Marcas 100% MS mostram força da produção local e se tornam as preferidas 

 

 

 

Do Sul !!! Normalmente a expressão é usada para corrigir os desavisados que confundem Mato Grosso do Sul com o estado vizinho Mato Grosso, separados há quase quatro décadas. Com o passar do tempo a população se apropriou cada vez mais do termo que recentemente ganhou outra conotação: o orgulho do que é da terra. Tais como: o sertanejo e chamamé, as belezas naturais como o Pantanal, além de hábitos e sabores como a roda de tereré, churrasco, sobá, sopa paraguaia, chipa, sorvete. Sorvete?! Sim, a guloseima fabricada por aqui já está entre os alimentos preferidos dos sul-mato-grossenses. 

Um levantamento feito pelo Instituto de Ipems (Pesquisa de Mato Grosso do Sul), com público de todas as classes, mostra que entre as cinco primeiras marcas de sorvetes mais consumidas no estado, três são de produção 100% sul-mato-grossense. São elas: Dale, Jeito Frio e Pluma, todas de
“Estamos há oito anos no mercado. Para a gente é muito prazeroso receber uma resposta dessas por parte do consumidor. Foi uma surpresa vermos nossa empresa no topo, pois há marcas multinacionais muito fortes no mercado. Entre preço e qualidade, a qualidade é que se destaca e isso mostra que ter um leite tipo A de produção própria, a fruta in natura, a não utilização de gorduras trans fazem com que as pessoas optem por nosso produto. Outra coisa é que somos genuínos, geramos empregos e temos uma ligação muito forte com nossos funcionários”, salienta Ana Paula Debiazi, 34, gerente administrativo da Dale.

Um dos pioneiros no estado, Camilo Prasnievski, 49, acredita que apostar, ainda hoje, no preparo de forma artesanal com maior densidade na massa é que o credencia como um dos preferidos. “Produzimos em menor escala, no entanto utilizamos matéria prima e mão de obra de primeira classe. Não tenho dúvida que meu quadro de sorveteiros é um dos melhores do estado. Prezo muito pela manutenção dessa credibilidade. É uma satisfação quando a vigilância passa aqui e pesa nosso pote de dois litros e vê que contêm em média 100 gramas a mais que o mínimo permitido em lei. Isso faz toda a diferença”. 

Para Valdir Bay, 61, proprietário da Jeito Frio, empresa que está no mercado há 22 anos, o produto regional não perde em nada para as marcas multinacionais. Isso se deve aos cuidados no processo de fabricação, gestão e a escolha dos melhores ingredientes. “Nosso ramo evoluiu muito e hoje não devemos nada em qualidade para qualquer outra marca. O mercado nacional está crescendo e esses atributos, como o controle de qualidade, das fábricas locais ajudam a impulsionar”, ressalta.

O setor gera 75 mil empregos diretos, 200 mil indiretos e tem faturamento anual acima de R$ 12 bilhões. Em média, cada brasileiro consome 6,4 quilos de sorvete anualmente. Há 10 anos, esse número não passava de 3,8 quilos por pessoa. No consumo mundial o país se encontra na sexta posição, ficando atrás apenas de Estados Unidos, China, Rússia, Japão e Alemanha, respectivamente. 
Economia derrete, chances aumentam

De acordo com a Abis (Associação Brasileira das Indústrias e do Setor de Sorvetes), no ano passado o consumo de sorvetes teve uma ligeira queda passando de 1,1 bilhões de litros, contra 1,3 bilhões em 2014. Atualmente o setor conta com oito mil empresas ligadas à produção e comercialização de sorvete. Dessas, 90% são de micro e pequenas empresas, perfil das fábricas locais, que neste momento aproveitam a atual conjuntura econômica e se sobressaem.
“Uma crise também revela aspectos positivos. Primeiro porque o dinheiro muda de mãos e as empresas de menor porte sentem menos o impacto econômico. O espaço que conseguem hoje não teriam com um cenário positivo. Acredito que é uma oportunidade no momento e que mais à frente beneficie a todos, pois a previsão é que o cenário se mantenha estável até o ano que vem e em 2018 volte a ter crescimento”, explica Sandro Luiz Mendonça, 45, presidente do Siams (Sindicato das Indústrias da Alimentação do Estado de Mato Grosso do Sul). 

