Celebrado neste sábado (17), o Dia Internacional de Combate à Homofobia, Transfobia e Bifobia marca a data em que, em 1990, a homossexualidade foi retirada da Classificação Internacional de Doenças da OMS (Organização Mundial da Saúde). No entanto, dados crescentes de ocorrências de violência contra esse público reforçam que o preconceito ainda é uma realidade, nos convidando a refletir que, mais do que celebrar, a data é um chamado à conscientização e à luta por respeito e direitos da população LGBTQIAPN+.
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Dados mais recentes apontam que Mato Grosso do Sul registrou um aumento de 600% nos casos de racismo, motivados por homofobia ou transfobia, em 2023. Informações divulgadas pelo ‘Dossiê de Mortes e Violência Contra LGBTQIAPN+ no Brasil 2023‘ apontam que a ‘Capital do Pantanal’ é o Estado com o maior número de vítimas LGBT mortas de forma violenta, por milhão de habitantes, com 3,26 mortes por milhão, seguido pelos estados do Ceará, Alagoas, Rondônia e Amazonas.
Em uma tentativa de atualizar o número de registros de ocorrências contra a população LGBT de Mato Grosso do Sul, a reportagem solicitou os dados para a Sejusp (Secretaria Estadual de Justiça e Segurança Pública), porém a secretaria não forneceu a informação até a publicação da matéria.
Em âmbito nacional, dados do Atlas da Violência, divulgado na última segunda-feira (12), apontam que, de 2014 a 2023, houve um aumento de 1.193% em casos de violência contra homossexuais e bissexuais no Brasil. O documento também indica que a violência contra travestis aumentou 2.340%, seguido por homens trans (1.607%) e mulheres trans (1.111%).
Além disso, o relatório ainda alerta que os números podem ter sido impactados pela subnotificação, não sendo possível afirmar se todas as agressões se tratam de LGBTfobia.
Falta de censo e dados completos limita análise da violência
Conforme os dados do Atlas da Violência, apurados em conjunto com o Sistema de Informações sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde, episódios de violência contra o público LGBT têm crescido continuamente, com exceção de um breve intervalo entre 2019 e 2020.
O relatório faz um alerta importante sobre a interpretação desses dados. A produção de estatísticas relacionadas à população LGBTQIAPN+ no Brasil ainda é bastante limitada, em parte pela ausência de um censo específico.
Além disso, os boletins médicos utilizados para compor os dados não informam a motivação das agressões, o que impede a confirmação de que todos os casos registrados tenham origem em LGBTfobia.
Entre 2022 e 2023, os registros de violência contra homossexuais e bissexuais nos serviços de saúde aumentaram 35%. Já os casos envolvendo pessoas transsexuais e travestis cresceram 43% no mesmo período. O maior salto proporcional foi observado entre homens trans, embora o número de mulheres trans vítimas de violência ainda seja significativamente mais alto.
Criminalização da homofobia
Por decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), casos de homofobia e LGBTfobia passaram a ser considerados crimes a partir de 2019. Os casos são julgados sob as mesmas condutas do crime de racismo, como “condutas discriminatórias baseadas em orientação sexual ou identidade de gênero, com penas de reclusão e multa”.
Essa mudança permitiu que outras instâncias do Judiciário e do Ministério Público passassem a adotar medidas mais firmes no combate à LGBTfobia. Na prática, porém, ainda há entraves na forma como os casos são tipificados e na preparação dos profissionais responsáveis por registrá-los e investigá-los. Esse cenário reforça a necessidade de avançar na luta por uma legislação específica que garanta proteção efetiva à população LGBTQIAPN+.
De acordo com a advogada especialista em direitos da população LGBTQIAPN+, Jennifer dos Reis, a criminalização da homofobia e da transfobia, equiparando essas condutas ao crime de racismo, foi um marco simbólico e jurídico. No entanto, é uma solução provisória, que necessita de uma lei própria.
“Falta uma lei própria que trate da diversidade sexual e de gênero de forma ampla, sistemática e estruturada, que preveja tanto a repressão às práticas discriminatórias quanto a promoção de políticas afirmativas. Leis específicas também servem para dar visibilidade ao problema e para orientar melhor a atuação dos órgãos públicos e do Judiciário”, destaca a advogada.
Gargalos na legislação
Jennifer afirma que, embora os últimos anos tenham sido marcados por avanços jurisprudenciais e normativos, a falta de uma legislação federal específica e abrangente, que proteja de forma sistemática a população LGBT, fragiliza a efetividade da proteção deste público.
A advogada aponta a necessidade de avanço na produção legislativa, com a aprovação de uma Lei Geral de Proteção dos Direitos da População LGBTQIA+, nos moldes do Estatuto da Igualdade Racial. Além disso, ela destaca que é preciso uma lei ordinária que trate de forma expressa o combate à LGBTfobia, a implementação de políticas afirmativas e a garantia de direitos básicos, como trabalho, moradia e saúde.
Outro gargalo está na falta de preparo das forças de segurança para atender as vítimas de violência motivada por LGBTfobia. Para isso, o ideal seria investir na formação continuada de profissionais do direito, da segurança pública, da saúde e da assistência social, com ênfase na diversidade e no respeito aos direitos humanos.
“Apesar dos avanços institucionais, o sistema de justiça ainda precisa avançar muito no que se refere à escuta qualificada, ao respeito à identidade de gênero das vítimas e ao tratamento digno e igualitário. Faltam formação continuada, protocolos específicos de atendimento e estrutura adequada para garantir acesso à justiça de forma segura e efetiva”, afirma Jennifer.
Direitos da população LGBTQIAPN+
A advogada ressalta que a população LGBTQIAPN+ tem direitos fundamentais assegurados, principalmente pela Constituição Federal, que estabelece como fundamento da República a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e repudia qualquer forma de discriminação (art. 3º, IV).
O reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo, com direito a reconhecimento do casal como entidade familiar (ADI 4277 e ADPF 132), também é um direito previsto pelo STF.
Outras conquistas incluem o direito de mudar o nome e o gênero nos documentos sem precisar fazer cirurgia ou ir à Justiça (RE 670.422 e Provimento nº 73/2018 do CNJ), o direito de casais homoafetivos adotarem crianças e a criação de políticas públicas de saúde específicas, como o atendimento às pessoas trans pelo SUS (Sistema Único de Saúde).
Onde pedir ajuda
Pessoas LGBTQIAPN+ que sofrerem discriminação ou violência podem registrar um boletim de ocorrência em qualquer delegacia de polícia. Também é possível buscar apoio na Defensoria Pública, com advogados, ou em organizações da sociedade civil que atuam na defesa dos Direitos Humanos.
Há ainda instituições especializadas para acolher esse público, como o CADH (Centro de Atendimento em Direitos Humanos), a Subsecretaria de Políticas Públicas LGBTQIAPN+ e a 67ª Promotoria de Justiça de Campo Grande.
A vítima pode reunir provas como áudios, prints de conversas, vídeos, fotos, publicações em redes sociais, testemunhos e qualquer outro material que ajude a mostrar a situação de discriminação ou violência.
Além do boletim de ocorrência, também é possível denunciar pelo Disque 100 (Direitos Humanos), pelo Ministério Público, Defensoria Pública ou pelos órgãos citados acima.
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