A candidata do PV à Presidência da República, Marina Silva, foi entrevistada na manhã desta segunda-feira (20) pelo Bom Dia Brasil. Os candidatos Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) também serão entrevistados nesta semana. A ordem das entrevistas foi definida em sorteio. Marina respondeu a perguntas dos entrevistadores durante 20 minutos.  Confira abaixo a transcrição das perguntas e respostas e veja os vídeos com as duas partes da entrevista.

Renato Machado – Candidata, a senhora promete criar educação em tempo integral, escolas com laboratórios, computadores, bibliotecas, alimentação e os economistas dizem que seria preciso gastar 10% do PIB durante 10 anos para conseguir tudo isso. Hoje esse investimento está em 5%. Não é prometer o que vai ser impossível de se cumprir em 4 anos?

Marina Silva – Não, Renato. É uma questão de prioridade. Até porque quando eu falo educação em tempo integral, é diferente de escola em tempo integral. Educação em tempo integral é você, mesmo na escola normal, de um período, você combinar com outras atividades pedagógicas em que a criança pode ir a museus, bibliotecas, visitar parques, comunidades e assim ela está sendo educada por outras práticas, que não necessariamente na sala de aula. Talvez seja esse o equívoco que as pessoas estão identificando… que na verdade não é, não é escola de tempo integral, é educação integral. O processo de ensino e aprendizagem pode se dar de uma forma mais abrangente que o tradicional cuspe e giz dentro de sala de aula. É isso que eu estou inovando. E o que eu estou dizendo é que é perfeitamente possível sair dos atuais 5% do PIB investidos em educação para 7% até o final de 2014, começando já em 2011. Para isso, a gente tem que melhorar a qualidade do gasto público e evitar desvios de verba pública como aconteceu no caso do Amapá, que estão roubando o futuro do Brasil duas vezes: nos recursos públicos e no futuro das crianças.

Renata Vasconcelos – Pois é, candidata, a senhora mesmo acabou de dizer, ou seja, promete gastar mais, aumentar de 5 para 7% os investimentos em educação e ao mesmo tempo a senhora defende austeridade nos gastos. Para a conta poder fechar, exatamente de onde a senhora vai tirar dinheiro para isso, para educação?

Marina – Evitar o desvio dos recursos públicos, Renata. O que acontece no Brasil…

Renata – São 18 bilhões de reais a mais, candidata.

Marina – Mas, preste atenção, Renata. É uma questão de prioridade. A gente conseguiu capitalizar R$ 180 bilhões no BNDES para investir em algumas empresas e sem critérios transparentes. Estão dizendo que vão fazer o trem-bala, que daria para dobrar durante um ano os recursos para educação. É uma questão de prioridade. Nós vamos priorizar a educação. Nós estamos vivendo um apagão de recursos humanos. Um país não vai a lugar nenhum se não investir em conhecimento, tecnologia e inovação. Ainda temos 15 milhões de jovens analfabetos. Cerca de 40% das nossas crianças entram no ensino fundamental mas não chegam sequer à oitava série. Isso não é aumentar gasto. É aumentar o investimento naquilo que de fato faz a diferença: gerar igualdade de oportunidade para que esse país possa fazer jus às imensas oportunidades que ele tem. Sem investimento em educação a gente não chega a lugar nenhum. Nós já estamos importando a mão de obra qualificada para os melhores postos de trabalho.

Miriam Leitão – Candidata, está acontecendo agora a capitalização da Petrobrás. Isso interessa a milhares de pessoas, acionistas da empresa. A senhora sempre teve uma posição contra a economia de alto carbono, como a senhora diz, e teve esse acidente horroroso no Golfo do México. O que a gente pode esperar se a senhora for eleita, uma mudança, um adiamento na exploração do pré-sal, para mais seguranças? O que a senhora diz sobre o pré-sal?

Marina – Em relação ao pré-sal, Míriam, eu sempre digo que o uso do petróleo ainda é um mal necessário, no mundo inteiro e no Brasil também. Agora, o Brasil é o país que reúne as melhores condições para dar esse salto de mudança de energia fóssil para renovável. Então, a capitalização é importante e nós devemos fazer os investimentos para que a exploração tenha as melhores tecnologias para evitar acidente como no Golfo do México, evitar emissões já na exploração e uma parte dos recursos…

Miriam – Mas mantém a exploração do pré-sal?

