entregar uma pauta da Fetems que passa por este ponto no dia 31 deste mês aos candidatos ao governo, no dia do debate que nossa entidade vai promover. Somos contrários ao cargo de confiança. E vamos propor também mudanças nas eleições dos diretores de escolas. O atual governo modificou o processo eleitoral, ele criou uma prova aos candidatos antes da eleição. Ou seja, o candidato a diretor de escola passa por uma avaliação antes da eleição, isso não é uma eleição direta, é “meio direta”.

A reportagem quis ouvir ontem o governador Puccinelli, que estava viajando para a cidade de Dourados, por meio de sua assessoria, mas não conseguiu. As ligações feitas não foram atendidas.