O leite está mais caro e muitos consumidores estão mudando os hábitos de consumo, abolindo o produto diante de altas sucessivas nos preços. Não é para menos, principalmente porque de janeiro a junho o litro do leite longa vida — aquele com caixinha de um litro — valorizou-se em 14,5%, segundo cálculos do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), contidos no IPCA-15 (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15), divulgado semana passada. Em , os preços oscilam entre R$ 5,90 e R$ 8,90.

O Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), pertencente à Esalq (Escola Superior de Luiz de Queiroz), da USP (Universidade de ), também confirma esta elevação de preços neste mesmo patamar, mas reforça que o preço do leite captado em abril deste ano e pago aos produtores em maio subiu 4,4%, chegando a R$ 2,5444 por litro na chamada “Média Brasil”. Além disso, em relação a maio do ano passado, o aumento é de 11,8%, em termos reais, já com valores deflacionados pelo IPCA de maio deste ano.

E pelas perspectivas do Cepea, os valores pagos em junho aos produtores — que foram 5% mais elevados — vão trazer novos impactos desagradáveis aos consumidores finais dentro dos supermercados espalhados pelo País. A alta do leite é um problema nacional, o que inclui toda a extensão do Estado de Mato Grosso do Sul. Para complicar um pouco mais, em outra pesquisa do Cepea — desta vez em parceria com a OCB (Organização das Cooperativas Brasileiras) — foi verificado que os preços dos derivados lácteos negociados entre indústrias e canais de distribuição seguiram em alta em maio. Isso quer dizer que queijos, manteigas, iogurtes e demais derivados deverão agredir mais o bolso do consumidor.

Na segunda quinzena de maio, com menor captação dos laticínios no campo e a valorização no mercado de leite spot (negociado entre indústrias) voltaram a direcionar o processo de formação dos preços. Com estoques mais enxutos de derivados, as cotações do lácteos voltaram a subir. O quadro geral se torna pior porque — neste quesito — há um saldo negativo na balança comercial, que triplicou de abril para maio, atingindo a cifra de US$ 26,3 milhões, segundo dados da Secex (Secretaria Especial de Comércio Exterior), que fica em e pertence ao Ministério da e Comércio Exterior.

Em volume, também houve aumento no déficit, só que na ordem de 167,2%, com saldo negativo de 53 milhões de litros em equivalentes de leite. Esta quantidade é próxima ao patamar observado em março, pelo Cepea. Já esse resultado é explicado pelo aumento de 51,5% das importações — com o dólar subindo de forma disparada — também e pela queda de 47,2% nas exportações em maio, acrescendo a desvalorização do real diante da moeda norte-americana e do euro.

Mato Groso do Sul registra queda de mais de 40% na produção de leite em uma década

O presidente do Sindicato Rural de Campo Grande, Alessandro Coelho, explica que nos últimos dez anos a produção leiteira de Mato Grosso do Sul não apenas caiu: despencou em mais de 40%, culminando com o fechamento de vários laticínios. “Isso contribui para este aumento de preços que vem sendo verificado pela população. Além disso, estamos entrando no período da entressafra do leite e a realidade do produtor de leite também não é boa, porque ele está recebendo de R$ 2,50 a R$ 2,70 por litro. Como os custos de produção também aumentaram, os produtores sofrem primeiro”, detalhou Alessandro Coelho.

Para o presidente do Sindicato Rural de Campo Grande, faltam incentivos fiscais para este setor e, na esfera nacional, não há linhas de crédito específicas para a pecuária de leite, o que dificulta as chances de queda de preços dos produtos da indústria de laticínios em geral. De acordo com Alessandro Coelho, a pecuária leiteira é uma atividade de baixa rentabilidade.

“O produtor precisa de um recurso que possa pagar em um prazo mais amplo, de cinco a oito anos. A regulamentação para a produção de leite tem um grau de rigidez elevado, o que é positivo para a saúde, mas gera um custo elevado de produção, com a obtenção de equipamentos como ordenha mecânica e um resfriador para disponibilizar o produto com qualidade. O produtor leiteiro não está tendo lucro, e sim um desestímulo”, detalhou Alessandro Coelho.

Na Semagro (Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Desenvolvimento Econômico, Produção e Agricultura Familiar), o Secretário Executivo da Câmara Setorial do Leite, Orlando Serrou Camy, confirmou as palavras de Alessandro Coelho ao deixar claro que a produção caiu, na realidade, 45%. No entanto, ele emendou afirmando que o produtor — após um longo período de aprendizado e sofrimento — se qualificou e já a partir deste ano poderá comprovar um maior nível de produtividade do animal, com cada vaca disponibilizando 1.350 litros de leite por ano.

A produção de leite, que já ultrapassou 300 mil litros de leite, só ano passado superou a barreira de 200 mil litros, pelo fato dos anos anteriores terem registrado um número ainda menor. Hoje, toda a produção de leite do Estado vem de 163 mil cabeças de gado, mas parte dela é escoada para o sul do País.

Leite caro faz população mudar hábitos de consumo e esquecer o produto

O gerente de um supermercado em Campo Grande, Edilson Santos, não se esquivou quando foi perguntado sobre como está o consumo de leite. Ele foi direto ao assunto, afirmando que muitos mercados estão diminuindo a margem de lucro no produto e, quando fazem promoções duradouras, o leite volta a ser bem vendido. “Como consumidor, é óbvio que o produto ficou mais caro e aqui fazemos de tudo para cobrir os preços dos nossos concorrentes”, frisou Edilson Santos.

Entre a população, os hábitos de consumo estão mudando. A funcionária pública Ana Beatriz Falcão, 44, disse que o leite não é um produto inflacionado, e sim hiperinflacionado. Mãe de duas crianças, ela eliminou o leite da dieta dos filhos e disse que eles nem reclamaram. “Em outros tempos existiam crianças que davam trabalho para comer. Hoje em dia, com tudo mais difícil, a hora de comer virou um dos melhores momentos do dia”, disse Beatriz, com bom e concordância dos filhos.

O eletricista Edvaldo Rocha, 60, nem quer saber de leite e dá graças a Deus que seus filhos já cresceram. No entanto, ao pensar nos netos ele não se entristece e diz que o vovô presenteia com outras comidas saborosas. “Não dá para comprar e ponto final. Todo mundo tem que entender e quem quiser vender, que coloque o preço no valor que caiba no bolso do trabalhador”, afirmou Edvaldo. Quem concorda com ele é a autônoma Maria Rosenir Lopes, 38, que aboliu o leite de sua vida e hoje o produto nem entra na lista de supermercado.