Sofrimento imensurável, dor que não acaba, luto eterno. Perder um filho vai contra a lei natural da vida, mas é o drama enfrentado por incontáveis mães mundo afora. Em torno do tema, diversos questionamentos. O luto passa? A dor desaparece? A vida continua? O que fazer com esse sentimento que brota a cada lembrança que surge?
Questionamentos como esses emergem sempre nesta época. Às vésperas do Dia das Mães, celebrado no próximo domingo (11), o Jornal Midiamax retoma o tema do luto materno, na primeira de uma série de reportagens sobre uma das principais datas comemorativas do calendário. Em conversa com mães enlutadas, permanece a percepção de que elas não são máquinas robóticas.
Como humanas, portanto, cristaliza a certeza de que não há um jeito certo de fazer a engrenagem da vida seguir em funcionamento. Muitos até tentam consolar, com frases como: “uma hora a dor passa, e ficam as lembranças”. Será mesmo?
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“Ainda não superei”, diz Márcia Siqueira, mãe de Yngrid Vitória, que morreu aos 14 anos em decorrência de uma doença neurodegenerativa rara e fatal. Uma alteração genética que afetou o metabolismo mitocondrial da jovem e mudou para sempre a história de uma família inteira.
Márcia, que tem mais duas filhas, adotou Yngrid quando essa tinha ainda poucos dias de vida. A mãe biológica era dependente química e tinha outras doenças. Usou diversos tipos de entorpecentes durante a gestação, o que provocou diversas comorbidades à jovem. Yngrid entrou na vida de Márcia após duras tentativas de acolhimento, depois de ser espectadora do sofrimento que a criança – que morava ao lado – passava. Uma história de amor e abnegação, que também mostra que laços maternais superam relações biológicas.
Assim, quando o diagnóstico chegou, Márcia lutou para que a filha pudesse ter o melhor tratamento. Foram inúmeras sessões de fisioterapia, neurologia, entre outros tratamentos. Diante da situação da menina, os médicos deram dois anos de vida. Contudo, com os cuidados e tratamento da família, Yngrid viveu por 14 anos.
“Já tinham me alertando sobre a possível perda repentina ou tardia”, explicou Marcia à reportagem. E continuou. “Essa [história] de que o tempo ameniza [o sofrimento], não tem sido assim comigo. Adquiri diabete emocional, síndrome do pânico. Cada dia piora. Às vezes, eu me culpo por não ter feito mais. Ao mesmo tempo, sei que não tinha muito o que fazer’, diz, em lágrimas.
Ouvir o chamado ‘mama’, brinquedos pelo chão, pedir ‘papa‘, são sons que ainda ecoam metaforicamente pela casa, agora vazia. Desfazer-se dos ursinhos e roupinhas não foi suficiente para enganar a falta. “Para uma mãe [perder um filho] é devastador”, lamenta.

‘Não consigo desapegar’
Marisilva Moreira da Silva compartilha o mesmo sentimento, sete anos após perder o filho adolescente para um crime bárbaro. Ela diz que agora, sim, está conseguindo superar o luto do filho que se foi. “Por meio das lembranças consigo estar com o Wesner da melhor forma possível, como ele era. Muito carinho. Ainda guardo as coisas que ele me deu”, diz.
Os autores do crime, Willian Enrique Larrea e Thiago Giovanni Demarco Sena, cumprem a pena de 12 anos de prisão por homicídio qualificado doloso. Eles introduziram a mangueira de ar comprimido no corpo do garoto, em um lava a jato. A mãe lutou por sete anos para que ocorresse o julgamento e condenação da dupla. “É pouco, perto do que fizeram com ele”, afirma.
Ainda assim, um alento à dor perene está nas netas: Alice, de 4 anos, e Ana, de 1 aninho. “Tenho que seguir a vida. Tenho uma família para dar carinho, minhas netas, que trazem alegria e vida para a casa. Me apego muito a Deus, também”, declara.
