Reforma tributária poderá ter ‘ganhadores e perdedores’ em MS; entenda

Economista cita os principais impactos da reforma tributária apresentada e alerta sobre a incerteza de muitos pontos

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(Ilustrativa, Nathalia Alcântara, Jornal Midiamax)

A Câmara dos Deputados aprovou a reforma tributária (PEC 45/19) no dia 7 de junho. Medida prevê a simplificação dos impostos sobre o consumo, a criação de fundos para o desenvolvimento regional e unificação da legislação de novos tributos. No entanto, com alíquota de 25%, considerada a maior do mundo, economista alerta sobre muitos pontos incertos na proposta e afirma que haverá muitos ganhadores e perdedores em Mato Grosso do Sul.

Em face das inúmeras dúvidas quanto aos impactos da nova proposta na vida do contribuinte, o Jornal Midiamax convidou o economista Renato Wanderley Gomes, especialista em tributos do escritório WG Contabilidade, em Campo Grande. Ele ressalta existirem pontos positivos e negativos na nova reforma e que, acima de tudo, reforma terá vencedores e perdedores.

Para ele, um dos pontos positivos é a alteração do cálculo de tributos comerciais no país, uma vez que está sendo alterada a tributação comercial, ou seja, dos comércios e prestações de serviço. A ideia é normalizar regimes em um só mecanismo de Cálculo de Valor Agregado. “A partir de então as empresas calcularão aquilo que precisarão pagar de acordo com apenas aquilo que agrega”.

Na sua visão, os grandes beneficiários da reforma são as grandes empresas porque o valor agregado será a dinâmica para apuração dos tributos, no entanto, a folha de pagamento não participará desse cálculo. Ou seja, prejudicará a conta do pagamento de recolhedor de imposto que é a empresa. Na prática, significa que se a folha de pagamento não oferecerá crédito para o cálculo. Renato ainda pontua que a folha de pagamento não importa tanto para uma grande corporação, mas sim para um pequeno empreendedor.

“A folha é muito mais importante para pequena empresa, a reforma vai ter como vencedor as grandes empresas, sobretudo as empresas comerciais, que terão como direito aproveitar muitos créditos”. Por outro lado, as grandes empresas prestadoras de serviço podem sofrer aumento de cargas tributárias efetivas porque a folha é muito importante para quem presta serviço. “Eles têm uma folha de pagamento robusta e folha de pagamento não trará na conta de valor agregado e prejudicará a empresa, portanto o consumidor, porque não entrando no cálculo de valor agregado você torna a conta maior”.

Para o especialista, é um ponto que pode causar muitos problemas na economia porque 70% dos negócios brasileiros são compostos por pequenas empresas. Então, se não for feita com cuidado, a reforma tributária poderá aumentar a taxa de desemprego.

Não há neutralidade fiscal

Renato ainda elenca que o ideal numa reforma tributária é alterar a dinâmica de pagamento para torná-la mais recente e alcançar a neutralidade fiscal. Isso significa não alterar a quantidade de tributos que a empresa paga em cada setor, por exemplo, o corretor de imóveis, o dentista, o contador, etc.

“Não está havendo essa preocupação por parte dos formuladores da política pública. Essa neutralidade fiscal não está existindo e isso é prejudicial porque gera incerteza no país. Como muitos pequenos empreendimentos podem vir a ser impactados de forma negativa, acredita-se que poderá haver um aumento de arrecadação por parte do governo, ou seja, o país passará a pagar mais tributos, preços poderão ficar mais caros, pessoas poderão consumir menos e tudo mais”.

Além disso, pontua que a proposta da reforma foi aprovada por questões puramente políticas e que os seus formuladores estão “a ver navios”. Assim, Estados terão direito de criar contribuições novas com a ideia de unificar tributos.

Unificação de tributos

Um dos principais pontos levantados pela reforma tributária é a unificação de tributos. Segundo o economista, alguns desses tributos federais, como PIS, Cofins e IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) estão sendo mesclados em um único tributo “Imposto de Valor Agregado Federal”, enquanto o Imposto Sobre Serviço e Imposto Sobre Circulação de Mercadoria e Serviços se tornarão Imposto de Valor Agregado Municipal Estadual.

O ponto positivo é justamente a condensação dos tributos, porém, as alíquotas são de 25%, significativamente mais elevada do que empresas comerciais e de serviço pagam.

“Pode comparar que uma empresa comercial hoje paga 6%, uma empresa de serviço paga 10% sobre imposto efetivo de sobre faturamento, então são diferenças significativas. A de 25% propiciará o aproveitamento de crédito, mas também está aumentando a carga que a empresa pagará”.

Ainda segundo o economista, a reforma foi pensada para equiparar a economia de 200 países, no entanto, o alíquota de 25% será a maior do mundo, uma vez que na Arábia Saudita é de 5% e Europa de 10% a 15%.

“A reforma é boa por um lado, mas na prática a gente vai ter a maior alíquota do mundo, sendo que a nossa prestação é similar à da África Subsaariana, então como que pode fazer uma reforma que pode aumentar mais a carga tributária e prejudicar a maior parte do negócio?”

Impactos no agronegócio de Mato Grosso do Sul

Questionado sobre os principais impactos da reforma no Estado, Renato defende que o segmento da prestação de serviço pode vir a ser afetado, bem como o comércio, mas numa menor quantidade.

Isso porque a pequena empresa não teme grande quantidade de prestação de serviço, uma vez que tem os próprios funcionários. Então, não haverá crédito ao cálculo do valor agregado. “A pequena empresa de serviço vai sofrer mais do que a pequena empresa de comércio”.

