A pandemia é um capítulo da história mundial que, se pudesse ser apagado, jamais faria parte da rotina da população: restrições, vacinação contínua e medo diante de milhares de mortes. E, quando se fala no “mundo animal” e febre aftosa, o cenário se repete. De um lado, produtores se organizavam com calendário de vacinação e viviam o temor do rebanho ser afetado, em uma crise sanitária que assombrou o Brasil há quase 20 anos. Assombrou, no passado.
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O que foi vivenciado na última semana foi como um “grito entalado” após o reconhecimento da doença como superada pela autoridade máxima internacional. Na última quinta-feira (29), o Brasil recebeu o status de zona livre de febre aftosa sem vacinação, durante a 92ª Sessão Geral da OMSA (Organização Mundial de Saúde Animal), em Paris.
MS assume protagonismo e celebra a nova certificação

A certificação – antes concedida a poucos estados brasileiros – chega com um status simbólico, principalmente para Mato Grosso do Sul, já que os últimos focos foram registrados no Estado e no Paraná, em 2006. Com a novidade, abrem-se as portas para mercados que exigem alto padrão sanitário, como Japão e Coreia do Sul, os quais remuneram melhor os produtores.
Nesta semana, uma comitiva do Estado, composta por produtores rurais, representantes de entidades, técnicos e políticos, esteve na Europa e assumiu um papel de protagonismo para celebrar a nova certificação.
A ex-ministra da Agricultura e Pecuária e atual senadora, Tereza Cristina (PP-MS), que esteve à frente da então Seprotur-MS (Secretaria de Desenvolvimento Agrário, Produção, Indústria, Comércio e Turismo) na época dos últimos casos de aftosa, relembra as melhorias conquistadas pelo setor produtivo nas últimas duas décadas em Mato Grosso do Sul. Quando um foco da doença altamente contagiosa era detectado, era necessário isolar a área e sacrificar todos os animais para impedir que o vírus se espalhasse.
“O Estado investiu em legislação, tecnologia, capacitação de pessoal e infraestrutura para reforçar a vigilância e o controle sanitário. O Mato Grosso do Sul reestruturou seu serviço veterinário oficial, especialmente com a Iagro [Agência Estadual de Defesa Sanitária Animal e Vegetal], e ganhou a confiança do setor internacional”, destaca a senadora ao Midiamax.
O rebanho bovino de Mato Grosso do Sul é de 18,89 milhões de cabeças de gado, de acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). A vice-presidente da FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária) aponta que o reconhecimento é resultado da dedicação do setor pecuário para alcançar um alto padrão sanitário.
“Ao receber o status de zona livre de febre aftosa sem vacinação, o Estado colhe os frutos desse esforço coletivo. Isso abre portas para novos mercados, especialmente os mais exigentes e que pagam melhor, fortalecendo nossa economia e valorizando a pecuária sul-mato-grossense. É um novo tempo para o setor”, celebra.
‘Vivemos um dia histórico’

O diretor-presidente da Iagro, Daniel Ingold, também conversou com o Jornal Midiamax, logo após o recebimento da Certificação Internacional de Livre de Aftosa sem Vacinação.
“Vivemos um dia histórico para a pecuária e para a produção no nosso estado de Mato Grosso do Sul. Recebemos a Certificação Internacional de Livre de Aftosa Sem Vacinação. Isso eleva o status sanitário, que nos possibilita vender para qualquer mercado dos mais exigentes do mundo. É uma qualificação dos nossos produtos, não só da carne bovina, mas, por exemplo, da suinocultura”, argumentou o presidente.
De acordo com Ingold, a suinocultura do Estado não consegue exportar para alguns destinos, como o Japão. Esses países são atendidos por outros estados, como Santa Catarina, certificado desde 2007, e pelo Rio Grande do Sul e Paraná, reconhecidos desde 2019 e 2020, respectivamente.
Ingold comemora o grande momento e diz que a luta durou por mais de 50 anos, acompanhada por entidades como a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) e a Famasul (Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul), por exemplo.
“Estamos todos, juntamente com a Tereza Cristina, que realmente fez parte desta luta, como secretária de agricultura na época do foco de febre aftosa, ela ocupava a pasta e, até agora, nesses momentos, passando, inclusive, como ministra, auxiliou muito o nosso Estado”, opinou Daniel.