Marina – Mantém a exploração com segurança. Isso é fundamental. Ter inclusive uma atitude transparente em relação aos procedimentos, às tecnologias que serão usadas. E eu proponho que se estabeleça um comitê cientifico de acompanhamento independente, da sociedade civil. Que as instituições de pesquisa, de forma independente possam acompanhar e auditar, sempre que acharem necessário, o que está sendo feito, exatamente para evitar acidentes como o do Golfo do México. E uma boa parte dos recursos seria e investido em tecnologia, inovação, para que a gente substituía no mais rápido, curto, tempo a questão do uso dos combustíveis fósseis. Não é? Eu sempre repito uma frase inteligente de um diretor do Banco Mundial que disse: ‘Nós saímos da idade da pedra não foi por falta de pedra. Foi porque encontramos outras práticas’. É preciso sair da idade do petróleo antes que o petróleo acabe com a idade do planeta.

Renata – Candidata, eu vou insistir nas promessas. A senhora propõe investir em saneamento básico R$ 20 bilhões por ano durante dez anos, mas o mandato é de quatro anos. O que é possível fazer em quatro anos?

Marina – Em quatro anos, é manter essa preocupação, Renata, se nós quisermos resolver o problema de 80% da população que não tem esgoto tratado. É um absurdo uma coisa dessa. Só 13% dos municípios têm aterro sanitário, a maior parte… A outra parte são lixões. Se nós não fizermos esses investimentos estratégicos, nós não vamos melhorar a qualidade de vida da população.

Renata – De que forma a senhora vai fazer esses investimentos, objetivamente?

Marina – De que forma? Nós vamos evitar o desperdício do gasto público. Existe muito desperdício. Eu vou criar um sistema transparente de acompanhamento da gestão pública. São cerca de quase 5% do PIB que é drenado em corrupção. Se nós criarmos um sistema de acompanhamento transparente, um estado profissionalizado, nós vamos evitar o dreno da corrupção. Quero também que a gente possa imaginar que é possível uma gestão que não se orienta pelo fisiologismo, do aumento de cargos, um estado profissionalizado, mobilizador. Durante quatro anos eu quero priorizar os investimentos estratégicos para que o Brasil possa viver com dignidade. Agora, isso não é promessa, Renata. Isso está no programa de governo, numa plataforma, que diferentemente dos outros candidatos, que não fizeram isso… O governador Serra apresentou um discurso. A ministra Dilma, várias versões. Sabe por quê? Porque eles não se prepararam para debater o Brasil. Se prepararam para o embate. E tem mais. Na minha plataforma de governo, o que eu estou dizendo, é que nós vamos trabalhar esses recursos priorizando as áreas estratégicas. Por quê? Hoje as pessoas acham perfeitamente normal os investimentos que já estão no PAC. Agora, é bom pensar que durante dez anos… oito anos do governo Fernando Henrique, foram investidos apenas R$ 10 bilhões em saneamento. O que era para ser feito em um ano foi investido em oito anos.

Renata – Pois é, candidata, então falando em dinheiro, em impostos. A senhora pretende aumentar a arrecadação criando as chamadas taxas verdes. A senhora vai aumentar os impostos? A carga tributária já está tão alta.

Marina – Não tem como você dizer que isso é aumentar os impostos, Renata.

Renata – O que seriam essas taxas verdes?

Marina – As taxas verdes é você imaginar que existem determinadas atividades que são altamente danosas ao meio ambiente. Se você quer fazer uma termoelétrica, você vai ter que pagar o preço das emissões de CO2. É para que a gente possa educar e incentivar que os investimentos possam ir para as práticas renováveis.

Miriam – Então o petróleo tem então taxa verde?

Marina – No caso das termoelétricas, sim. E, por exemplo, se você vai fazer uma eólica, você pode ter inclusive incentivo. E hoje o custo da eólica já é mais barato do que o de uma termoelétrica. É uma questão de pensamento estratégico.

Renato – Candidata, são várias propostas que custam muito e o seu partido, por exemplo, não fez alianças nacionais. Como é que a senhora espera conseguir apoio para fazer todas essas mudanças que a senhora… apoio no Congresso, apoio político… para fazer todas essas mudanças que a senhora está enumerando?

Marina – Olhe, Renato. Eu talvez seja a única candidata que pode fazer essas mudanças. Porque eu não estou presa às velhas alianças, aos atravessadores da política. E eu estou dizendo claramente que, se ganhar, eu vou governar com os melhores do PT, do PMDB, do PSDB, do PDT, e vou conversar diretamente com aqueles parlamentares que se mobilizam por programas. Vou me… compor a minha base de governança e os cargos do governo que precisam ser preenchidos com os melhores porque o que nós temos aí são as velhas alianças, que já estão amarrando nos compromissos fisiológicos a mesma repetição dos erros. O PSDB tentou governar sozinho, ficou refém do fisiologismo do PMDB e do Democrata. O PT tentou governar sozinho, ficou refém do fisiologismo do PMDB. No meu governo, eu vou compor com aqueles que se mobilizam programaticamente e não pragmaticamente. Eu sou a única que talvez possa fazer essa transição, mudando a lógica dos governos que são feitos a partir do interesse fisiológico. E eu quero mobilizar a sociedade brasileira por programa, por projeto. É por isso que eu tenho debatido educação, saúde, segurança pública, infraestrutura, tenho debatido como cuidar do meio ambiente sem que isso signifique perder as oportunidades de investimento econômico e social.

