O dólar acelerou os ganhos ao longo da tarde com o acirramento das tensões comerciais entre Estados Unidos e China e emendou nesta terça-feira, 8, o terceiro pregão consecutivo de alta firme no mercado local, flertando com fechamento acima do nível psicológico de R$ 6,00.
O dia foi negativo para divisas emergentes mais ligadas à China. O real, que nos últimos dias apresentou desempenho superior a de pares, amargou a maior perda entre as moedas mais relevantes. No mercado offshore, o yuan caiu ao menor nível histórico em relação ao dólar, o que é ruim para exportadores de commodities como o Brasil
As atenções estiveram voltadas ao prazo dado por Donald Trump para que a China recuasse de tarifas retaliatórias, que expirava nesta terça às 13 horas (de Brasília). Os chineses não piscaram. Mantiveram as tarifas, ressaltaram que estão prontos “a lutar até o fim” e iniciaram disputa contra os EUA na Organização Mundial do Comércio (OMC).
A Casa Branca confirmou, então, sobretaxa de 50% sobre produtos importados da China a partir da quarta-feira, 9. Com isso, o gigante asiático passará a enfrentar tarifa total de 104% em produtos exportados aos EUA. A troca de farpas elevou a aversão ao risco, levando o dólar a ultrapassar a linha dos R$ 6,00.
A moeda moderou os ganhos em seguida e chegou a trabalhar abaixo de R$ 5,98, mas voltou a se aproximar de R$ 6,00 na reta final dos negócios, com aumento da aversão ao risco e o tombo das bolsas em Nova York. O gatilho teria sido a afirmação do porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, de que o presidente Donald Trump acredita ser possível a fabricação de iPhones nos EUA. A Apple produz a maioria de seus produtos na China.
Com máxima a R$ 6,0054, o dólar subiu 1,48%, a R$ 5,9979 – maior valor de fechamento desde 21 de janeiro (R$ 6,0307). A divisa já acumula ganhos de 5,13% nos seis primeiros pregões de abril. As perdas no ano, que chegaram a superar 8%, agora são de 2,95%.
Para o chefe da mesa de câmbio da EQI Investimentos, Alexandre Viotto, a tendência é que o dólar continue a se valorizar em relação a divisas emergentes, uma vez que não há sinais de que haverá redução iminente das incertezas provocadas pela guerra comercial.
“Com a falta de previsibilidade, temos visto investidores e empresas já em busca de hedge. Ninguém vai abrir mão da segurança do dólar com tanta indefinição no exterior”, afirma Viotto, para quem as dúvidas sobre uma eventual recessão nos EUA mantêm a aversão ao risco em níveis elevados.
Operadores relatam saída de capitais de ativos locais. Dados da B3 mostram que os investidores estrangeiros já retiraram R$ 3,605 bilhões da bolsa doméstica em abril (até o dia 4). No acumulado do ano, o fluxo de capital externo está positivo em R$ 7,037 bilhões.
Termômetro do comportamento do dólar em relação a uma cesta de seis divisas fortes, o índice DXY recuava cerca de 0,31 no fim da tarde, abaixo da linha dos 103,000 pontos, após mínima aos 102,753 pontos. Franco Suíço e iene, tradicionais refúgios em momentos de estresse, devolveram parte dos ganhos dos últimos dias.
Com os temores de desaceleração mais aguda da atividade nos EUA em razão do tarifaço, crescem as expectativas em torno de um alívio monetário. Monitoramento do CME Group mostrou que uma redução da taxa básica americana em 25 pontos-base em maio passou a predominar entre as apostas dos investidores.
No início da tarde, o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) de Chicago, Austan Goolsbee, disse que há dúvidas sobre “a rapidez e a magnitude” em que o tarifaço se traduzirá em aumento de preços, mas ressaltou que o sentimento do consumidor americano “está despencando” – o que, em geral, se traduz em queda dos níveis de consumo.
Já a presidente do Fed de São Francisco, Mary Daly, disse que há uma “pequena preocupação com leve alta da inflação com tarifas”. Ecoando falas recentes do presidente do BC norte-americano, Jerome Powell, Daly disse que a política monetária está posicionada e “modestamente restritiva”.
“O mercado está dividido entre a possibilidade de quatro ou até cinco cortes de 25 pontos. Há dois vetores em conflito: a pressão inflacionária com tarifas e o risco de recessão por causa da incerteza econômica. No momento, o mercado parece mais preocupado com a recessão do que com a inflação”, afirma o economista Paulo Gala, professor da FGV-SP.