Existe manual de instruções sobre como ser mãe? É certo que cada pessoa lida de forma particular com realidades semelhantes. Mas, no senso comum, há um padrão esperado no maternar, assim como há uma expectativa também padronizada sobre os filhos.
A regra geral é, basicamente, criar os filhos, prepará-los ao mundo. Banho, escola, alimentação, amor, carinho, educação… Até vê-los crescer e seguirem seus caminhos. Dá pra dizer, sim, que há um “passo a passo” presente no imaginário comum do que é ser mãe.
Contudo, esse modelo não “é uma roupa que cabe” para todas as histórias. O assunto se amplifica, ganha nova dimensão, quando os filhos se revelam diferentes do que se espera, por uma razão ou outra. Há poucas respostas e praticamente nenhuma informação quando, por exemplo, os filhos têm determinadas condições que, muitas vezes, podem se estender por toda a vida. Afinal, como lidam as mães com a quebra de expectativas frente à maternidade?
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Nesses casos, há um claro caminho de aprendizado que, muitas vezes, é solitário, mas que comprova existirem várias maneiras de maternar. Afinal, mães são humanas, com erros e acertos que as fazem mergulhar em um profundo espectro de vivências, diferentes pontos de vista e inúmeras (re)descobertas.
Esta reportagem integra a série do Jornal Midiamax sobre maternidades, em alusão ao Dia das Mães, celebrado no domingo (11). Aqui, leitores conferem a experiência de mulheres que reinventaram conceitos engessados e provaram que, na receita da maternidade, o principal ingrediente é o amor.
‘Fiquei três dias na Santa Casa com a bolsa estourada’, relembra mãe
Ana Raquel, de 34 anos, é uma personagem que vive uma realidade fora do padrão. A vendedora autônoma nasceu no Ceará e veio com a família, no início de sua adolescência, para Mato Grosso do Sul. Anos depois, conheceu o atual companheiro e, com ele, teve a Ana Clara, atualmente com 13 anos.
No entanto, a notícia da paralisia cerebral do bebê foi “um choque”, o que a fez iniciar uma busca incessante por respostas que até hoje não detém. Além de terapia para si e inúmeros outros questionamentos, que a tornaram uma mãe resiliente e motivada, Ana Raquel celebra cada pequeno passo de evolução da sua filha.
“Minha família veio para cá buscar melhorias. Isso já tem 22 anos. E aqui eu tive a Ana Clara, que está com 13 anos, fez no último mês de março. Eu engravidei dela quando tinha 21 anos, descobri a gravidez aos quatro meses e, com 26 semanas, minha bolsa estourou. Fiquei três dias na Santa Casa com a bolsa estourada e ela nasceu no dia 1º de março de 2012, às 6h52”, relembrou.

De início, ela ficou 13 dias na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) Neonatal, onde fizeram vários exames e nada foi constatado. “A Ana Clara nasceu uma criança saudável, aparentemente, e lá na UTI a gente foi para Unidade Intermediária da Santa Casa. Lá passamos dois meses e 13 dias. Ficamos lá para que ela ganhasse peso e criasse um pouco mais de resistência. Fez fono, fez físio, e saímos de lá com ela, aparentemente, sem nenhuma sequela, nada”, argumentou.
No entanto, os próprios familiares falavam que a menina era “muito molinha”, sendo que pediatras respondiam que era normal, pelo fato de ser prematura. “Até que um dia uma médica disse que não era normal, porque ela já tinha dois anos e não andava. Só que antes, meses antes, corremos atrás, ela fez ressonância e constatou paralisia cerebral”, disse.

Mãe nunca descobriu motivo da paralisia: ‘Ficam os questionamentos’
Em estado de choque, Ana Raquel permaneceu um tempo sem entender o que estava acontecendo. “Fizemos, inclusive, consultas com geneticista para saber o que estava acontecendo. Nunca foi descoberto se foi antes do parto ou após o parto. Nunca foi descoberto motivo da paralisia. E daí eu fiz terapia por um tempo, mas, tive que parar. Tem as coisas da Ana Clara para resolver, minha profissão, meus estudos, muitas coisas”, argumentou.
Mesmo em uma união estável com o pai da criança e com o suporte de familiares, Ana Raquel precisou de terapia para entender tudo o que estava acontecendo. “Precisei de um tempo para assimilar tudo, entender, precisei de ajuda piscológica mesmo. Desde a descoberta, começamos a frequentar a Apae (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) do bairro Pioneiros, com fono, fisio, até a alta médica, há dois anos. Neste tempo a gente se pergunta, se a menina vai andar, as sequelas, então, precisamos aprender muita coisa”, ressaltou.