É o caso da Dale que cresce a um ritmo de 20% ao ano em relação aos pontos de vendas. “Diretamente a crise não afeta a fábrica porque os pontos que reduziram as compras como os pequenos comércios nós transferimos para o interior. Hoje contamos com quase três mil revendas na capital e queremos aumentar em todo o estado”, salienta Debiazi.

Já a Jeito Frio anuncia investimentos de cerca de R$ 5 milhões para os próximos cinco anos, incluindo a construção de sua nova sede. “Por conta do nosso método de gestão, sempre com os pés no chão, conseguimos fazer uma reserva. Com isso, já adquirimos o terreno e esperamos dobrar nossa produção no novo endereço”, revela a gerente comercial, Allana Bay.(Midiamax/Cleber Gellio)

Litros de oportunidades
Se comparado a outros setores da indústria sul-mato-grossense o setor de sorvetes é relativamente novo e está em plena expansão. A engenheira química Agnes Marcante Peixoto de apenas 23 anos é testemunha desse avanço.  Natural de Jardim, há um ano e três meses, se mudou para Campo Grande onde agarrou a oportunidade de exercer a profissão que escolheu. “Nunca imaginei trabalhar em uma fábrica de sorvete, pois na minha área é mais comum no segmento de carnes e derivados. Estou muito feliz aqui porque consigo colocar em prática minha visão profissional mesmo com pouco tempo de formada”.

Outro que não ‘dormiu no ponto’ foi o técnico em manutenção Rogério Vicente, 34. Há dez meses teve um voto de confiança na linha de produção sem nem mesmo antes ter pisado num chão de fábrica desse setor. Não demorou muito para se efetivar e ganhar promoção. Hoje é um dos responsáveis por manter os produtos no comércio sempre na temperatura ideal. “Faço a manutenção dos refrigeradores. Aqui tive a oportunidade, além do emprego, de conhecer a cidade toda e ainda expandir meus conhecimentos. Hoje tenho uma relação mais próxima com os clientes porque melhorei meu desempenho, principalmente a comunicação”, relata.

(Midiamax/Cleber Gellio)

Potes de experiência 
Robson, Ricardo, Anderson e Marcos. Esse é um quarteto que se orgulha em dizer que a atual formação da produção artesanal do estado conta com os mais antigos profissionais do segmento. Embora com pouca idade, os integrantes do grupo já passaram pelas principais fábricas em atividade. “Estou nessa área faz quase quinze anos. Fui o primeiro funcionário de umas das maiores fábricas que temos hoje e isso me orgulha. Vendi muita casquinha lá em frente ao Tênis Clube antes de assumir o maquinário. Hoje sei todo o processo de fabricação”, conta Robson Rodrigo dos Santos, 32.

No mesmo local trabalhava Júlio Rodrigues, na época com 16 anos. O guri cresceu, não só em tamanho, mas também profissionalmente. Agora aos 27 anos é chefe de produção. “Comecei lavando baldes nos fundos de um quartinho da até então microempresa que funcionava na própria casa do dono. Foi minha primeira experiência. Daí, já com a fábrica ampliada, num certo verão precisou de reforço e fui chamado para ser auxiliar de produção, na verdade fazia de tudo, desde tampar os potes, rotular, embalar, separar pedidos. Sempre tentando aprender ao máximo as funções para ajudar a empresa a crescer. Toda dificuldade que havia eu tentava ajudar porque sabia que ia ser reconhecido um dia”. 
Marcos lembra que se desesperava ao montar e desmontar o maquinário para limpeza ao final do expediente. “Perdi as contas de quantas vezes tive que abrir a máquina que já estava completa para funcionar porque sobrava uma peça, é cada ‘molinha’ danada. Hoje faço de olhos fechados”, brinca.

