O Brasil é o segundo país do mundo onde as pessoas mais passam tempo em frente a telas. Aqui, smartphones e computadores ocupam 56,6% do tempo em que estamos acordados — ou seja, mais de nove horas por dia diante de algum dispositivo.
Os dados são de um levantamento feito pela plataforma Electronics Hub, com base no relatório Digital 2023: Global Overview Report, da DataReportal, que analisou 45 países. À frente do Brasil, aparece apenas a África do Sul, com 58,2%.
É um tempo que não somente impressiona, mas também acende alerta. Afinal, se mais da metade do tempo acordado já é consumido por interações digitais, o que sobra para o corpo, a mente e as relações humanas?
Brasileiro dedica 3,6 anos ao celular
Esse questionamento ganha ainda mais força quando se observa outro estudo. Segundo o levantamento do Instituto Ipsos, o brasileiro médio dedica 3,6 anos da vida exclusivamente ao celular, equivalendo a 6% de todo o tempo livre da vida adulta.
Se somados outros dispositivos como televisão, jogos eletrônicos e rádio, o total de tempo diante de telas sobe para 12% — ou sete anos gastos em frente a uma tela. Em contrapartida, atividades saudáveis como a prática de esportes tomam apenas 4% desse tempo (2,2 anos), e momentos ao ar livre não passam de 2% (cerca de 1 ano).
Síndrome da Visão de Computador

Essa rotina digital intensa não passa despercebida pelo corpo. Isso porque, passar horas em frente a uma tela afeta principalmente a saúde ocular. Em meio a isso, a chamada CVS (Computer Vision Syndrome), ou Síndrome da Visão de Computador, conhecida também como cansaço visual digital, tem se tornado cada vez mais comum.
O problema começa com um gesto quase invisível: o piscar. Quando estamos concentrados em uma tela, a frequência de piscadas pode cair em até 60%. Esse movimento é essencial para espalhar a lágrima sobre a superfície ocular, garantindo hidratação e proteção. Com menos piscadas, a lágrima evapora mais rapidamente, causando ressecamento, ardência, sensação de areia nos olhos e até visão embaçada.
Ao longo do tempo, esse ressecamento constante pode piorar quadros de olho seco e levar à fadiga dos músculos oculares, comprometendo a saúde da visão.
Médico oftalmologista, Arthur Rezende explica que a CVS é um reflexo direto do uso excessivo de telas — sejam de computadores, celulares ou tablets.
“Ela ocorre porque nossos olhos não foram projetados para longos períodos de foco contínuo em distâncias próximas, como exigem esses dispositivos”, explica.

Os principais sinais de alerta incluem:
- Ressecamento ocular;
- Visão turva, principalmente após longos períodos de uso;
- Sensação de peso ou dor nos olhos;
- Cefaleia (geralmente frontal ou ao redor dos olhos);
- Vermelhidão, fotofobia (sensibilidade à luz) e dificuldade de concentração.
A boa notícia é que, na maioria dos casos, os efeitos são reversíveis com mudanças de hábito. Mas, sem cuidados, a exposição prolongada pode agravar quadros crônicos de olho seco e até acelerar a progressão da miopia.
“É hora de procurar um especialista se os sintomas persistirem mesmo com pausas frequentes; se houver visão turva constante, dor ocular, cefaleias ou histórico de doenças oculares agravadas pelo uso de telas”, orienta Rezende.
Como aliviar os sintomas da CVS?
- Siga a regra 20-20-20: a cada 20 minutos, olhe por 20 segundos para algo a 6 metros de distância;
- Mantenha uma distância adequada entre os olhos e a tela, com boa iluminação ambiente;
- Use colírios lubrificantes, quando indicado;
- Evite o uso de telas antes de dormir para preservar a qualidade do sono.
Além disso, uma nova pesquisa publicada na Science Direct por pesquisadores da Aston University, no Reino Unido, revela que a síndrome do olho seco — condição que pode levar a CVS — também está se tornando cada vez mais comum entre jovens que fazem uso prolongado de telas. O estudo acompanhou, ao longo de um ano, 50 participantes com idades entre 18 e 25 anos, todos expostos a telas por cerca de 8 horas diárias. Ao final do período, 56% deles apresentaram diagnóstico de olho seco, e 90% relataram pelo menos um dos sintomas: vermelhidão, sensação de areia nos olhos, coceira, visão embaçada ou dor de cabeça ao fim do dia.
Impactos à saúde mental
Além dos olhos, o excesso de telas também afeta a mente. Psicólogo e analista do comportamento, Alexandre Zanirato Contini afirma que o alto estímulo digital impacta diretamente a saúde emocional e pode intensificar quadros de ansiedade, estresse e depressão.
“O ambiente digital oferece acesso imediato a todo tipo de conteúdo. Isso nos conecta com o mundo, mas também constrói uma realidade artificial. Esse imediatismo alimenta comportamentos ansiosos. Queremos tudo para ontem”, explica.
Zanirato também destaca o efeito dos conteúdos estressores como notícias trágicas, discursos de ódio, golpes, fraudes e a constante comparação com vidas idealizadas nas redes sociais. “Quando as pessoas percebem que não alcançam esse padrão idealizado, podem sentir-se pressionadas e emocionalmente vulneráveis”, afirma.
Atenção, memória e produtividade em risco