‘Agora temos o caminho aberto para novos mercados’, avalia Iagro-MS
Ao retornar para Mato Grosso do Sul com a certificação, o representante da Iagro diz que a intenção é exportar para qualquer país do mundo.
“Precisamos mostrar isso e abrir esses mercados. É o que o governador Eduardo Riedel [PSDB] disse, em uma fala dele, que o mundo precisa saber a qualidade que nós temos na nossa produção. É algo que realmente tem que ser divulgado a nível mundial, então, este é um grande momento, um momento também de conjunção de esforços, tanto da parte da Iagro, com apoio do governo em termos de investimento, mudanças, toda parte de vigilância, a implantação da inteligência territorial, inteligência geográfica, que hoje é um parâmetro de comparação, um dos melhores do mundo”, ressaltou o presidente.
Desta forma, o presidente diz que a Iagro de Mato Grosso do Sul já foi reconhecida pelo próprio Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) como a “melhor agência do Brasil”.
“E isso envolve todo um trabalho, de envolvimento dos servidores e toda a equipe da Agência. Porém, antes foi necessário o entendimento da situação dos produtores, de uma forma geral. Então, é um impacto muito positivo e que vem em boa hora. Acredito que agora nós temos um caminho aberto para abrir novos mercados e trabalhar cada vez mais, eficientemente, pela valorização da nossa produção e da qualidade do que nós produzimos”, finalizou.

O presidente do SRCG (Sindicato Rural de Campo Grande, Rochedo e Corguinho), Eduardo Monreal, também comentou sobre o quanto está confiante com o reconhecimento de Mato Grosso do Sul como zona livre de febre aftosa sem vacinação.
“Será um marco histórico para a pecuária do nosso Estado e este avanço é resultado do esforço conjunto dos produtores e do trabalho técnico exemplar da Iagro, a quem agradecemos pelo compromisso com a sanidade animal. A conquista vai abrir novos mercados e gerar oportunidades para mercados como a bovinocultura de corte e suinocultura, agregando valor e fortalecendo toda a cadeia”, acredita.
Celebrando da mesma maneira, o presidente da Famasul, Marcelo Bertoni – que também esteve presente no 92ª Sessão Geral da OMSA – disse que teve “uma enorme alegria” ao receber, para o Brasil, o certificado de zona livre de febre aftosa sem vacinação.
“Isso é um status para nossa carne, para nós, que temos um produto de qualidade, mais uma vez mostrando que o Brasil é um produtor consciente, com responsabilidade e também fazendo a preservação do meio ambiente e tendo aí, esta característica da nossa carne, a melhor em qualidade e, com este status maior, alcançando, novos mercados para os nossos produtos. Eu gostaria de reiterar o meu agradecimento a todos os envolvidos, desde lá atrás, os ministros da agricultura todos, a nossa Tereza Cristina, ao Iagro, Mapa e todo o Estado que teve força para fazer esta conquista ser realizada após 20 anos tentando ter status de qualidade deste porte”, afirmou.
Produtores comemoram
O sócio-proprietário da Fazenda Cachoeirão, Nedson Rodrigues Pereira, de 59 anos, comemora a chance de os produtores rurais aumentarem as possibilidades de mercados exportadores, além de reduzirem os custos envolvidos na vacinação.
“Os protocolos sanitários foram intensificados desde 2005 para cá e estamos recebendo essa mudança de status para livre de vacinação porque os estados do Brasil estão em conformidade com o protocolo da Organização Mundial de Saúde Animal. O Brasil tem feito o seu dever de casa com os protocolos todos muito bem feitos. Qualquer tipo de surto que possa vir no futuro o Brasil está preparado para fazer um excelente trabalho na questão da fiscalização sanitária e no atendimento de foco”, aponta.
E o pecuarista tem razão, já que além do fortalecimento do sistema de vigilância em saúde animal, o Brasil também se prepara estrategicamente caso haja um surto com a implementação de um banco de vacinas.
Segundo a CNA (Confederação Nacional da Agricultura), este estoque de vacinas prontas para uso ou antígenos virais concentrados, congelados, de sorotipos virais específicos permitiria que um laboratório formulasse um imunizante rapidamente em caso de surto. O país também deve assinar uma parceria para a criação do banco de vacinas e demonstrou interesse em aderir ao Banvaco (Banco Regional de Antígenos).