2º bloco

Renata – A senhora disse diversas vezes que é preciso, ou melhor, que não é preciso discutir quem é o melhor gerente para o Brasil, porque não é isso que vai nos tirar do atraso. Mas, candidata, um presidente não tem que ser um bom gerente ou um bom gestor?

Marina – Um presidente da República tem que ser um bom gestor e ter pensamento estratégico. Um gerente a gente consegue quando tem boas propostas. O presidente Fernando Henrique não era um gerente. Era um homem com visão estratégicas. Por isso, foi possível fazer o Plano Real. O presidente Lula não é um ‘gerentão’, é um home com visão estratégica. Por isso…

Renata – A senhora se considera uma boa gerente?

Marina – Por isso foi possível fazer um programa que tirou 24 milhões de pessoas da pobreza. Quando a gente tem pensamento estratégico, a gente consegue os melhores gerentes. Agora, quando não se tem pensamento estratégico, não se consegue fazer nada numa Presidência da República nem com os melhores gerentes. É por isso que eu estou me dispondo a debater o Brasil estrategicamente. Um país que tem o atraso na educação que nós temos ainda é falta de colocar essa questão como estratégica para o nosso desenvolvimento econômico e social. Um país que não cuida adequadamente dos seus ativos ambientais… é falta de pensamento estratégico. É por isso que eu estou dizendo que não precisamos de ‘gerentões’, precisamos de quem tem uma visão estratégica do país e, com ela, se mobiliza os melhores gerentes.

Renato – Candidata, a senhora tem dito que uma constituinte pode ser importante para repensar o Brasil. No continente, os exemplos de constituintes que nós vimos são exemplos que levam, às vezes, a governos autoritários que não respeitam às liberdades individuais, que restringem as liberdades. A senhora está levando isso em conta quando propõe uma Assembleia Constituinte.

Marina – Note bem, Renato, eu não disse que era para repensar o país. Eu disse que era talvez necessário uma Constituinte exclusiva para as reformas, principalmente a reforma política e a reforma tributária, a reforma da Previdência, porque essas reformas estão aí há 16 anos. E em função dos inúmeros interesses, elas não conseguem andar. Uma constituinte com um termo de referência exclusivo para esses aspectos e não para tocar em causas pétreas da nossa Constituição. Isso nem pode, não há nem mecanismo constitucional e legal para fazer isso. E evitar toda e qualquer aventura que nos leve para o desequilíbrio da democracia no que concerne a compatibilizar, não é?, a democracia representativa com a democracia direta. Esse equilíbrio precisar ser feito para não cairmos na tentação dos processos plebiscitários que podem ser igualmente autoritários.

Miriam – Candidata, a senhora, lá na sabatina do Globo, disse que a senhora saiu do governo quando a posição do governador Blairo Maggi ficou forte dentro governo, e a senhora e não viu espaço. Mas, em um debate recente, a candidata Dilma Rousseff disse para a senhora que as duas, que vocês duas estiveram juntas no combate ao desmatamento e, por isso, o desmatamento caiu. Quer dizer, tendo uma aliada forte como a ex-ministra Dilma Rousseff, a senhora cedeu à pressão de um governador ou vocês duas estiveram em campos opostos na área ambiental dentro do governo Lula?

Marina – Miriam, o plano de combate ao desmatamento foi um plano concebido por mim, a minha equipe, talvez uma das grandes conquistas do estado brasileiro. Esse plano começou em 2004, quando desmatamento estava em 27 mil quilômetros quadrados. Começou a ser implementado e em 2005 ele caiu para 18 mil.

Miriam – Eu conheço esses dados. O que eu quero saber é se vocês duas foram aliadas e estiveram juntas nas ações ambientais ou estiveram em campos opostos?

Marina – Olha, nessa questão do desmatamento, eu fazia a coordenação executiva do plano. E a Casa Civil tinha um papel muito mais político de convocação. Quem dava todo o suporte técnico e articulava os ministérios era eu juntamente com a minha equipe. Como eu tinha um trânsito muito grande com o ministro da Justiça, o ministro da Defesa, e Ciência e Tecnologia e o ministro do Desenvolvimento Agrário…

Miriam – Mas saiu porque o governador pensava diferente?

Marina – Não, Miriam, presta atenção. O governador estava pressionando diretamente o presidente da República. Eu sempre digo…

Miriam – E o presidente cedeu?

