Desde a promulgação da Lei do Feminicídio, há dez anos, 81 mulheres foram assassinadas por razões de gênero em Campo Grande. No mesmo período, a Capital registrou 67.316 casos de violência doméstica. Em meio à escalada da violência, mais de 1 milhão de mulheres buscaram atendimento na CMB (Casa da Mulher Brasileira). Os dados fazem parte de um Dossiê Mulher Campo-Grandense divulgado nesta terça-feira (11) pela Prefeitura de Campo Grande.
Entre 2015 a 2024, levantamento contabilizou 1.301.168 atendimentos, considerando os serviços prestados por setor e os encaminhamentos para serviços integrados da rede interna e externa, incluindo Sesau (Secretaria Municipal de Saúde), SAS (Secretaria de Assistência Social), Ceamca (Centro Especializado de Atendimento à Mulher, à Criança e ao Adolescente em Situação de Violência), Casa Abrigo e Imol.
O dossiê também traça o perfil das mulheres atendidas, levando em conta fatores como região de moradia, faixa etária, cor/raça/etnia, escolaridade e faixa de renda, abrangendo o período de 2015 a 2024.
Atendimentos se mantêm estáveis, apesar do aumento da violência
Um dado que chama atenção é que, apesar do aumento da violência na Capital – considerando os 11 casos de femincÍdio do último ano – o total de atendimentos na CMB permaneceu estável entre 2022 e 2024, com uma média anual de 15 mil mulheres atendidas. Esse número inclui tanto novos atendimentos quanto retornos.
No entanto, de 2015 a 2024, o total de atendimentos cresceu 71%, passando de 8.770 para 15.064. Em toda a série histórica, a Casa da Mulher Brasileira registrou 138.330 atendimentos. Além disso, 51.731 mulheres estão cadastradas no sistema Iris, ferramenta que centraliza dados das atendidas e auxilia nos encaminhamentos internos.
Ao cruzar os dados de violência doméstica com a quantidade de atendimentos diretos na CMB, percebe-se que o número de mulheres atendidas é significativamente maior que o total de denúncias formalizadas.
Em 2024, por exemplo, a Casa da Mulher Brasileira contabilizou 15.064 atendimentos e encaminhamentos, enquanto os registros de violência doméstica da Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública) somaram 6.731 casos. Isso significa que o total de atendimentos diretos corresponde a 44,68% dos registros formais da Sejusp.
Além disso, há um contraste entre o volume de atendimentos e o total de medidas protetivas solicitadas. Em Campo Grande, o número de pedidos de MPU (Medidas Protetivas de Urgência) é significativamente menor que o total de atendimentos na Casa da Mulher, o que indica que nem todas as vítimas recorrem a esse recurso.
Em 2022, por exemplo, houve o registro de 15.043 atendimentos, mas apenas 5.360 pedidos de MPU. Já em 2023, os números seguiram a mesma tendência, com 15.018 atendimentos e 5.365 medidas solicitadas. Já em 2024, foram 15.064 atendimentos e 5.285 pedidos de MPU.
Violência tem gênero, raça e classe
Além das barreiras impostas pelo gênero, a violência contra a mulher também perpassa por questões estruturais de raça e classe social. Conforme o levantamento, a maioria das mulheres atendidas na Casa da Mulher em 2024 se declarou parda (62,6%), seguida das brancas (29,3%). Ao somar as pardas e pretas, as mulheres negras representam 68,1% das atendidas.
Além disso, 32 mulheres indígenas buscaram atendimento na Casa da Mulher, sendo que 19 se identificaram como da etnia Terena, uma como Kadiweu e 12 não informaram sua etnia.
A análise interseccional – raça e gênero – dos dados reforça a narrativa de que mulheres negras estão entre as mais vulneráveis às diversas formas de violência, além de enfrentarem mais dificuldades de acesso à justiça e às políticas públicas devido a marcadores sociais de raça e classe, realidade que exige um olhar mais abrangente e políticas específicas para atender às necessidades dessas mulheres.
20% das mulheres atendidas não tinham renda
Outro fator que contribui para a perpetuação da violência é a dependência financeira e emocional. Muitas vezes, isso impede que mulheres rompam o ciclo da violência. Os dados reforçam essa realidade, uma vez que 20% das mulheres que buscaram ajuda na CMB não possuíam nenhuma fonte de renda.
Outras 34,8% declararam receber entre 1 e 3 salários mínimos (R$ 1.518,00 a R$ 4.554,00), enquanto 31,4% afirmaram ganhar mais de meio salário mínimo e 9,3% sobreviviam com apenas meio salário (R$ 759,00).
Faixa etária
Em relação à faixa etária, mulheres de 21 a 30 anos (29,7%) e de 31 a 40 anos (24,8%) são as mais atendidas. Já os menores percentuais estão entre mulheres com mais de 80 anos (0,5%) e menores de 18 anos (3,1%). Ou seja a violência afeta mulheres em diferentes estágios da vida.
Outro dado relevante é que, no momento do atendimento, 199 mulheres informaram estar grávidas, das quais 10 tinham menos de 18 anos. Segundo o dossiê, a gestação é um fator de risco para o agravamento da violência em muitos casos. Além disso, o número de gestantes menores de idade chama a atenção, representando 5% do total de gestantes atendidas.
Escolaridade
A situação de vulnerabilidade também está atrelada a questões sociais, como o nível de escolaridade, uma vez que mulheres com menor grau de instrução têm mais dificuldade de alcançar sua idependência financeira e romper o ciclo de violência.