A rastreabilidade é outra ferramenta fundamental para a vigilância. A ideia é implementar o PNIB (Plano Nacional de Identificação Individual de Bovinos e Búfalos), em que o modelo atual de qualificação por lotes passaria para identificação individual, trazendo agilidade nas investigações e respostas ao mercado.
60 anos de campanha de vacinação
As campanhas oficiais de vacinação contra a febre aftosa iniciaram no Brasil em 1960. Foram mais de 60 anos até que a última dose da vacina em Mato Grosso do Sul fosse aplicada, em novembro de 2022.
O Estado aderiu o PNEFA 2017-2026 (Programa Nacional de Erradicação e Prevenção da Febre Aftosa) em 2018, assumindo o compromisso de retirar a vacinação de forma gradual nos rebanhos bovino e bubalino. Os estados foram organizados em quatro blocos levando em consideração aspectos geográficos.
O Mapa (Ministério da Agricultura e Pecuária) suspendeu a venda de imunizantes contra a doença em 2023 e, no ano seguinte, reconheceu o Estado como zona livre da enfermidade com a maior nota na auditoria Quali-SV.
Nesse período, foram feitos investimentos milionários pelo Governo para reforçar a fiscalização, incluindo ações estratégicas na ordem de R$ 243 milhões e a contratação de mais 50 fiscais veterinários.
Brasil é o maior exportador de carne bovina
O Brasil é o maior exportador de carne bovina do mundo, considerando tanto a carne in natura quanto a processada. De acordo com dados da Semadesc (Secretaria de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação), Mato Grosso do Sul exportou 282,21 mil toneladas da proteína no ano passado, o que equivale a uma receita de US$ 1,278 bilhão.
Somente no primeiro quadrimestre deste ano, o Estado já ultrapassou a marca de meio bilhão de dólares (US$ 510 milhões) em carne bovina enviada para outros países. Os principais destinos são China (25,6%), EUA (22,76%) e Chile (13,52%).
Outro desafio do setor também envolveu lideranças de Mato Grosso do Sul na Europa, nesta semana. Declarações feitas pelo dirigente do Carrefour que colocavam em dúvida a qualidade da carne brasileira, em novembro de 2024, culminaram em um pedido do Brasil, da última terça-feira (27), para que a Comissão Europeia investigue os varejistas franceses. A senadora Tereza Cristina foi uma das integrantes da comitiva que protocolou a petição no órgão europeu em Bruxelas, capital da Bélgica.
“Os pecuaristas do Brasil e de Mato Grosso do Sul seguem protocolos rígidos de sanidade, com vigilância constante, vacinação quando exigida e práticas modernas de manejo. Acusações infundadas, como as que enfrentamos no ano passado, não condizem com a seriedade do nosso sistema”, defende a senadora.
A congressista ressaltou que a qualidade do produto nacional é reconhecida por mais de 100 países. Na época, a indignação do setor brasilieiro levou a um boicote nas exportações para a multinacional europeia. O diretor-presidente da companhia, Alexandre Bompard, recuou sobre a declaração e pediu desculpas ao Brasil.
“Precisamos proteger a imagem do Brasil e valorizar o trabalho sério dos nossos produtores. A confiança na carne brasileira precisa ser defendida com dados, transparência e união. Temos alto controle de qualidade e exportamos para mais de 130 países”, aponta.
Já o pecuarista Nedson Rodrigues relembra que a carne brasileira chega à mesa de cidadãos de diversos países europeus, o que atesta o reconhecimento da qualidade da proteína do país, especialmente a de Mato Grosso do Sul.
“A carne do Mato Grosso do Sul é sustentável, tanto de qualidade sanitária preservando o meio ambiente, como na qualidade intrínseca na questão de maciez e sabor. O Mato Grosso do Sul é reconhecido como uma das melhores carnes do Brasil”, frisa.
A febre aftosa, que antes gerava incertezas e desestruturava mercados, passa a representar um medo superado graças ao empenho dos produtores, à ciência e às políticas públicas bem implementadas. O Brasil caminha para um novo status sanitário e senta à mesa para negociar com clientes internacionais mais exigentes. Os fantasmas da aftosa e da pandemia ainda servem de alerta, mas não definem mais as regras do jogo.
Confira o depoimento de Marcelo Bertoni, presidente da Famasul e que estava presente na comitiva em Paris:
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