Projeto exige abaixo-assinado e ajuda política; médica assumiu a causa ao ver dificuldades enfrentadas por diarista mãe de três filhos que é forçada a pagar pessoas por falta de creches no período de férias

A médica Maria Cláudia Mourão Santos Rossetti, neo-natologista, intensivista pediátrica, comanda uma iniciativa que prevê a abertura das creches em tempo integral também no período das férias. Ela acha que o programa diminuiria os casos de violência contra as crianças, que ficam sós ou com pessoas desconhecidas quando suas mães saem para o trabalho. A ideia exige abaixo-assinado e apoio da Câmara Municipal. Em entrevistada ao Midiamax, a médica citou casos de violência e as vantagens surgidas com as creches abertas em tempo integral. Eis a conversa.

Midiamax – Como surgiu a ideia de recorrer ao abaixo-assinado para pedir creches abertas diariamente e também no período de férias?

Maria Cláudia – Começou dentro de casa. Minha diarista tem três filhos, um de 8 anos, um de 6 e um de 3 anos. Ela disse que deixa os filhos de 8 e o de 6 anos sozinhos em casa para poder trabalhar nos períodos de férias das creches. Ela não pode ter um emprego fixo porque não tem com quem deixar as crianças. Minha mãe queria que ela fosse trabalhar na casa dela também, mas ela disse que não podia porque não tinha com quem deixar as crianças e resolveu pagar uma pessoa para deixar. Essa pessoa que prometeu cuidar das crianças cobrou R$ 15,00 por dia. Se ela deixar os filhos por 10 dias, vai gastar R$ 150,00, é mais do que ela ganha por mês e a creche só volta a funcionar no final de fevereiro. Eu achei isso um absurdo e fiquei revoltada.

Midiamax – E essa pessoa que ia cobrar R$ 15,00 era conhecida de sua diarista?

Maria Cláudia – Minha diarista foi consciente porque ela colocou uma pessoa que confia, para cuidar dos filhos. Tem gente que deixa com o vizinho ou até mesmo com outras crianças. É criança cuidando de criança. É onde se tem o maior número de causas de acidentes domésticos, violência, atropelamento, porque as crianças vão para a rua. Aí conversei com o pessoal dos hospitais que trabalho e todos falavam a mesma coisa, que já tinham passado por isso, que sempre deixavam os filhos sozinhos, e que isso era constante. Só que antigamente, apesar dos perigos que existiam, era menos violência, hoje tem muito mais carros nos bairros, estupradores e assassinos. Aí eu falei para essas meninas que devíamos nos rebelar, temos nosso representante porque não vamos pedir para eles? Vamos fazer alguma coisa. E esse movimento começou a crescer, um falava para ou outro.

Midiamax – Sim, então a partir daí foi buscar ajudar política?

Maria Cláudia – Um dia, conversando com minha irmã, me lembrei que ela é amiga do vereador João Rocha [PSDB], liguei para ele e ele disse que era interessante e disse que ia começar a mexer com isso e fazer um projeto para ser apresentado, mas que era interessante fazer realmente o abaixo-assinado para que os vereadores vejam. Falei para ele que eu queria ver para a creche não fechar, pois estava muito perigoso, até mesmo para as crianças. Eu e as funcionárias do hospital fizemos uma lista de coisas que poderiam ser melhoradas. Falei para o vereador que nós queríamos pedir muitas coisas, mas que começaríamos com as creches abertas. Temos que começar a agir e pedir para que as coisas aconteçam. Hoje em dia nós temos mais violência contra as crianças, mães que não podem trabalhar porque não tem com quem deixar, ou se elas trabalham deixam os filhos sozinhos, muitas mulheres arrimo de família, que tem que deixar o filho sozinho e pronto! Tem criança de cinco anos pegando ônibus sozinha, ou uma criança pequena dando a mão para outra menor ainda. Conversei sobre isso com as funcionárias e achamos que a creche é prioridade. Falei com o João [vereador] que nós queremos que as creches não parem nas férias de julho e nem na de janeiro, nem que para isso tenha que fazer o projeto crecheira, onde mulheres que não podem sair para trabalhar porque tem que cuidar das crianças, e dá-se um apoio, uma estrutura para ela e ela toma conta de outras crianças para as mães poderem trabalhar. Nas férias elas podem fazer revezamento, trocam de mães. Mas tem todo um apoio de merenda, de orientação. Porque você também não pode colocar uma mulher para cuidar da criança sem orientação, porque essa pessoa pode fazer tudo errado. Tem que fazer um acompanhamento com essas mães na parte de higiene, orientação, limpeza. Se não puder ter a creche em período integral, que façam alguma coisa que mantenha as crianças fora da rua, fora de casa. Os acidentes domésticos acontecem dentro de casa. Tem prato para puxar, água fervendo no fogão, tomadas. Muitas mães querem estudar de noite. Minha funcionária faz o pró-jovem. Ela recebe uma bolsa de incentivo de R$ 100,00 para estudar. Não podem faltar as aulas. Não tem férias. Só que onde vai deixar as crianças? As escolas que oferecem o pró-jovem teriam que ter um lugar para essas mães deixarem as crianças. Eu acho que as creches deveriam funcionar até às 23h.

