A pandemia do novo coronavírus causou efeito cascata na economia e, principalmente, nas finanças de muitos brasileiros. Queda na renda e até desemprego estão entre as consequências, e com isso, ocorre a inadimplência das parcelas de financiamento de veículos – um problema extremamente comum, mas que aumenta em períodos de crise.

O financiamento de veículos no Brasil é um dos investimentos mais caros no cenário econômico. Juros altos e multas pesadas em caso de inadimplência fazem um veículo de R$ 25 mil custar até R$ 46 mil no final da conta. Por isso, muita gente não consegue pagar, ainda mais durante uma pandemia que afeta o bolso.

Uma das consequências da inadimplência de um veículo financiado é a busca e apreensão do bem. Também há quem tente devolvê-lo ao banco financiador, “desistindo” do negócio e amargando um pesado prejuízo. Chegar até esse ponto, no entanto, pode ser evitado se o devedor analisar alternativas nem sempre tão óbvias.

Compra por impulso

Conforme a especialista em educação e planejamento financeiro pessoal Andreia Saragoça, muitas pessoas compram um bem por impulso, sem avaliar como pagar ou renegociar um dívida, caso não consiga arcar com o parcelamento. Segundo ela, a situação é corriqueira principalmente porque não há incentivo na educação financeira pessoal nas escolas.

“No mundo ideal das finanças pessoais, para comprarmos qualquer coisa, temos que nos planejar antes, sabendo o que se quer comprar, o valor e o tempo que precisa para juntar o dinheiro para essa compra, guardando parte desse valor, mensalmente, no entanto, sabemos que a maioria de nós não conseguimos fazer dessa forma, pelo simples fato de não saber fazer”, disse.

Ela explica que quando um bem é comprado a prazo, o consumidor está comprometendo sua renda futura. Outro ponto, é que um financiamento deve ser alinhado com despesas diárias, como alimentação e contas fixas de água e luz.

“Podemos começar com o exercício de conhecer nossos hábitos de consumo, por meio de anotações diárias dos gastos e, paralelamente a essas anotações, fazermos uma relação das nossas receitas e despesas mensais, que é o nosso orçamento. Com essas informações, conseguimos dar uma direção para a nossa vida financeira, sabendo o que podemos ou não fazer e quando pode ser feito”.

O risco de não pagar

Deixar de pagar as parcelas do financiamento gera aumento da dívida, com incidência de juros e multas. Uma verdadeira bola de neve que faz ser quase que impossível o bem ser quitado. É quando começam as cobranças: em alguns dias, a instituição entra em contato com o cliente para cobrar, e pode inserir o nome do devedor no SPC (Serviço de Proteção ao Crédito), e até apreensão do veículo são possíveis em caso de inadimplência.

O advogado Leandro Provenzano, especialista em Direito do Consumidor, explica que o financiamento é um empréstimo que bancos e financeiras fazem para consumidores, cuja garantia pelo pagamento é o próprio bem adquirido.

“As financeiras não estão preocupadas com a devolução dos carros pelos clientes, pois o lucro delas vai aumentar, uma vez que com o leilão do carro elas vão pegar o saldo devedor e muito mais. Já para o consumidor, não é vantajoso devolver, pois o prejuízo será muito grande. A única preocupação das financeiras é que se o mercado enfraquecer muito, os veículos podem ser arrematados por lances mais baixo, o que eu não acredito muito, porque nem todos que arrematam veículos de leilões estão em crise”, disse.

Devolução amigável?

Uma das opções de encerrar o débito é devolver o veículo de forma amigável, que é quando o consumidor entrega a própria garantia para o banco para que, em troca, ele quite ou reduza a dívida. Assim, em tese, ele evitaria as inúmeras cobranças do banco, nome sujo e uma dívida que só aumenta, além do constrangimento que é sofrer uma ação de busca e apreensão de veículo.

“Com absoluta certeza o consumidor terá prejuízos imensos, porque perderá tudo que já pagou, e ainda não terá seu veículo, como o que ocorre na maioria das vezes. Há casos de consumidores que não podem perder o veículo, como no caso de motoristas de aplicativos, que retiram seu sustento dele”, explica o advogado.

Há também os que fazem uma autotutela para não perder o dinheiro já pago, nem o veículo. “Muitos destes consumidores acabam por conseguir uma proposta de acordo vantajosa para quitação da dívida, o que ocorre porque, para o banco, restará evidente o risco do prejuízo financeiro, porque a garantia está em local incerto e não sabido. Este é o lado obscuro das negociações bancárias”, disse.

Posso vender e “passar para frente” o financiamento?

O advogado explica que o cliente só pode vender o carro financiado se o débito estiver quitado, pois o carro pertence a financeira. “Ele só pode vender com o débito quitado do contrato, e ainda assim, fazer transferência ao novo gravame. Uma alternativa, por exemplo, se a dívida for R$ 20 mil, ele vende o carro por R$ 30 mil, faz um contrato de gaveta, e quita o débito com a instituição. Além disso, tudo feito com o consentimento da financeira”.

Outra opção é ajuizar uma ação para revisar o contrato. O consumidor deve contratar um advogado para abrir uma demanda judicial e pedir a revisão do contrato, desde que o cliente se sinta lesado com irregularidades, como cobrança abusiva de taxas. Esta ação jamais deve ser solicitada para tentar suspender as parcelas.

Tente renegociar

Outra saída é tentar negociar o valor com a própria instituição financeira. O cliente pode entrar em contato com a central de atendimento ao consumidor da financeira e pedir a renegociação de dívida.