Ana Raquel diz ainda que a filha é muito inteligente, sabe ler e escrever e passou por diversas internações, além de conviver com asma e baixa imunidade. “Mas, graças a Deus, estamos vencendo. Ela é uma moça forte, vivendo um dia de cada vez. Eu não nego que tudo foi um baque muito grande. Toda mãe sonha em ter seu filho perfeito, levá-lo para casa, como a maioria das mães. E não levantar todo dia cedo para a terapia”, disse, com uma pausa emocionada.
‘Tudo isto impactou a minha vida’, relembra Ana Raquel
“Então assim, a gente quer que o filho tenha uma vida normal, que seja uma criança saudável, que se pegar uma gripe a gente não fique com medo dela morrer, enfim, tudo isto impactou muito a minha vida. Só que eu não tive muito tempo para digerir, porque descobrimos tarde, então, tivemos que correr atrás de tratamento e foi muito difícil. Inicialmente, então, é um choque muito grande, muito grande”, lamentou.
Em todos estes anos, Ana fala que carrega o sentimento de culpa.
“A gente se questiona o que fez de errado. Quando eu descobri, pensei até em algum medicamento que eu possa ter tomado, algum exame que deveria ter feito, então, este sentimento de culpa a gente carrega e existe sim. Mas hoje ela está com uma rotina normal, eu voltei a estudar, porém, o cuidado com ela ainda me exige muito, na questão de banho e ir ao banheiro. Ainda espero voltar ao mercado de trabalho, em breve”, finalizou.

‘Fui mãe de um lindo menino… que se tornou uma mulher!’
O depoimento da empresária Vera Aparecida Fernandes, de 52 anos, também surpreende pela resiliência e luta por direitos. Mãe aos 16 anos, de um “lindo menino”, diz que, desde cedo, percebeu um comportamento diferente. No entanto, mesmo tão jovem e vivendo em uma sociedade preconceituosa, além da família conservadora, diz que sempre “procurou ser aberta e proteger o filho da forma que podia”.
Sendo assim, ao longo dos anos, a caminhada não foi fácil. “Foram muitos desafios, dúvidas, aprendizados e acima de tudo, amor. Com o passar dos anos, fui amadurecendo e entendendo mais profundamente que meu filho realmente era, na verdade, uma mulher. E eu nunca deixei de amar. Muito pelo contrário, me tornei uma mãe ainda mais forte, com muito orgulho, da filha que tenho hoje, uma mulher transexual, muito bem resolvida”, afirmou.
De acordo com Vera, ser mãe de uma mulher trans é não desistir de alguém que Deus colocou no ventre. “É lutar todos os dias para ver minha filha sendo feliz, respeitando, sendo respeitada. Respeitada e amando. E se eu pudesse voltar no tempo, faria tudo de novo, com ainda mais amor e coragem. Todas as lutas das mães são, no fundo, pelo mesmo motivo, que seus filhos e filhas sejam respeitadas pela sociedade, como pessoas normais e nunca tratadas como algo desprezível, porque cada ser humano merece dignidade, amor e reconhecimento”, comentou.

‘Minha filha é uma mulher que fala forte e sabe se posicionar’, diz a mãe
No decorrer dos anos, Vera diz que aprendeu com a filha sobre merecimento e amor. “Tenho muito orgulho da mulher que a minha filha se tornou: belíssima, cheia de amor, carinho, uma mulher que fala forte, que sabe se posicionar e isso é muito bom. A nossa sociedade ainda é preconceituosa, mas, tenho honra em poder falar dela, espalhar este amor que eu sinto. E que nós possamos, verdadeiramente, amar cada dia mais”, afirmou.
A mãe ainda ressalta que a maternidade já é um ato de coragem, porém, ser mãe de um filho ou uma filha LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgênero) é “viver uma batalha diária contra o preconceito, a ignorância e a violência silenciosa ou explícita de uma sociedade que ainda insiste em negar o direito de existir com dignidade a quem é diferente”.
“E essa diferença é com todos que se acham mesmo, que são fora do padrão da nossa sociedade. É muito triste tudo isto. As lutas começam cedo, desde o momento em que percebemos que o mundo não está pronto para acolher nossos filhos como são. São olhares tortos, piadas cruéis, exclusão, medos que se instalam no peito. Muitas vezes precisamos primeiro vencer nossas próprias dúvidas. Educar a nós mesmas, desconstruir o que aprendemos para abraçar com consciência e verdade aqueles que geramos”, argumentou.

‘Amor de mãe aprende, enfrenta e transforma’, afirma Vera
Olhando sua trajetória, Vera diz que a luta contra o preconceito ocorre nas escolas, hospitais, com diversas famílias, nas redes sociais e conversas de domingo. “Lutamos para que nossos filhos sejam chamados pelo nome que escolherem, para que possam amar sem medo, existir sem vergonha, viver com segurança. Cada mãe de um filho LGBTQIA+ carrega uma força imensa, mesmo quando chora escondido. Eu sou mãe de uma menina linda, uma mulher esplendorosa e eu tenho muito orgulho disso”, ressaltou.
Vera comenta que as mães se tornam escudos, voz e abrigo, ensinando os filhos a não serem frágeis, já que “o mundo é cruel com quem ousa ser verdadeiro”.
“A Manu é um dos meus bens maiores. Mesmo diante de tudo, a gente segue firme, com o peito cheio de amor e orgulho, porque nossos filhos merecem viver inteiros. Nenhuma mãe vai deixar que a ignorância apague a luz de quem ela mais ama. Creio que cada mãe que foi presenteada por Deus para amar seus filhos como são e dar essa identidade a eles, lutar junto com eles para que eles possam ser felizes sempre. Aprendi também que as mães cometem erros diante a uma sociedade machista e preconceituosa”, finalizou.