Midiamax – Como deve atrair as assinaturas?

Maria Cláudia – Vamos fazer o seguinte: nos CTI,s e nos hospitais que eu trabalho, cada uma funcionaria vai levar o abaixo-assinado para a sua comunidade, professores, faculdades, vamos espalhar. Vamos pedir que as creches não parem e até uma alternativa para que as mães possam estudar e melhorar as condições sócio-econômicas. Vamos pegar o máximo de assinaturas e levar para o vereador João Rocha. É custo, mas não é gasto, é investimento nas crianças. Porque se não fizermos isso agora, mais tarde as ruas estarão cheias de bandidinhos. Outro fator positivo é a melhora na qualidade da alimentação. Algumas mães deixam a comida da criança no fogão para esquentar, outras deixam os filhos comer o que quiser. Então, ou são crianças obesas, que se alimentam de muito pão, que enche a barriga, mas não é nutritivo, ou são desnutridas, porque não se alimentam.

Midiamax – As creches afastam a violência?

Maria Cláudia – Vai diminuir muito a violência contra as crianças, pois muitas vezes a criança fica com o vizinho, com o padrasto. Você lembra aquele menino das agulhas? Pois é, ele ficava com a avó e o padrasto pegou o garoto para dar uma volta. Com essa violência, imagina o tanto de criança que fica com o padrasto, com o vizinho que não trabalha, com o priminho um pouco mais velho. Então, com isso, serão evitados acidentes domésticos, violência contra a criança e também vai gerar emprego, até mesmo na própria creche. Se tiverem mais turnos, vai ter que ter mais gente. E também queremos propor que volte a ter nas creches atendimento preventivo de dentista. Pois, para você agendar atendimento num dentista, ainda é muito difícil. Campo Grande é uma das melhores cidades em termos de atendimento. É ruim, mas ainda é muito melhor do que muitas cidades do Brasil. Não é que é ruim, mas é que muita gente vem para Campo Grande porque nas outras cidades não tem atendimento, por isso acaba sobrecarregando aqui. Ter um atendimento odonto-pediátrico e médico preventivo, o que vai diminuir as filas de atendimento nos postos de saúde, integrado com os agentes de saúde que vão verificar o porquê de terem faltado, por exemplo, e atendimento psicológico. Muito dessas crianças têm uma família desajustada: ou só mãe, ou só padrasto e mãe. Já que a gente vai cuidar, é para cuidar desde o começo. É muita coisa que a gente pede por esse programa das creches abertas, mas se a gente conseguir aos poucos já é alguma coisa.

Midiamax – A senhora disse família desajustada…

Maria Cláudia – Em princípio muito deles podem ter sofrido violência na infância ou não se ajustaram. Uma coisa que me preocupa muito é que o atendimento psiquiátrico e psicológico na rede pública é muito difícil, principalmente para a criança. Por exemplo: estudos realizados com crianças hiperativas indicam que mais de 50% delas podem se tornar um transgressor de leis, como, assassinos e até estupradores. São aquelas crianças que não param quietas. Essas crianças precisam de acompanhamento médico, tomar remédios. Depois que isso acontece – da criança se tornar um marginal -, e ela se tornar muito cedo, não tem cura. Pais dos hiperativos acham que eles são normais e que não precisam de tratamento. Existe a criança mal educada e a hiperativa. A mal educada precisa da educação dos pais. O hiperativo precisa de tratamento. A hiperatividade é genética, tem um distúrbio cerebral neurotransmissor e ela não se comporta como as outras crianças, não conseguem sentar para ver televisão e prestar atenção. Ela não para um minuto. Não quer dizer que são burras nem que são muito inteligentes. Podem ser normais, mas não conseguem aprender alguma atividade porque não conseguem parar para prestar atenção. E fora isso elas não são queridas, porque elas batem, mordem, tem comportamento diferente das outras. Os pais perdem a paciência e essas crianças acabam apanhando muito. É um ciclo vicioso porque ela apanha muito, não é querida no meio dela, já tem distúrbio. Tudo isso leva ela a ficar violenta, pois foi criada com violência.

Midiamax – Então o meio onde a criança vive contribui com a violência?