Nesse contexto, o dossiê aponta que, em 2024, entre as mulheres que informaram o seu nível de escolaridade, a maior parcela tinha ensino médio completo (34,7%). Em seguida, 19,2% afirmaram ter ensino fundamental incompleto, enquanto 7,3% concluíram essa etapa. Além disso, 16% possuíam ensino superior completo. Já as mulheres que declararam não ter escolaridade representaram 0,9% do total.
Orientação sexual e identidade de gênero
Ao fazer um recorte de gênero e orientação sexual, os dados mostram que, em 2024, entre as vítimas cadastradas no sistema Iris, 73,5% se declararam heterossexuais, 1,1% bissexuais e 0,4% homossexuais, enquanto 25% optaram por não informar sua orientação sexual. Quanto à identidade de gênero, 15 mulheres atendidas se identificaram como transexuais.
Violência se perpetua em áreas vulneráveis
Os dados evidenciam ainda que há uma correlação entre os índices de vulnerabilidade das regiões e os casos de violência contra a mulher. Em 2024, a maior parte das mulheres atendidas na Casa da Mulher Brasileira residia na região do Anhanduizinho, considerada uma das mais perigosas da cidade.
Entre 1º de janeiro e 31 de dezembro de 2024, a CMB cadastrou 4.735 mulheres no Sistema Iris, distribuídas por região da seguinte forma:
- Anhanduizinho: 24,4%
- Bandeira: 14,9%
- Centro: 5,4%
- Imbirussu: 14,6%
- Lagoa: 15,5%
- Prosa: 5,5%
- Segredo: 14,7%
O Anhanduizinho é uma das áreas mais violentas de Campo Grande. Segundo a Sejusp, a região concentra o maior percentual de homicídios entre as sete regiões urbanas da cidade.
A maior densidade de atendimentos na CMB se deu entre mulheres moradoras do Anhanduizinho, Lagoa e Imbirussu, com destaque para os bairros Panamá, Nova Campo Grande, Caiobá, Aero Rancho, Los Angeles e Centro Oeste. Outros bairros como Moreninhas, Noroeste e Nova Lima também apresentaram altas taxas de mulheres vítimas de violência que buscaram apoio na Casa da Mulher Brasileira.
Os bairros com maiores índices de violência por densidade populacional são Noroeste, Caiobá, Nova Campo Grande, Popular e Santo Antônio. Em contraponto, os bairros com menores taxas incluem Centro, São Francisco, Jardim dos Estados, Bela Vista, Jardim Paulista, Carlota e Chácara Cachoeira — a maioria considerada área nobre.
Vale destacar que, conforme o último Censo Demográfico, em 2024, Campo Grande possuía uma população de 898.100 habitantes, sendo 430.869 homens e 467.231 mulheres, distribuídos pelas sete regiões urbanas da cidade.
Mulheres PCDs e atendimento especializado
Conforme o dossiê, 198 mulheres atendidas em 2024 declararam ter algum tipo de deficiência. Entre elas, 27,8% possuíam deficiência física, 24,7% relataram deficiência mental, 20,7% apresentavam deficiência auditiva, 14,6% eram pessoas com deficiência visual e 12,1% apresentavam outras deficiências não especificadas.
Para garantir a acessibilidade, a Casa da Mulher Brasileira conta com estrutura acessível para cadeiras de rodas e pessoas cegas, incluindo piso tátil na área externa e banheiros adaptados. No ambiente interno, todas as mulheres, com ou sem deficiência, são acompanhadas por uma servidora até o setor onde serão atendidas.
Mulheres cegas recebem suporte para locomoção, enquanto aquelas com deficiência auditiva contam com uma recepcionista intérprete de Libras (Língua Brasileira de Sinais), que atua em regime de escala e pode ser acionada imediatamente, se necessário.
📍 Onde buscar ajuda em MS
Em Campo Grande, a Casa da Mulher Brasileira está localizada na Rua Brasília, s/n, no Jardim Imá, 24 horas por dia, inclusive aos finais de semana.
Além da DEAM, funcionam na Casa da Mulher Brasileira a Defensoria Pública; o Ministério Público; a Vara Judicial de Medidas Protetivas; atendimento social e psicológico; alojamento; espaço de cuidado das crianças – brinquedoteca; Patrulha Maria da Penha; e Guarda Municipal. É possível ligar para 153.
☎️ Existem ainda dois números para contato: 180, que garante o anonimato de quem liga, e o 190. Importante lembrar que a Central de Atendimento à Mulher – 180, é um canal de atendimento telefônico, com foco no acolhimento, na orientação e no encaminhamento para os diversos serviços da rede de enfrentamento à violência contra as mulheres em todo o Brasil, mas não serve para emergências.
As ligações para o número 180 podem ser feitas por telefone móvel ou fixo, particular ou público. O serviço funciona 24 horas por dia, 7 dias por semana, inclusive durante os finais de semana e feriados, já que a violência contra a mulher é um problema sério no Brasil.
Já no Promuse, o número de telefone para ligações e mensagens via WhatsApp é o (67) 99180-0542.
📍 Confira a localização das DAMs, no interior, clicando aqui. Elas estão localizadas nos municípios de Aquidauana, Bataguassu, Corumbá, Coxim, Dourados, Fátima do Sul, Jardim, Naviraí, Nova Andradina, Paranaíba, Ponta Porã e Três Lagoas.
⚠️ Quando a Polícia Civil atua com deszelo, má vontade ou comete erros, é possível denunciar diretamente na Corregedoria da Polícia Civil de MS pelo telefone: (67) 3314-1896 ou no GACEP (Grupo de Atuação Especial de Controle Externo da Atividade Policial), do MPMS, pelos telefones (67) 3316-2836, (67) 3316-2837 e (67) 9321-3931.
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