Marina – Eu sempre digo.. Eu estava em uma situação em que eu percebia que estava sendo retirado o apoio para mim. O Mangabeira pressionava, o Blairo Maggi, o governador de Rondônia, o Stephanes estava pressionando, para que as medidas fossem revogadas, dizendo que os nossos dados, os dados de institutos de pesquisa estavam errados e quem estava certo eram os dados da Secretaria de Meio Ambiente do governador Blairo Maggi. Nesse aspecto, por uma questão de justiça, a ministra da Casa Civil nem estava participando diretamente desse processo. Eram eles diretamente com o presidente em uma reunião, e quem liderava esse processo era o Stephanes e o Mangabeira Unger. Quando eu percebi que eles estavam induzindo o presidente ao erro, de revogar as medidas baseadas em dados de uma secretaria de Meio Ambiente do estado do Mato Grosso, eu pedi para sair. Fiz um bem para o governo, fiz um bem para a sociedade e principalmente para a Amazônia, porque o desmatamento continua caindo até hoje.

Renata – Então, candidata, falando ainda em meio ambiente e em energia, a senhora afirma que o Brasil está à beira de um apagão, mas a senhora também faz muitas ressalvas à construção de hidrelétricas na Amazônia, e já se disse contra o carvão, o óleo combustível, energia nuclear. Sugeriu aqui inclusive a taxar o petróleo. Mas, então, como se livrar, livrar o país desse risco a que a senhora se refere?

Marina – Planejamento, Renata. Como é que alguém pode imaginar que um país como o nosso, que está crescendo a 7% ao ano, todo ano fica refém de um empreendimento. Na época do Madeira, ou faz o Madeira o Brasil entra em apagão. Agora, é Belo Monte. Ou faz Belo Monte ou entra em apagão. Isso é falta de plano. Não tem um plano para infraestrutura. Nós vamos resolver isso com um plano, com um programa. O PAC não é um programa. O PAC é apenas uma junção de obras, e uma junção de obras que faz o seu papel gerencial.

Renata – A senhora reveria Belo Monte, se eleita?

Marina – Belo Monte é um empreendimento que tem muitas dúvidas. Um diretor, inclusive, se demitiu dizendo que tinha pressões políticas. E infelizmente foi dada a licença sem resolver problemas sociais e ambientais. Há uma responsabilidade. Existem 42 condicionantes para Belo Monte. Eu não sei se elas, sendo cumpridas, o problema seria resolvido. Um projeto para ser viável, tem que ser viável economicamente, socialmente e ambientalmente. No meu governo, as três coisas terão que estar caminhando juntas. E você pode crer: a gente, quando entende do assunto, viabiliza mais rápido, sem perda de qualidade. Nós resolvemos 45 hidrelétricas que estavam na Justiça, no governo anterior. Quando eu saí, todas estavam resolvidas e nenhum dos meus diretores estavam sendo processados. Hoje, dizem que agilizaram, mas muitos foram para a Justiça em função de terem feito mal feito.

Miriam – Candidata, está faltando um minuto. Eu queria fazer uma pergunta. É o seguinte: há uma corrente no Brasil que acha que as leis trabalhistas precisam ser mudadas para dar mais agilidade ao mercado de trabalho, criar mais emprego. E há outra corrente que acha que isso é tirar direito trabalhista. A senhora está do lado de quem?

Marina – Eu estou do lado da eficiência que faz com que a gente tire da informalidade metade da população economicamente ativa.

Miriam – Mudando as leis trabalhistas?

Marina – As leis trabalhistas podem ser revisadas, revisitadas, sem perda dos trabalhadores, porque hoje, do jeito está, nós já temos 50% da força de trabalho economicamente ativa que está na informalidade. E isso é um problema, inclusive, para o trabalhador. Tem que ter uma discussão. Agora, Miriam,  é fundamental que a gente busque uma eficiência da gestão. Todos esses erros que estão acontecendo na gestão pública, Renato, precisam ser tratados com eficiência e transparência.

Renato – Candidata, por favor. Desculpe interrompê-la desse modo, tão abruptamente. A senhora tem 30 segundos. Eu sou obrigado a interrompê-la. Tem 30 segundos para as suas considerações finais.

Marina – Eu quero dizer para a população brasileira que eu me dispus a debater o Brasil, não um embate, mas um debate para que a gente possa ter a educação, a saúde, a segurança pública, a infraestrutura de qualidade e uma gestão pública que acabe com os desmandos que nós temos, que as instituições possam funcionar com neutralidade, que a gente possa aprender com os erros para não repeti-los, como está acontecendo seguidas vezes na Casa Civil, nos Correios, no Congresso Nacional. É isso que nós precisamos aperfeiçoar: a gestão pública para que o Brasil possa ser passado a limpo e a gente saia do retrocesso na política.