Gabrieli Pessanha é campeã sul-americana, pan-americana e mundial juvenil na faixa azul

Gabi conquistou dois ouros na sua primeira competição na categoria adulta | Foto: Arquivo Pessoal

 

Um dos principais talentos do no Brasil, a carioca Gabrieli Pessanha precisou superar outros obstáculos antes mesmo de pisar no tatame do campeonato europeu do esporte, em Lisboa, para se sagrar duplamente campeã.

Nascida na Cidade de Deus, na zona oeste do Rio de Janeiro, onde mora e treina até hoje, Gabi, como é conhecida, nunca teve recursos nem apoio financeiro para custear suas viagens pelo Brasil e ao exterior para competir.

“Quando estava começando, ainda bem novinha, via vários meninos com patrocínio nos quimonos e vivia mandando e-mail para as empresas pedindo apoio, mas me diziam que meu currículo não era bom o suficiente”, conta ela à BBC Brasil.

Teve, então, de buscar formas alternativas de se bancar e estar presente nos campeonatos, como fazer rifas, vender trufas e dar seminários e aulas. Foi assim que Gabi tornou-se campeã sul-americana, pan-americana e mundial juvenil na faixa azul.

A atleta de 18 anos lançou mão mais uma vez desse expediente para ir a Portugal para sua primeira disputa na categoria adulta (18 a 29 anos).

Voltará como campeã europeia na faixa roxa, na divisão peso superpesado e no absoluto, disputado entre atletas de todas as divisões, superando rumo ao topo do pódio a atual campeã mundial de faixa roxa, Kendall Reusing, e batendo sua adversária na final por uma enorme vantagem de 38 a 0.

“Muitas pessoas me ajudam. Amigos de treino, pessoas que me conhecem pelo Facebook, amigos de familiares. Acham maneiro a menina da comunidade fazendo rifa por uma causa justa”, conta ela.

Portas fechadas

A passagem de avião para Lisboa foi, por exemplo, comprada e parcelada em seis vezes com a ajuda de um amigo de seu mestre, Marcio de Deus.

 

Mesmo com vários títulos, Gabi não tem patrocínio financeiro de empresas | Foto: FlashSport

 

Gabi também precisou participar da competição não só como atleta, mas integrar a equipe de funcionários do evento. O dinheiro ganho com esse trabalho será usado para terminar de pagar a passagem.

“Gabi tem dois patrocinadores, um que faz sua divulgação em redes sociais e outro que fornece material esportivo, mas não tem patrocínio financeiro”, diz Marcio.

“Com a crise e algumas denúncias de que isso foi uma forma de fazer lavagem de dinheiro, muitos empresários fecharam as portas. É muito difícil conseguir isso no Brasil hoje.”

Ela é um dos atletas formados pelo projeto social Lutadores de Cristo, de equipe de jiu-jitsu Infight, que enviou outros três atletas para Portugal.

A iniciativa foi criada por Marcio de Deus a convite do pastor Josué Branquinho, em 2008, que cedeu um espaço ao lado de sua igreja na Cidade de Deus para os treinos.

“Embora a academia ainda esteja em obras, é onde colocamos nosso coração, suor e lágrimas – e já revelamos muitos talentos”, diz Marcio.

“Com muita honestidade, temos colhido os frutos e tentado ajudar o máximo de crianças possível.”

 

Gabi (dir.) começou no esporte por meio de um projeto social coordenado por seu mestre, Marcio de Deus (esq.) | Foto: Arquivo Pessoal

 

Exemplo na comunidade

Foi assim que Gabi começou a praticar jiu-jitsu há mais de seis anos. A princípio, diz ela, ficou receosa e não queria saber muito daquele esporte “em que todo mundo se agarra”.

Mas, aos poucos, o preconceito se desfez, abrindo caminho para ela conquistar uma coleção de títulos e medalhas.

Hoje, assim como Rafaela Silva, judoca da Cidade de Deus medalhista de ouro na Olimpíada do Rio, ela mostra um outro caminho possível para as crianças da comunidade.

“Elas pensam: ‘Não vou me espelhar em uma pessoa ruim, que rouba. Vou me espelhar nessa menina'”, conta Gabi.

“É bom mostrar que a Cidade de Deus não é só bandido, não é só briga, palavrão. Aqui tem muitas pessoas que correm atrás de seus sonhos.”

E quais são os próximos sonhos de Gabi? Alcançar a faixa preta e ser campeã mundial na categoria adulta. “Ela está se dedicando muito e trabalhando duro por isso”, diz seu mestre.

“Ela encara tudo isso como oportunidade para poder ajudar a família e os amigos de treino e para que todos tenham uma vida melhor nesse Brasil tão sofrido.”