O uso excessivo de telas também tem sido associado a prejuízos cognitivos. “Estudos mostram que há correlação entre tempo de tela e dificuldades de atenção e memória. Isso impacta diretamente a produtividade e até as relações pessoais”, alerta o psicólogo.
Sinais comuns são dificuldade para concluir tarefas, distração em conversas e perda da noção do tempo durante o consumo de conteúdos. A busca por vídeos curtos e cheios de estímulos — tendência das redes sociais — sobrecarrega o cérebro.
“As plataformas são desenhadas para capturar a atenção com múltiplos estímulos. Mas isso afeta a concentração e aumenta a sobrecarga cognitiva”, explica Zanirato.
Tudo isso pode resultar na dependência digital, fenômeno crescente em todo o mundo. “Ela se caracteriza pela dificuldade de limitar o uso, irritabilidade na ausência de telas, negligência de outras atividades e necessidade de aumentar o tempo conectado para obter o mesmo prazer”.
Segundo o psicólogo, é fundamental refletir sobre o motivo por trás da busca incessante pelo digital. “Nem sempre o problema está no uso em si, mas no que está sendo buscado ali — fuga, distração, pertencimento”, afirma.
Como equilibrar a vida digital e o bem-estar

Buscar o equilíbrio entre o tempo online e offline é essencial para preservar a saúde física e mental. Para isso, os especialistas recomendam cultivar outros interesses, fortalecer vínculos reais e desacelerar a urgência de transformar cada momento em conteúdo.
“É importante viver o agora, sem a obrigação de postar tudo imediatamente. Registre se quiser, mas não perca a experiência ao vivo”, orienta Zanirato.
Outro ponto de atenção é o uso noturno das telas. A luz azul emitida pelos dispositivos engana o cérebro, que interpreta o estímulo como sinal de dia, dificultando a produção de melatonina e comprometendo o sono.
“O sono é fundamental para regular emoções, consolidar memórias e permitir a recuperação do corpo. Quando ele é afetado, surgem alterações de humor, dificuldade de lidar com frustrações e problemas de memória”, conclui.
Arthur Rezende ressalta que existem evidências sólidas de que a luz azul emitida pelas telas pode suprimir a produção de melatonina, o hormônio responsável por regular o sono. Segundo ele, isso atrasa o início do sono e reduz sua qualidade, o que, por sua vez, afeta a regeneração celular e pode intensificar sintomas como olho seco e cansaço visual ao longo do dia.
“O ideal é evitar o uso de telas ao menos 1 a 2 horas antes de dormir. Para quem precisa usar, recomenda-se o modo noturno nos dispositivos ou o uso de filtros de luz azul”, orienta o oftalmologista.
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