Com ‘empurrão’ da classe C, smartphones tomam 90% do mercado

​Vendas de celulares comuns caíram vertiginosamente em apenas três anos

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​Vendas de celulares comuns caíram vertiginosamente em apenas três anos

Maria da Graça Tostes sentiu-se excluída das novidades da vida de suas amigas. A comerciante fluminense, de 67 anos, tinha um celular simples, que só mandava mensagem e fazia ligações. Sem computador em casa, nunca podia ver as fotos de viagem de sua professora de hidroginástica em uma rede social. Ou as do casamento da filha de uma conhecida, compartilhadas em um grupo de mensagens instantâneas.

“A maioria das pessoas tinha um smartphone e eu, não. Ficava mal com isso”, diz a comerciante. Ela trocou de aparelho há três meses. “Meu genro diz que minha vida mudou depois de comprar um smartphone. Uso para saber que caminho pegar ao dirigir, reencontrei amigos de infância no Facebook e falo com muita gente o dia todo pelo ‘zapzap’. É muito bom, porque moro sozinha. O celular ajuda a distrair”.

No último ano, muitos brasileiros fizeram o mesmo que Maria da Graça. E este movimento, apesar de esperado, foi sem precedentes. Em fevereiro passado, as vendas de celulares comuns caíram 78% em relação ao mesmo mês de 2014, diminuindo de 2,2 milhões para 495 mil aparelhos.

‘Faz-tudo’ 
Em março, a queda foi ainda maior: 79%, o maior índice já registrado pela consultoria IDC, que acompanha o mercado de tecnologia.

Esta mudança no mercado começou há dois anos. Em 2012, os celulares comuns representavam 73% das vendas. No ano seguinte, porém, os smartphones começaram a se popularizar e suas vendas mais do que dobraram, ao aumentarem 120%.

Hoje, os celulares comuns respondem por meros 9% do mercado, e deverão cair para 7% no próximo ano, segundo a IDC.

Com isso, os dois tipos de aparelhos inverteram de papéis. O celular comum deixou de ser o padrão para se tornar um nicho, e o smartphone saiu do nicho para virar praticamente o mercado inteiro.

“O smartphone é cada vez mais sinônimo de celular”, diz Carlos Affonso Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS-Rio). “Ter um deixou de ser um privilégio. Passou a ser um item de comunicação de primeira necessidade”.

Um smartphone tem muitas vantagens sobre um celular comum. É mais potente, tem uma tela maior e de melhor resolução, conecta-se à internet e funciona como um computador de mão ao permitir a instalação de aplicativos – programas que cumprem uma imensa variedade de tarefas.

“Ganhei um da minha namorada há cinco meses, e uso para tudo”, disse o leitor Anderson Abrantes, na página da BBC Brasil no Facebook. “Estudo, leio a Bíblia e livros, escuto música, assisto a séries e vídeos no YouTube, digitalizo documentos e até uso como lanterna para andar em casa à noite”.

Mas, apesar de tantos atrativos, possuir um destes aparelhos ainda era algo restrito a poucos há até pouco tempo, porque custava muito caro.

Uma queda vertiginosa nos preços, em parte impulsionada pela isenção de impostos concedida pelo governo federal a smartphones fabricados no Brasil, bem como a aposta das grandes redes de varejo, mudaram este cenário.

Mais texto, menos voz 
Antes, o modelo mais barato custava cerca de R$700 e só podia ser comprado por meio das operadoras de telefonia. Hoje, sai por R$350, e pode ser encontrado em qualquer loja com um departamento de eletrônicos. E com preço parcelado em até 30 vezes sem juros.

“Com a facilidade de pagamento, a diferença entre a parcela de um smartphone e um celular comum quase desaparece, e os consumidores optam por um aparelho mais sofisticado”, diz o analista Leonardo Munin, da IDC.

“Além disso, fabricantes criaram modelos que atendem algumas especificidades do mercado brasileiro, como ter entrada para dois chips, algo que tem muita demanda por aqui, porque é comum as pessoas terem linhas de diferentes operadoras para economizar na ligação. Tudo isso fez com que a Classe C comprasse smartphones em peso”.

De acordo com uma pesquisa do Google feita pelo instituto Data Popular, 47% dos brasileiros que integram esta faixa de renda já possuem um smartphone, sua principal forma de acesso à internet.

Nas classes A e B, este índice é de 77% e 60% respectivamente.

Extinção? 
Isso vem mudando a vida dos brasileiros. Usa-se cada vez menos o celular para falar, algo substituído pelo envio de mensagens de texto ou voz por meio de aplicativos, como WhatsApp, Line, Viber e Messenger. Alguns programas deste tipo já começam a oferecer ligações gratuitas.

“Minha mãe comprou seu primeiro smartphone neste ano. Usa mais WhatsApp em um dia do que eu em um mês”, afirma o leitor da BBC Oscar Scheepstra.

Em muitas partes do país onde os cabos de internet não chegam, o smartphone também representa a única chance de se navegar na rede, por meio das antenas instaladas por operadoras. Isto é particularmente forte na região Norte, onde 75,4% das residências se conectam pelo celular, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE.

“Estamos vendo acontecer com o celular o mesmo que ocorreu com o computador há dez anos, quando passamos a considerar que faltava algo essencial em um PC sem conexão à internet”, afirma Souza, do ITS-Rio. “Hoje, um celular mais simples parece ficar muito aquém das possibilidades oferecidas por um smartphone.”

No entanto, o celular tradicional dificilmente desaparecerá completamente do mercado, segundo especialistas ouvidos pela BBC Brasil. “Não vai deixar de existir, mas será um mercado ainda mais de nicho do que é hoje, dominado por empresas, que precisam de celulares mais simples para dar a funcionários de baixo escalão”, afirma Munin, do IDC. “Também pode substituir o telefone fixo, principalmente nas regiões rurais”.

Souza concorda que as vendas deste tipo de aparelho nos próximos anos serão quase insignificantes: “O casamento entre telefonia e internet veio para ficar”.

 

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