Novo ‘pretinho básico’, inteligência artificial chega para evitar catástrofes e furto de água em Campo Grande
Tecnologia permite que Águas Guariroba faça um “monitoramento 360” do abastecimento de água na Capital. Reportagem especial mergulhou a fundo no estudo inédito e que está prestes a ser divulgado
Thalya Godoy, Graziela Rezende –
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O sol escaldante e a poeira nos sapatos não permite que o campo-grandense ignore as mudanças climáticas. O cenário atípico tornou-se rotina. O céu já não é tão azul frequentemente. O calorão às nove da noite incomoda, escorre pelo lençol e em poucos minutos evapora-se na baixa umidade do ar. A seca obriga a resiliência e que empresas e governo trabalhem com a prevenção para evitar catástrofes.
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Na Capital, o abastecimento de água é garantido por meio da conjunção de tecnologias, incluindo a inteligência artificial. A I.A – novo pretinho básico em diversas áreas, das casas inteligentes a diagnósticos, passando por aplicativos e serviços de streaming – auxilia a empresa concessionária a evitar a falta de água com o monitoramento de córregos, reservatórios, produção de relatórios estratégicos e até mesmo detectando fraudes na rede de abastecimento.
Um desses projetos é um modelo inédito no país – que só existe em outro grupo de pesquisa nos Estados Unidos – e permite que a Águas Guariroba faça o monitoramento da vazão dos córregos que abastecem a cidade. A tecnologia prevê a possibilidade de escassez hídrica e auxilia a empresa a tomar decisões para evitar o desabastecimento.
A concessionária firmou uma parceria com a UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) para calibrar a I.A. e atender as necessidades de Campo Grande. A inteligência artificial usou dados medidos de forma contínua em uma rede de 200 bacias hidrográficas do Brasil e treinou um modelo matemático.
Por meio do machine learning (aprendizado de máquina), as informações foram reunidas, testadas e criadas simulações em tentativa e erro até se aproximar de um modelo ideal.
IA: antecedendo mudanças climáticas e mantendo a cidade abastecida
Segundo Fernando Garayo, gerente de Meio Ambiente e Qualidade da Águas Guariroba, a principal vantagem dessa tecnologia é antever as mudanças climáticas e os períodos de baixa precipitação. O objetivo? Manter Campo Grande abastecida 24 horas por dia.
“Conseguimos saber com precisão diária qual será a vazão, ou seja, a quantidade de água nos dois principais mananciais de abastecimento de Campo Grande. Tínhamos e ainda temos ferramentas de previsão de chuva que também nos auxiliam. As ferramentas são complementares, só que agora a gente consegue não somente saber se vai ou não chover, mas quanto de água vai ter no rio”, explica.
Tecnologia e plano diretor inteligente
A inteligência artificial pode ser utilizada a favor do meio ambiente, como para elaborar programas de prevenção da degradação ambiental e do grau de poluição das cidades. A tecnologia pode alertar para questões que colocam em risco a cidade, como alagamentos, desmoronamentos, água potável, saneamento, trânsito fora de controle, sistema viário e de transporte inteligente, entre outras áreas.
É o que acredita o doutor em direito pela Universidade Federal do Paraná, convidado do Ministério do Meio Ambiente para sugerir instrumentos de Cidades Sustentáveis e palestrante na Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), Adir Ubaldo Rech. Ele já atuou na redação de planos diretores de diversas cidades e é autor de livros como “Inteligência Artificial, Meio Ambiente e Cidades Inteligentes” e “Direito Urbanístico”.
Em entrevista ao Jornal Midiamax, o especialista alerta que o principal elemento que evita as tragédias urbanas é um Plano Diretor Inteligente, que adote zoneamentos de acordo com a vocação natural dos espaços territoriais e autorize atividades compatíveis. A ocupação urbana que não respeita os ecossistemas e as leis da natureza são as duas causas quase exclusivas que criam problemas e riscos ambientais.
“Uma cidade inteligente é aquela cuja ocupação e atividades humanas estão em harmonia com os ecossistemas e as leis da natureza. Não há inteligência artificial capaz de resolver isso. A inteligência artificial pode agregar atividades inteligentes, mas sobre os zoneamentos territoriais feitos de acordo com a vocação de cada espaço”, alerta.
Monitoramento 360
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O documento “Impacto da Mudança Climática nos Recursos Hídricos do Brasil”, elaborado pela ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico), aponta que a mudança climática altera significativamente o ciclo hidrológico, adicionando uma incerteza significativa à disponibilidade hídrica em muitas regiões do planeta. O cenário de vulnerabilidade futura dos recursos hídricos alerta para a necessidade de adaptação.
Um dos pontos chaves para se preparar para as mudanças climáticas é a previsão e adaptação. A Capital conta com 154 poços que captam água em três aquíferos, o que permite uma capacidade de produção de água superior à demanda mesmo em períodos de alto consumo.
“Junta-se a isso a perfuração de novos poços, inclusive este ano tivemos a perfuração de dois poços profundos com mais de 500 metros de profundidade para captar água do Aquífero Guarani. Também não podemos deixar de falar que Campo Grande é referência nacional em perdas de água na distribuição, que é de apenas 19% ante uma média Nacional acima de 35%”, destaca Garayo.
Gestão da rede
Além disso, a empresa usa a tecnologia de Inteligência Artificial em outras áreas, como os modelos de redes neurais que conseguem prever os níveis dos 14 principais reservatórios pelas próximas 12 horas. Todo o sistema é controlado a partir do CCO (Centro de Controle de Operações) da Águas Guariroba. Conforme explica o arquiteto de sistemas, Carlos César, a ferramenta auxilia na tomada de decisões.
