Se o principal gargalo logístico do setor de grãos no primeiro semestre foi o transporte, incluindo congestionamentos nos portos, na segunda metade do ano o problema não terá uma dimensão menor, mas um nome diferente: armazenagem.

A avaliação é de empresários e representantes do setor produtivo que participaram de um evento de logística em São Paulo, nesta sexta-feira.

O Brasil acaba de colher uma safra recorde de 81,2 milhões de toneladas de soja, embarcou nos primeiros cinco meses do ano quase 20 milhões de toneladas, mas ainda restam 15 milhões de toneladas da oleaginosa para serem exportados ao longo dos próximos meses.

E, com o início da colheita da segunda safra de milho –com um volume histórico estimado em 43,6 milhões de toneladas, o dobro de dois anos atrás–, novos desafios logísticos e de infraestrutura são colocados aos integrantes do agronegócio.

Se o Brasil não tem capacidade logística para armazenar e movimentar rapidamente sucessivas safras recordes no verão, estará ainda mais pressionado no final de 2013 após três semestres consecutivos de produção exuberante.

“É uma corrida atrás da outra”, disse Luiz Lourenço, presidente da Cocamar, uma das maiores cooperativas agrícolas do Paraná, com sede em Maringá.

Os esforços que a equipes comercial e de logística da instituição farão nos próximos meses exemplifica o que acontece no país.

Nos silos da cooperativa, que têm capacidade estática de 1 milhão de toneladas, ainda há 600 mil toneladas de soja que os produtores preferiram não vender, à espera de um salto nos preços como ocorreu no segundo semestre de 2012, após uma quebra na safra dos EUA devido a uma forte seca.

Nas próximas semanas começará a colheita do milho de segunda safra na região, e o presidente da Cocamar espera que a cooperativa receba 700 mil toneladas do cereal.

“Essa é a encrenca. Você tem a superposição. (…) Uma parte do milho está tranquilo. A outra parte vai ter que dar outra destinação, arranjar um parceiro, entregar para ele, fixar (preços) depois. Não é o processo ideal.”

Se no Paraná a cooperativa pode recorrer a outros proprietários de silos, a sorte não é a mesma em Mato Grosso, Estado líder na produção do milho segunda safra.

“Temos que armazenar esse produto, que vai ter mais do que a gente esperava, em ‘silo bag’. Não tem alternativa!”, afirmou o diretor-executivo do Movimento Pró-Logística, organizado por entidades representativas de produtores de Mato Grosso, Edeon Vaz Ferreira.

Ele projeta um maior uso dos chamados “silos-bolsa”, grandes bolsas plásticas nas quais os grãos são depositados em áreas externas, mas mais protegidos da umidade da chuva. Mesmo assim, em locais menos úmidos ainda poderá haver estocagem a céu aberto.

“Vamos ver também montanhas de milho ao ar livre. Isso vai acabar acontecendo”, disse Ferreira.

O executivo calcula que a necessidade atual de estocagem em Mato Grosso seja de 48,2 milhões de toneladas de grãos, contra uma capacidade existente de 28,7 milhões. E ele estima que o déficit atual, de cerca de 19,4 milhões de toneladas, triplique na próxima década, caso não ocorram investimentos no setor.

ALÍVIO NO MÉDIO PRAZO

O governo federal lançou uma linha de financiamento com recursos de 25 bilhões de reais a serem oferecidos ao longo dos próximos cinco anos com juros abaixo do mercado, na expectativa de incentivar o setor privado a investir em armazenagem.

Apesar do potencial de estimular o crescimento da capacidade brasileira de armazenagem, os resultados aparecerão a médio prazo, alertam os especialistas.

“Não há o que fazer nos próximos cinco anos”, afirmou o conselheiro do Instituto de Engenharia de São Paulo Renato Pavan, com décadas de experiência no setor de logística do agronegócio.

PREÇOS

A safra norte-americana de milho está em fase final de plantio e o mercado ainda especula se haverá alguma quebra, já que, ao contrário da seca de 2012, este ano o período começou com chuvas excessivas.

No Brasil, os produtores estão de olho nos prognósticos. Se for confirmada a expectativa de uma boa colheita, haverá menos demanda internacional pelo milho brasileiro no segundo semestre, reduzindo a pressão sobre o transporte (frete e portos), mas derrubando os preços no mercado interno.

“Não existe pressão para o escoamento do milho. Ele vai ser conduzido (na armazenagem) até novembro, dezembro… Vai pressionar os preços”, acredita Ferreira, do Movimento Pró-Logística.

O maior volume de milho mato-grossense no Brasil preocupa o presidente da Cocamar.

“Por que temos tanto interesse na logística do Norte? Ele (produtor do Centro-Oeste) acaba tendo que dirigir a produção dele para o Sul e concorre com a gente”, comentou Lourenço.

Na BM&FBovespa, os contratos de milho com vencimento em setembro estão 1,10 real mais baratos que o milho a ser entregue em julho.

SOLUÇÕES EMERGENCIAIS

Para as cargas de soja e de milho que forem ser exportadas nos próximos meses, permanecerá o desafio da capacidade de movimentação nos portos brasileiros.

“Para o segundo semestre vamos ter gargalos, gargalos e gargalos. Vamos ter as famosas filas quilométricas em Paranaguá, que são recorrentes todo ano. Agora a novidade são as filas em Santos. A fila em Paranaguá existe, só que não está mais na estrada (está dentro do pátio de triagem)”, avaliou Olivier Girardi, sócio da Macrologística Consultoria, contratado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) para mapear os projetos prioritários em transportes no país.

Já que os investimentos em terminais começarão a se concretizar, por ora o especialista sugere mais coordenação entre as autoridades para a liberação de cargas nos portos.

“Se a gente pudesse fazer uma convergência dos sistemas da Receita Federal, Anvisa, Polícia Federal, se você tivesse um único banco de dados onde imputasse (inserisse) os dados apenas uma vez… já seria uma grande ajuda”, sugeriu.

Uma estimativa apresentada pelo Ministério da Agricultura durante um congresso de logística nesta sexta-feira em São Paulo aponta que na safra 2022/23 o Brasil deverá colher até 113 milhões de toneladas de milho, contra cerca de 78 milhões atualmente, e 151 milhões de toneladas de soja, ante 81 milhões na presente temporada.

Com este cenário de pujança no campo e defasagem na capacidade de armazenagem e escoamento, o presidente da Associação Brasileira do Agronegócio, Luiz Carlos Carvalho resumiu o sentimento de produtores e empresas.

“A gente está numa fase em que precisa de uma revolução. Fizemos uma revolução verde na agricultura. Precisamos de uma revolução na logística.”