Enquanto isso, no setor de agronegócio, o cálculo do tributo do produtor rural é feito na pessoa física. No entanto, Renato alerta ser difícil mensurar o impacto no setor caso o regime especial da tributação seja perdida, uma tendência da proposta.

“O produtor rural terá aumento de carga tributária muito grande na medida que pode ser até dobrada. Hoje ele paga seu tributo na pessoa física podendo apropriar muitos créditos, taxa é de 5%, uma das melhores do país. Se o regime especial acabar, o produtor rural vai sofrer”.

Cesta básica e demais produtos

Uma das principais expectativas é quanto ao valor dos produtos que compõem a cesta básica. Segundo a Câmara dos Deputados, é a isenção do IBS e da CBS sobre os produtos de uma cesta básica nacional de alimentos, a ser definida em lei complementar.

Além desta isenção, o texto prevê outras, de 100% ou 60% das alíquotas, contanto que aquelas aplicadas aos demais produtos sejam aumentadas para reequilibrar a arrecadação da esfera federativa (federal, estadual/distrital ou municipal/distrital).

“Entre os setores contemplados estão serviços de educação e saúde, medicamentos e equipamentos médicos, transporte coletivo de passageiros, insumos agropecuários, produções artísticas e culturais e alimentos destinados ao consumo humano. Uma lei complementar definirá quais os tipos de serviços ou de bens desses setores serão beneficiados”, informa a Câmara dos Deputados.

No entanto, o economista alega que a reforma ainda está muito incerta sobre como ficarão os produtos ao consumidor final e adequações ainda serão definidas. No entanto, Renato reforça que os produtos da cesta básica já são todos beneficiados com alíquotas reduzidas, principalmente em tributos federais. Devido às alterações citadas acima, produtores estão preocupados que preços de produção possam aumentar e isso afetar no consumo final. “Empresário não engole prejuízo”.

“Não há uma sinalização clara do que vai acontecer com a cesta básica, porém, existe a possibilidade que os itens entrem no regime especial, o que é um ponto que não está claro no texto da reforma. Não está descartada a possibilidade dessa reforma vir disciplinar regimes especiais”, explica o economista.

Então, podem existir dois cenários: o encarecimento de produtos provenientes de pequenos produtores e comerciantes e o barateamento dos produtos vindos de grandes indústrias de alimentos. Isso porque as últimas vão trabalhar com muitos créditos e têm benefícios na carga tributária. Então, alguns produtos podem ter os preços reduzidos no mercado.

No entanto, Renato alerta que detalhes ainda serão debatidos no âmbito federal. O mesmo observado para setores da economia, como medicamentos e gasolina. No entanto, ele acredita que o setor mobiliário pode vir a ser afetado negativamente.

“Os corretores de imóveis que trabalham em regime de lucro presumido acumulativo que, se acabar, acarretará num aumento de carga. Todo o prestador de serviço vai sofrer um grande aumento de carga tributária, como imobiliárias, corretoras, prestadoras de serviço em geral”.

Simples Nacional pode acabar?

Segundo o economista, um dos pontos positivos da reforma tributária é que o Simples Nacional não será extinto. Então, a tendência é que quem está nele não vai sofrer danos. Porém, existe a tendência das grandes empresas que necessitem de crédito migrem do Simples Nacional para o regime normal, o que pode resultar no aumento de carga tributária.

“Aparentemente essa reforma foi pensada para ser neutra, para não aumentar cargas, mas na prática do país vai implicar em outras coisas. As premissas formuladas são falhas que não levam em consideração a complexidade que nossa legislação possui”.

Além disso, a reforma não abrange INSS, FGTS e Imposto de Renda. Então, para a população, nada irá mudar nesse sentido. No entanto, a reforma pode acarretar demissões no país por causa da folha de crédito, como pontuado anteriormente.

“Como os salários não trarão direito para a empresa apropriar créditos tributários, pode ser que empresas prestadoras de serviço se tornem inviáveis, podendo haver demissões no país. A mudança da reforma faz com que as empresas precisem de crédito e se a folha de pagamento não traz crédito, então é possível que o negócio se torne inviável e leve a demissões, o que é preocupante”.

A “cereja do bolo”

Ainda na opinião do especialista, um ponto que não é postulado na reforma tributária, mas que pode vir junto a ela, é a tributação sobre lucro de dividendos, tema polêmico que já vem sendo discutido nas reuniões políticas. Isso porque atualmente a tributação de dividendos no país é isenta de imposto.

Se a cobrança vier depois da reforma, o economista estima que os negócios do Brasil perderão a lucratividade e rentabilidade porque, aparentemente, pode ser cobrada em 10%. “Não está na reforma do país, mas está engatilhada, é um combo. O próximo passo vai ser a tributação do lucro dos dividendos”, conclui o especialista.

Diante da proposta da reforma, o Jornal Midiamax também foi atrás de especialistas do município de Campo Grande e do Estado para opinarem sobre as medidas. A reportagem chegou a marcar entrevista com a Sefin (Secretaria Municipal de Finanças), mas foi cancelada por incompatibilidade de agenda. Perguntas enviadas por e-mail e WhatsApp não foram respondidas até o fechamento desta reportagem.

As secretarias de Estado de Fazenda e de Gestão também foram procuradas, no entanto, o retorno não foi dado. A equipe de reportagem reforça que espaço segue aberto para todas as entidades se manifestarem caso haja o respectivo interesse.

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