Maria Cláudia – Então, nós temos uma criança com distúrbio onde o meio ajuda a piorar o distúrbio, e nós não estamos tratando essas crianças porque não estamos fazendo nem o diagnóstico. Poucas chegam a fazer. São crianças que acabam voltando para a droga, viram marginais mesmo. E a família muitas vezes não tem nem noção que o filho é hiperativo, acha que a criança é mal educada e acaba batendo nelas. Até nisso nós podemos ajudar e diagnosticar no começo porque são mães que trabalham fora e a professora da creche é que acaba percebendo. Às vezes tem criança que sofreu algum problema já no parto, às vezes ela pode ter lesão cerebral mínima e por ser mal cuidada pode entrar na marginalidade. Criança com esse perfil tem que ter na creche um acompanhamento psicológico, médico, odontológico e nutricional. Sendo assim você vai diminuir muito o índice dessas crianças. Muitas vezes a criança é obesa. As crianças são levados ao posto de saúde e quando abrem a boquinha para examinar, está cheio de salgadinho grudado nos dentes, tudo amarelinho. Você pergunta qual o problema e as mães falam que é diarréia, e mesmo assim estão comendo bobeira. Os pais não têm noção do que é uma boa alimentação. Falam que é caro, e não é. Hoje em dia você vai à feira e consegue fazer um sacolão, comprar verduras. Pelo menos alface consegue comprar, mas não comem alface, e isso se acostuma de criança.

Midiamax – O perfil dessas famílias é parecido um do outro?

Maria Cláudia – São normalmente famílias desajustadas. Mais de um filho com mais de um pai, mulheres abandonadas pelos maridos ou que moram com os pais aposentados que bancam a família. Essas mulheres têm que trabalhar, mas não tem com quem deixar os filhos. E normalmente são pessoas que não tiveram condições de estudar porque tiveram filhos cedo, e hoje a gravidez na adolescência vem crescendo muito. Essas meninas têm filho cedo e param de estudar. Por isso que eu falo que essas mulheres devem ter a oportunidade de voltar a estudar, para serem incluídas de novo no contexto da sociedade. Tem também a facilidade dessas bolsas: família, escola, gás. Isso não é ruim, mas não é a solução definitiva, mas temos que pensar que não é eterna. Você tem que dar para elas uma oportunidade e incentivar que elas saiam disso. Elas pensam assim: se eu não tenho onde deixar meus filhos, e o governo me paga bolsa família só para eles irem à escola, eu vou até fazer mais um porque daí ganho mais um pouquinho. Devemos educar a população, para isso temos que dar condições dessas pessoas trabalharem e estudar. E é aí que eu acho que entra essa parte da gente poder fazer alguma coisa. O que podemos fazer, nos unir, nós podemos exigir dos nossos representantes. Vamos mostrar para eles o que nós queremos.

Midiamax – Até agora nem uma autoridade se mobilizou em manter as creches abertas nas férias?

Maria Cláudia – O Nelsinho [prefeito de Campo Grande] prometeu fazer escolas com período integral. Todos nós sabemos que isso é uma maravilha. Melhora a nutrição, a marginalidade, educação. Isso era pra ontem. A gente esta vendo Campo Grande crescer, tem os problemas de uma cidade grande e temos a oportunidade de cortar o mal pela raiz, para o meu filho o seu filho e para o filho de todos. Porque se a gente melhorar a nossa qualidade de vida da cidade, os nossos filhos vão ter uma cidade melhor. Então temos que cobrar sim senão cai no esquecimento. A gente sabe que fora do país as crianças estudam quase que em período integral mesmo. Ensino de qualidade. Então essa é a proposta, mostrar que estamos unidos que temos os nossos objetivos. E não precisa ser ninguém especial não. A própria população consegue mudar. Nós temos que falar o que é importante para vivermos bem. Não adianta colocar trocentas mil policia na rua se não cuidar do social.

Midiamax – A violência então sobe no período das férias?

Maria Cláudia – No período de férias cresce a violência com a criança porque a mãe não tem paciência, chega em casa cansada e as crianças estão com muita energia. A gente sabe que a violência sexual muitas vezes vem de dentro de casa. No CTI do hospital aonde trabalho chegam crianças que foram espancadas e que perderam muito sangue. Muitas vezes as crianças chegam machucadas e a mãe fala que elas caíram e observamos que são crianças com medo que não falam o que aconteceu. Você pergunta o que aconteceu e elas não respondem. Normalmente os machucados são incompatíveis com a versão que a mãe diz que a criança escorregou e quebrou o braço em uma parte que não tem nada a ver, bateu com a cabeça na parede e tem hematomas na frente, do lado, atrás, no queixo. Uma vez chegou uma criança que foi jogada na parede e teve fraturas na cabeça. Você começa a ver que a história não foi muito bem contada. Infelizmente, se não foi a mãe pode ter sido o pai ou o padrasto e o triste é que a mulher protege o companheiro em muitos casos.

Os interessados em participar do abaixo-assinado podem enviar o nome completo, o número do RG e do CPF, para o endereço eletrônico: [email protected]