Provavelmente o maquinário utilizado por Marcos durante anos, foi substituído ou terá de ser adequado por conta da norma de segurança no trabalho, a NR12, um dos maiores empecilhos do setor que pede a suspensão da medida, conforme informou a assessoria de comunicação da Fiems (Federação das Indústrias de Mato Grosso do Sul).  “Essa pauta também é muito importante por que a quantidade de normas regulamentadoras é muito grande hoje em dia e isso é prejudicial para a atividade empresarial. Elas são criadas conforme os entendimentos do Ministério (do Trabalho), sem discussão sobre o tema. Especificamente a NR 12, porque torna ainda mais burocrática, cara e inviável à atividade industrial”, explicou o presidente da entidade, Sérgio Longen, durante encontro com o presidente da República, Michel Temer.

(Midiamax/Cleber Gellio)

Carrinhos de criatividade
Bastou uma casquinha de espaço no mercado para o empresário José Nilton Gaioso, 52, ocupar seu lugar. Em junho do ano passado, em parceria com uma das fábricas locais, abriu o que ele próprio denomina de ‘atacarejo’, um supermercado de sorvetes. O modelo visa atender o varejo e pequenos comerciantes delimitando a quantia. “A ideia proporcionar atendimento em horário flexível com produtos a preço de fábrica. Por exemplo, à noite ou num feriado a fábrica não está aberta, aqui sim. No atacado os valores ficam entre 15% e 30% mais baratos em relação ao preço de varejo”. 

Para se diferenciar, Gaioso criou kits onde a pessoa levar para casa tudo o que precisa como se estivesse na sorveteria. “Comprando as caixas de 6 litros a pessoa leva mais 20 casquinhas e cobertura. Isso surge para acabar com aquela história de sentar em uma sorveteria, comer pouco e gastar muito”, explica.
Ao contrário, Prasnievski afirma que os tempos áureos das sorveterias estão de volta e que o consumo dos clássicos servidos em taças ainda perdura. “Até por conta do dia-a-dia corrido, as pessoas querem passear e se confraternizar num ambiente aconchegante, e esse local pode ser uma sorveteria. Na época da Cassimba, por exemplo, não existia a cobertura como temos hoje, então usávamos a groselha e era uma delícia. A decoração como nossas mesas, os sabores clássicos de sorvete massa como ameixa, abacaxi, flocos, além dos tipos que jamais saíram de moda como sundae, banana split e a moreninha, uma das preferidas. Tudo isso cria esse universo prazeroso”.  

 (Midiamax/Cleber Gellio)

Congelando a história

Parece ser regra que boas histórias de sucesso venham acompanhadas de superação. Nos casos dos três empresários entrevistados pelo Jornal Midiamax traumas e perseverança marcam suas trajetórias de vida. 
Sandro Luis Boeri, 41, em sociedade com o irmão Ademir, criou a Dale após o comércio onde vendiam pamonhas pegar fogo. Foi então que eles tiveram a ideia de empreender em outra área. Na época, em visita a outros estados conheceram os chamados copões de sorvete que eram vendidos no valor de R$1,00. Trouxeram a modelo para cá e não pararam mais.    

Por sua vez, antes da Jeito Frio, Valdir teve que gastar muita sola de sapato para chegar onde está hoje. Crise para ele é ‘fichinha’, pois levou um ‘tombo’ na Era Collor e teve que recomeçar. “Vendia chinelos, mas não deu certo. Tentei também no setor de combustíveis, fui à falência por conta do governo. Daí é que veio o sorvete na minha vida. Montei na minha própria casa, com uma ‘maquininha’ antiga, uma minifábrica que é a mesma que todos conhecem hoje”, relata Bay, com voz embargada.     

Espaço apertado também faz parte da memória do paranaense Camilo, que quando chegou há 26 anos com uma mão na frente outra atrás, fazia dos utensílios de trabalho o próprio travesseiro. “Eu pagava aluguel em pequeno salão onde montei a fábrica que também era onde eu morava. O que divida a produção da minha residência era um lençol de cama. Após três anos é que as coisas começaram a deslanchar e ganhar forma até virar a Pluma”.

No calor da crise, fábricas locais de sorvete põem a mão na massa e driblam dificuldades