“A operação é muito dinâmica. A depender das ações que os controladores tomam aqui, toda essa previsão é alterada. Então, a cada dez minutos recalcula para ver se as ações que o controlador observou nessa predição. Então analisou e viu que algumas ações que precisam tomar vão criar uma nova previsão ajustada. Fica acompanhando, observando se a previsão de seis horas está condizente com o que eu quero. Se não, toma novas ações e o modelo recalcula”, detalha.
A tecnologia, contudo, também pode ser usada para tarefas mais simples como a elaboração de relatórios. A concessionária conta com a premiada A.I.A (Aegea Inteligência Artificial), responsável por produzir documentos por meio de chatbot no Telegram e Google Teams para gerentes, diretores e supervisores sobre o andamento das operações.
“Com poucos cliques, é possível pegar todas essas essas informações. Com a evolução dos nossos sistemas operacionais, é possível, por exemplo, perguntar qual a pressão máxima de tal bairro e aí já retorna com as informações. Como são dados técnicos, tem que ser um modelo bem estruturado e preciso para que o colaborador que está solicitando tenha exatamente o que está pedindo”, aponta o arquiteto de sistemas.
Destaque em evitar o desperdício de água
Campo Grande já foi a vencedora na categoria ‘Atingimento das Metas de Perdas de Água’ do 8º Prêmio Casos de Sucesso, promovido em maio deste ano pelo Instituto Trata Brasil em parceria com o Centro de Estudos de Infraestrutura e Soluções Ambientais da FGV (Fundação Getúlio Vargas). A Capital tem o segundo menor índice de perda de água do país, de 19,7%. Há quase 20 anos atrás, em 2006, este índice era de 56%.
Conforme a Águas Guariroba, isso representa uma economia de 43,46 milhões de metros cúbicos de água por ano.
E, novamente, a tecnologia entra nesta equação para o desenvolvimento sustentável. O CCO conta com o Takadu. A inteligência artificial israelense é responsável pelo monitoramento do sistema de abastecimento da cidade, identificando anomalias na rede, como possíveis vazamentos.
“Inicialmente a gente insere o sensor, coleta esses dados nas duas primeiras semanas e, a partir disso, ele [Takadu] vai começar a comparar o que eu tenho de previsão histórica com o que eu tenho da minha previsão de rede, que é o que está acontecendo naquele momento. Depois disso, ele vai aprendendo o comportamento. Então eu vou ter que explicar pra ele. ‘Aqui está certo. Acho que você aprendeu esse comportamento ou não, isso aqui está errado’. E assim a gente vai indo com todos os tipos de sensores. Nível, pressão, vazão”, explica a analista de operações Taulane Azambuja.
Caso seja detectada alguma anomalia na rede, um técnico da empresa é encaminhado até o local para verificar o que aconteceu com um geofone. O aparelho tem uma haste para escuta e com ele é possível ouvir no chão se há algum ruído que possa apontar problemas na rede.
Pesquisa e inovação
Além do projeto que monitora a vazão de água, a Águas Guariroba e a UFMS possuem parceria em outra iniciativa relacionada à inteligência artificial. Por meio de incubadoras, estudantes ficam por dentro do que ocorre na cidade e podem ajudar a desenvolver soluções para o desenvolvimento tecnológico e até para evitar o furto de água.
A previsão é que o projeto piloto inicie em pouco tempo. Quem aceitar, será monitorado até que o sistema entre em operação em toda a cidade.
Neste caso, a parceria entre a Águas Guariroba, a UFMS e a startup Damine Tecnologia LTDA – incubada na Pantanal Incubadora Mista de Empresas da UFMS – foi desenvolver um programa que consiga ajudar a detectar anomalias na rede de fornecimento de água por meio de imagens de satélite ou de drones.
Conforme explica o professor da UFMS e coordenador do projeto “Aplicações de Inteligência Artificial para identificação de edificações”, Ruben Barros Godoy, o geoprocessamento de imagens permite que o programa identifique o número de edificações e piscinas em uma rua, por exemplo. Ao cruzar as informações com a base de dados da Águas Guariroba, é possível verificar se a quantidade de casas corresponde às unidades consumidoras registradas com a empresa concessionária.
“Como a gente consegue estimar o consumo, em uma rua com 15 casas é esperado um consumo de tantos mil litros por hora, dia e mês. Porém, se está dando o dobro ou o triplo, tem alguma coisa errada. Pode ser o registro, vazamento no encanamento ou alguém que não está cadastrado na rede. Neste caso, entra a equipe operacional da Águas Guariroba para ir até lá e verificar o que está acontecendo”, explica o docente da UFMS.
As redes neurais da inteligência artificial são treinadas para identificar e a classificar as edificações como de baixo, médio e alto padrão. A tecnologia consegue distinguir o que é um telhado de uma residência, por exemplo, do que é uma quadra ou esquina. A taxa de assertividade do programa já se aproxima da perfeição, saltando de 78% a 98% no intervalo de um ano de pesquisa e testes, destaca o professor.
“Além de prever o consumo e unidades consumidoras, a gente aponta o possível local do problema, o que facilita na redução de custos logísticos de transporte de equipe. Você tem que deslocar a equipe do campo, tem que furar, incomodar os moradores. Então, é muito melhor ir com uma taxa de certeza maior, em que você não gasta tanto com essa busca”, aponta Godoy.
Confira no vídeo abaixo as diferentes aplicações da I.A. na gestão da rede de abastecimento de água em Campo Grande:
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