“Só queria embalar meu filho que mora na escuridão do mar”
Icônica, “Angélica” é a canção de Chico Buarque cuja letra é atribuída à estilista brasileira Zuzu Angel. É um ode ao luto materno, já que Zuzu teve o filho, Stuart, assassinado durante a ditadura militar no Brasil. “Queria cantar por meu menino, que ele já não pode mais cantar”, traz trecho da composição.
Também de Chico Buarque a música “Pedaço de mim” reforça que a “saudade é o revés de um parto, é arrumar o quarto do filho que já morreu”. As duas reforçam a infinitude do luto materno, muito embora, pelos relatos entregues à reportagem, a vida continue, mas transformada.
É nesse contexto que Marisilva conta que não consegue esquecer do que aconteceu. Segundo ela, as coisas de Wesner ainda estão no seu devido lugar, e desfazer-se seria como se ele fosse embora de vez.
“O luto está no olhar, no coração, na pele, no jeito de olhar as coisinhas dele. Não tem como desapegar. Não consigo doar as coisas dele. É uma maneira dele estar por perto. Parece que estou vendo ele”, explica, falando ainda que quando a dor aperta ainda mais ela leva flores para o filho no cemitério.
“Peço a Deus para me dar forças para seguir com a vida. A vida continua e agora tenho duas bonequinhas que me ajudam a aguentar a dor e me animam”, diz.

Luto também é saudade do que não foi vivido
Não há como mensurar os tipos de perdas dos filhos. Duas mães passaram tempos com seus filhos antes da partida, mas Patrícia Barros conheceu o filho Lucca por exatos 33 dias.Tudo começou após a descoberta da gravidez de gêmeos. Na mesma semana, Patrícia teve sangramento e perdeu um dos bebês. Mesmo abalada, a família lutou para que tudo corresse bem com Lucca.
Cerca de quatro meses depois, com 24 semanas de gestação, os pais receberam a notícia de que o bebê estava com restrição de crescimento, depois que a artéria uterina da mãe não estava nutrindo o filho. Mesmo com todos os cuidados tomados, no mês seguinte veio a notícia de que Lucca estava em sofrimento fetal e que teriam que fazer o parto para que ele pudesse ter a chance de viver.
Antes do nascimento, Patrícia procurou um sacerdote para receber Sacramento da Unção dos Enfermos. Momentos depois, durante muita reza, Lucca veio ao mundo. “Às 23h37 nosso menino nasceu, cabendo na palma da mão da doutora, pesando 480 gramas, apenas, e com 28 centímetros. Ali, do nosso lado, mesmo, acompanhamos o primeiro procedimento no nosso amor. Vimos ele ser entubado. Depois de algumas tentativas, ouvimos seu primeiro chorinho quase inaudível de tão baixinho. Ali, meu esposo e eu choramos tanto e compreendemos esse amor que tanto ouvíamos falar”, lembra.

Lucca dava sinais de que lutava pela vida. Parecia forte, tentava tirar os tubos e sondas. Passou por várias intercorrências, como transfusões de sangue. “Lá, rezávamos todo o tempo, por ele e por todos os bebês que lá estavam, pois só quem é mãe e pai de UTI sabe o que é viver entre a esperança e a dor. Ele seguia indo muito bem, apesar da gravidade por conta da prematuridade extrema”.
Na incubadora, Patrícia teve a bênção de conseguir pegar o filho no colo por três vezes. “Experimentei uma emoção jamais sentida, ter meu pequeno em meus braços, 20 dias após seu nascimento. Foi como se tivesse tocado o céu, tentava me controlar para não chorar e enchê-lo de lágrimas. Ficamos ali por um bom tempo, nos entregando um amor imenso. Esse, sem dúvida nenhuma, foi o dia mais lindo e mais especial de toda minha vida. As outras vezes também foram muito especiais, mas esse primeiro encontro nosso foi único”.