Mãe ficou arrasada quando filha disse ter atração por meninas…mas tudo mudou!
A filha mais velha foi muito desejada pela assistente social Milka de Aguiar Pereira Maia, de 63 anos. Desde pequena, no entanto, a mãe percebeu alguns detalhes e a comparação ficou ainda maior com a vinda da segunda filha: a primogênita era “estabanadinha, gostava de brincar de bola e subir em árvore, enquanto a caçula era toda delicada e menininha”.
“A Juliana [Pereira Anunciação, técnica de enfermagem, de 43 anos] gostava de brincadeiras de gurizinho, enquanto a Mariana ficava só na barbie e maquiagens. E aí ela foi crescendo e eu sempre chamando a atenção dela, para ‘andar que nem menina’. Isso foi até os 14 anos e eu me lembro uma vez de obrigá-la a usar vestido e ter o cabelo comprido. Só que, no fundo, no meu íntimo, sabia que a Juliana era diferente, desde pequena”, relembrou.
Na mesma época, em uma das conversas, Juliana disse abertamente que olhava para meninos e não sentia atração. “Aquilo foi a mesma coisa que dar um tapa na minha cara. Meu coração acelerou, fiquei muito arrasada e não queria aceitar aquilo, de jeito nenhum. Briguei com ela. Foi a primeira vez que, diretamente, ela falou para mim, tanto que, pouco antes, tinha um menino gostando dela e eu estava querendo fazer ela se interessar pelo menino, porém, ela me respondeu daquela forma”, contou Milka.

A partir daí, a mãe disse que os atritos passaram a ser mais recorrentes e insistia para ela não sair mais com as amigas. “Não as aceitava mais em casa, achava que as amigas é que estavam levando para o mau caminho, fazendo a cabeça dela, até que eu resolvi procurar uma psicóloga, voltada para adolescentes, e marquei uma consulta. Fomos nós duas para a terapia e foi a melhor coisa que eu fiz. A profissional abriu a minha mente e me explicou muitas coisas”, comentou.
Mãe e filha passaram por sessões de terapia: ‘Fui respeitando o espaço dela’
Conforme Milka, a psicóloga disse que a filha estava muito jovem ainda e não poderia se definir como homossexual naquela idade. No entanto, explicou que tinha sim alguns indícios e que ambas deveriam continuar com a terapia.

“A Juliana foi conversando bastante com ela e me deu um exemplo bem marcante também, ressaltando que eu iria amar a minha filha do mesmo jeito, seja o que for, eu iria amar, me fazendo entender o lado dela. Foram várias sessões de terapia e começamos a nos entender, comecei a olhá-la com outros olhos. O meu marido, que era um médico pediatra, também me deu muito apoio. Fomos conversando e eu fui respeitando mais o espaço da minha filha”, disse.
Aos 16 anos, Milka disse que a filha apresentou a primeira namorada. “O processo não foi tão dolorido como eu imaginava. Eu apenas passei a exigir o estudo e que se formasse, que teria o meu apoio. E hoje eu tenho uma filha que não me incomoda em nada, não tenho vergonha em falar que ela é homossexual, é algo natural para mim. E ela é feliz e eu a respeito. A Juliana tem a família dela, que é uma mulher que tem uma filha de oito anos, que ela ajuda a cuidar inclusive, e me chama de vó”, afirmou.
Por fim, Milka fala que Juliana é uma filha muito carinhosa e que existe muito amor entre elas. “Ela me ensinou muito e hoje temos uma troca muito boa de afeto. Ela tem a vida dela, mas, a gente sempre está se vendo. Minha outra filha também casou e me deu um neto e um genro maravilhoso, então, sou uma mãe felizarda”, finalizou.

Como diria o poeta brasileiro Mario Quintana, que em uma linguagem simples escreveu sobre o aconchego e cuidado que só elas podem oferecer, mãe é ternura e dedicação. Aprecie:
Mãe
Mãe… são três letras apenas
As desse nome bendito:
Também o Céu tem três letras…
E nelas cabe o infinito.
Para louvar nossa mãe,
Todo o bem que se disser
Nunca há de ser tão grande
Como o bem que ela nos quer.
Palavra tão pequenina,
Bem sabem os lábios meus
Que és do tamanho do Céu
E apenas menor que Deus!
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