“Hello… Ir ao camarote da Brahma no Carnaval? Yeah, se vocês doarem US$ 1 milhão para os meus projetos sociais, eu passo duas horas lá. Bye, bye!” Era a cantora Madonna ao celular, na linha com um representante da AmBev, em conversa ouvida por empresários de SP que estavam com ela para negociar apoio à ONG Success for Kids (SFK, sucesso para crianças), na semana passada.
Desde novembro de 2009, quando veio ao país, subiu o morro, almoçou e jantou com milionários e bilionários brasileiros e distribuiu sorrisos ao lado de políticos, a popstar já arrecadou cerca de US$ 10 milhões para a entidade. Mesmo amplamente divulgada, a peregrinação suscitou dúvidas. Apagados os holofotes dos encontros, as quantias em dinheiro já foram depositadas? Em que conta? E como serão usadas? Em benefício de quem?
A SFK tem uma diretora no Brasil, Estela de Wulf, que contribui pouco para os esclarecimentos. A Folha tenta entrevistá-la há mais de dois meses, mas Estela diz que está ocupada e que não pode responder.
Das doações prometidas, pouca coisa já saiu das cartas de intenções. A EBX, empresa do bilionário Eike Batista, diz que, dos US$ 7 milhões (cerca de R$ 12,8 milhões) anunciados, “US$ 500 mil serão doados em cash (dinheiro vivo)”. “Serão”, no futuro. E os outros US$ 6,5 milhões? A empresa diz que a SFK receberá o montante “de acordo com o atingimento de metas” de seus programas sociais. E por que Batista foi tão generoso com o pleito de Madonna? “A proposta de trabalho de desenvolvimento da autoestima das pessoas foi considerada apropriada para o apoio.”
Já a AmBev informa que depositou US$ 1 milhão em conta da instituição no Brasil no dia 12, quando seu presidente, João Castro Neves, foi fotografado com a estrela ao lado de um cheque gigante. No domingo de Carnaval, ela cumpriu a promessa do telefonema: brilhou na Sapucaí usando camiseta com a marca da cervejaria. O sucesso do investimento de marketing foi claro. E o social? “Pelo que me contaram, a Success for Kids já desenvolve projetos em 15 escolas de SP há dois anos e está há seis meses no Rio. O trabalho dela tem resultado”, diz Castro Neves.
Nas ONGs Meninos do Morumbi e Lua Nova, de SP, e Energia Olímpica, do Rio, três das seis “parceiras” citadas no texto de divulgação da SFK, a opinião é outra: todas criticam a entidade.
“Há dois anos, a SFK dá um curso que passa valores éticos e morais aqui. Mas nós entramos com toda a logística, o material. Eles oferecem professores e monitores”, diz Flávio Pimenta, fundador da Meninos do Morumbi. “Parece que todo rico e famoso tem que fazer o bem por uma questão de marketing. Ajudar as pessoas é um trabalho muito mais profundo e difícil. As pessoas não podem oferecer o resto. A Madonna ajudaria mais com uma escola de música e dança. Como o Pelé faria se criasse uma escolinha de futebol.”
Madonna também conheceu as alunas atendidas pela ONG Lua Nova, de Araçoiaba da Serra (SP), mas “nunca deu um tostão e nem tem previsão de dar”, diz a fundadora Raquel Barros. Para assistir às aulas na capital, uma das turmas teve de viajar com transporte pago por empresários que ajudam a Lua Nova. Raquel diz que pretende discutir com a SFK como se dará esse novo apoio. “Se vai apoiar, quero que fique claro como será. Vivemos de captação de recursos e fica difícil conseguir dinheiro quando dizem que a Madonna já está ajudando”, pondera.
A tal parceria, contudo, é menos concreta do que sugerem as fotos do encontro. “Nós precisamos examinar qual é o conteúdo do programa. Se houver algum tipo de proselitismo religioso, aí temos que estudar o assunto com mais cuidado.”