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Após alguns dias bonzinho, em novembro Lucca teve um quadro extremamente grave de infecção intestinal. Foi ali que o ‘mundo’ do casal caiu. O hospital pediu para que se despedissem, pois, a expectativa era que ele não sobrevivesse naquela noite. Foi autorizado mais uma vez que pegassem o bebê no colo e assim o fizeram.
Patrícia, em meio ao desespero e angústia, só entendeu quando o marido disse ao filho que se ele quisesse podia descansar. “Eu não poderia deixá-lo ir assim, mas no mesmo momento compreendi. Nosso filho não era nosso, ele foi emprestado por Deus pelo tempo que ele mesmo havia determinado”.
Falar isso, ela mesma, era como se uma flecha entrasse no coração, segundo descrição dela mesma. Após um tempo conversando com o filho, dizendo que ele poderia descansar, no dia em que os pais completavam 10 anos juntos e 7 de matrimônio, Lucca voltou para o céu.
“Pedi a Deus aquela noite que o deixasse descansar, pois ele não merecia mais sofrer, que viveríamos a pior dor dessa vida, mas a maior delas era vê-lo sofrer aqui por um capricho e egoísmo nosso”.
A mãe diz que muitas pessoas a tentam consolar dizendo que foi melhor assim, que talvez se sobrevivesse ele ficaria com sequelas, mas para ela não, não foi melhor assim, mas foi a vontade de Deus. “Embora o milagre não tenha sido da maneira que esperávamos, ele aconteceu do jeito que deveria acontecer”, explica.
Assim como a maioria das pessoas, Patrícia teve conflitos com a fé, se questionou, questionou a Deus, mas diz que só cabe aceitar, mesmo com o ‘coração sangrando’.
“Embora a dor, às vezes, pareça doer na carne, e o desespero queira se fazer morada no meu coração, eu creio que Deus está cuidando de tudo. Alguns dias são bem difíceis outros nem tanto, nem todo dia tem lágrimas, mas em todos tem saudade, principalmente saudade do que não vivemos”.
Desfazer-se de tudo ainda dói. As roupinhas que Lucca ganhou de quem nem o conhecia e já o amava ainda estão no lugar. Fotos dos poucos momentos vividos, também. Ela encara o luto como um processo de transformação sem forçar uma superação, respeitando seu próprio tempo.
“Vez ou outra me pego olhando suas fotos e vídeos na incubadora. A emoção e a dor vêm e as deixo doer, pois aprendi que o luto tem que ser vivido e sentido. Nós não superamos a perda de um filho, nós aprendemos a viver com a dor”.
Para se ajudar e ajudar outras mulheres nesse momento, Patrícia busca orientar e sensibilizar através das redes sociais sobre o processo de luto materno/paterno, sobre o respeito nesses momentos com quem passa por isso, no intuito de que as pessoas entendam que acolher e ouvir um pai e uma mãe enlutada é bem mais válido e ajuda muito mais do que julgar e falar coisas que, ao invés de confortar, machucam mais.
“Vivemos agora pela metade, mas a metade que ficou luta todo dia pra estar bem e ser feliz”.
A família criou o projeto Lucca Gutierres com ações de solidariedade, campanhas, doações. Todos os meses são arrecadados alimentos, dinheiro, roupas para necessitados. A história do Lucca e as ações do projeto podem ser acompanhados pelo Instagram da mãe @patybbarros.
‘Deixar sentir’
A psicanalista Monyze Gabrielle explica que essa dor intensa, como é descrita, deve-se à profundidade do laço que une uma mãe ao filho. “Um vínculo que abrange amor incondicional e expectativas para o futuro, muitas vezes sonhadas e imaginadas, criando fantasias de momentos a serem vividos. A perda, portanto, não se refere apenas à ausência física do filho, mas também aos diversos papéis que ele representa na vida desta mãe”, explica.
