O ano era 2020 e o mundo lidava com uma pandemia repentina e assustadora. Isolamento social, higienização e uso de máscaras eram as medidas eficazes disponíveis no momento. No entanto, não demorou para que uma nova medida – essa, já comprovadamente ineficaz – caísse no gosto de muitos brasileiros: o uso do vermífugo ivermectina e do antimalárico hidroxicloroquina.
Nasciam aí os ‘kits Covid’. Na época, o Conselho Federal de Farmácia chegou a divulgar que em um ano de enfrentamento da Covid-19, a venda de tais medicamentos cresceu 857% (ivermectina) e 126% (cloroquina), o que equivalia a mais de 81 milhões de unidades e 2,5 milhões de caixas, respectivamente.
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Essa fascinação pelas medicações, especialmente pela ivermectina, fez com que muitas pessoas consumissem doses exacerbadas dos remédios, resultando em outro cenário preocupante: o aumento de casos de hepatite medicamentosa. Alguns casos evoluíram tão criticamente que pacientes até então saudáveis tiveram que lidar com a possibilidade do transplante de fígado.
O caos da pandemia passou, mas o costume de se automedicar com o vermífugo continuou – seja pela crença de que ele pode prevenir a Covid, seja pelo hábito preventivo anual/trimestral de expulsar eventuais parasitas do intestino. Independentemente das motivações, administrar estes medicamentos, sem indicação profissional, além de trivial, oferece perigos consideráveis ao paciente.
Então, quando é necessário consumir o vermífugo?
Vermífugo e sua relação com o saneamento básico
Ingerir vermífugos é quase uma ação cultural no Brasil, com raízes na sabedoria popular. Anos atrás, principalmente em período pós-Páscoa, os mais velhos administravam o medicamento em toda a família, especialmente nas crianças, pois era um período em que havia aumento no consumo de alimentos como chocolate, peixes e ovos.
No caso, acreditava-se que isso poderia ‘alimentar os vermes’, o que incentivava a vermifugação preventiva. Por isso, até hoje, muitas pessoas acreditam ser necessário se vermifugar com frequência, principalmente em épocas específicas do ano.
Outro fator que motivava a vermifugação recorrente era a falta de saneamento básico, o que, de fato, justificaria alguma medida nesse sentido. No passado, principalmente em áreas rurais ou com pouco acesso à saúde, as condições de higiene favoreciam a contaminação por parasitas, como lombrigas e amebas. Portanto, o tratamento preventivo (mesmo sem diagnóstico) era um costume reforçado pelos mais velhos.
Conforme o presidente do Sinmed (Sindicato dos Médicos do Estado de Mato Grosso do Sul), Marcelo Santana Silveira, principalmente nas décadas de 1960 e 1970, o saneamento era muito precário. Assim, tornava-se muito mais fácil entrar em contato com esses parasitas, especialmente as crianças, que brincavam muito na terra.
“A gente sabe que as crianças, além de terem acesso a um saneamento básico melhor do que era antigamente, vêm perdendo o hábito de brincar na natureza, principalmente em terra, por exemplo. Então, a realidade de se vermifugar com frequência passou a ficar mais distante. Promover essa melhoria no saneamento básico contribuiu muito para a diminuição dos casos de parasitose no Brasil, mas sabemos que em áreas mais afastadas a realidade é outra”, explica o especialista.
Outros contribuintes
Além da melhoria no saneamento, outros fatores contribuíram para a melhora neste cenário, por exemplo: lavar as mãos antes de comer ou após utilizar o banheiro; lavar os alimentos; cozinhar muito bem carnes; não andar descalço em locais suspeitos; cuidado com os animais domésticos; e popularização da educação em saúde.
“Principalmente após a pandemia do Covid, as pessoas passaram a ter cuidados básicos com a higiene e isso tem sido amplamente repassado às crianças. A geração atual tem muito mais acesso à educação em saúde e investem em autocuidado. A questão de higiene é feita de forma muito mais rigorosa, o que também contribui na diminuição da incidência de parasitose”, frisa.
Riscos da automedicação
Considerando estes fatores, tomar o vermífugo só por tomar, sem um diagnóstico médico, torna-se obsoleto e até perigoso, já que pode haver efeitos colaterais, principalmente no trato gastrointestinal, como gastrite e irritação gastro, além de náuseas, vômitos e sonolência. Se o paciente for alérgico a um ingrediente da composição, pode até haver um choque anafilático.
“Além disso, ele pode ter hepatite medicamentosa por usar, de maneira inadequada, esse medicamento, porque isso sobrecarrega o fígado. As pessoas precisam entender que durante o uso desses remédios, algumas situações devem ser evitadas. Nesse período, é importante ter uma alimentação mais leve, balanceada e em hipótese alguma deve-se fazer o uso de bebidas [alcoólicas]. É preciso lembrar também que interação medicamentosa é perigosa, não pode sair misturando remédios”, alerta Marcelo.
Quando tomar vermífugo?
Antes de ingerir o vermífugo, o paciente precisa considerar alguns fatores. Conforme o Dr. Marcelo, deve-se considerar suspeito: ter diarreia prolongada, dor abdominal, perda de peso, de apetite, anemia crônica e fadiga. Outro fator a se considerar é se o paciente fez viagem para alguma região com pouco acesso ao saneamento básico, o que aumenta a probabilidade de contaminação por parasitas. Neste cenário, é fundamental que o paciente busque um profissional da saúde que, por sua vez, definirá os melhores exames que provarão, ou não, a infecção.
O exame parasitológico mais comum é o de fezes. Ele consegue identificar a presença de parasitas ou ovos. A partir do diagnóstico, fará a indicação do uso correto da medicação que conhecemos, de forma genérica, como vermífugo. Conforme o especialista, a identificação de parasitose é algo do cotidiano médico, pois não é algo de alta complexidade. Portanto, qualquer profissional da saúde pode ser consultado.
“Hoje, essa definição de tomar o vermífugo a cada três meses ou a cada um ano, não é mais indicada. O paciente precisa passar por um médico, é o profissional que definirá o período que o medicamento deverá ser consumido, principalmente porque o cenário socieconômico e de saneamento básico mudou. De modo geral, o controle de higiene e alimentar é muito maior”, conclui.
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