Monyze detalha que o luto materno é uma resposta natural ao processo de adaptação emocional diante da perda que envolve diferentes fases e sentimentos que nem sempre seguem uma ordem linear, sendo repleto de complexidades que podem ser revisitadas ao longo do tempo.
Segundo ela, muitas correntes apontam que as fases do luto ocorrem da seguinte forma:
- Negação: Esta é a fase inicial, onde muitas mães podem ter dificuldade em aceitar a realidade da perda.
- Raiva: Na segunda fase, a raiva surge como resposta à sensação de perda. Ela vem acompanhada por frustração, que pode ser direcionada não apenas à situação em si, mas também a outros, incluindo o próprio filho, a vida ou até mesmo à própria mãe por não ter conseguido protegê-lo.
- Barganha: Nessa fase, a mãe se questiona sobre o que poderia ter feito de diferente para evitar a tragédia, direcionando automaticamente a culpa para si.
- Depressão: Este é um período marcado por uma tristeza profunda, um sentimento de desesperança e até episódios de depressão.
- Aceitação: Finalmente, nesse estágio a mãe começa a encontrar um novo significado na vida, mesmo que ainda carregue a dor da perda. A aceitação não implica que a dor desapareça, mas sim que a pessoa começa a se ajustar à nova realidade e a encontrar maneiras de seguir em frente.
“Mas é crucial entendermos que o processo de luto é altamente individual. Vários fatores podem influenciá-lo, e não existe um tempo exato para que a dor cesse ou um prazo determinado para superá-la. O luto dura o tempo que for necessário, seja meses ou anos, e cada pessoa tem seu próprio ritmo para lidar com a dor”, explica a médica.
Ainda segundo a médica, muitas mães são incentivadas a voltar rapidamente às suas atividades cotidianas ou a não expressar suas emoções. No entanto, é de extrema importância que essa mãe se conecte com seus sentimentos.
Fugir dos sentimentos não ajuda no processo de luto
Nos estudos sobre enlutados, há consenso sobre a complexidade do processo. Um dos caminhos apontados para lidar melhor com o sofrimento é a ressignificação da memória do filho, permitindo que a pessoa enlutada siga em frente e que se construam novas relações com outras pessoas e com o mundo, sem temor de esquecer ou de se sentir culpada por ser feliz.
A psicanalista reforça, portanto, que embora a dor possa nunca desaparecer completamente, as mães podem encontrar formas de viver com essa dor que honrem a memória dos filhos. Nesse processo, que não tem tempo certo, o apoio das pessoas ao redor e o reconhecimento de que cada um tem seu próprio tempo tornam-se elementos fundamentais.
Assim, procurar ajuda, conversar com amigos, familiares ou grupos de apoio pode ser uma forma eficaz de compartilhar a dor e receber suporte. Recordar momentos felizes e relevantes também pode ajudar a manter viva a memória do filho, permitindo uma conexão contínua. Estabelecer novas rotinas pode trazer uma estrutura à vida, mesmo que ela nunca seja a mesma.
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Sobre guardar ou desapegar das coisas dos filhos, a psicanalista explica que é um processo profundamente pessoal que pode facilitar ou dificultar o luto. “Pode representar um ato de proteção e lembrança, mas também pode ser um obstáculo à cicatrização”, afirma.
“O luto é um processo e não um evento. Portanto, seja paciente. Respeitar o tempo dos seus sentimentos e compreender seus limites físicos e emocionais são essenciais para o sucesso no luto materno. Evitar falar sobre quem se foi não é o melhor caminho. Se a mãe enlutada estiver enfrentando dificuldades excessivas para lidar com o luto, ou se pessoas ao seu redor perceberem isso, pode ser necessário buscar ajuda profissional. Muitos especialistas estão preparados para oferecer o suporte necessário nesse tipo de atendimento”, conclui.
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