Sem ‘notas mil’ em MS, redações com pontuação máxima despencam 80% em 2024

Percepção de profissionais sobre a queda registrada vai de critérios mais rigorosos na correção até reflexos de desigualdades estruturais e educacionais

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(Arquivo, Midiamax)

O número de redações que alcançaram a nota máxima no Enem 2024 caiu drasticamente: de 60, em 2023, para apenas 12, representando uma redução de 80%. Dessas, apenas uma foi produzida por um estudante de escola pública. O Inep, responsável pelo exame, deve se debruçar sobre os dados, mas especialistas e movimentos sociais analisam as possíveis razões para esse cenário.

Os estados com candidatos que atingiram a nota máxima foram Alagoas, Ceará, Distrito Federal, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e São Paulo. Além disso, 2.308 participantes tiveram notas entre 980 e 1.000, com 215 deles oriundos da rede pública. Já no intervalo de 950 e 980, destacaram-se 31.913 participantes, sendo 4.483 do ensino público. A proficiência média na redação foi de 660 pontos, um aumento de 15 pontos em relação à média de 645 obtida em 2023.

Entre os pontos de vista sobre a redução das ‘nota 1000’, há percepções divergentes, que podem ser critérios mais rigorosos na correção, ou até mesmo reflexos de desigualdades estruturais e educacionais, especialmente evidenciadas pelo tema da redação de 2024, que tratou de racismo.

A professora de redação em Campo Grande, Bruna Lucianer, oferece uma análise focada nos critérios de correção. Para ela, a redução expressiva nas notas máximas não reflete uma mudança nas regras de avaliação, mas sim um rigor maior no processo de análise.

“A linha que separa uma redação nota 960 ou 980 de uma nota 1000 é muito tênue e, por vezes, difícil de enxergar. Essa diferença, embora técnica, contradiz a objetividade da correção, já que as exigências podem acabar sendo subjetivas nos detalhes”, explica.

Ela destaca que o sistema de correção das redações nota 1000 envolve uma etapa adicional: todas as redações que recebem a nota máxima de um ou dois corretores passam por uma terceira análise, feita por uma equipe mais experiente. Nesse ponto, ela acredita que pode ter havido um “olhar mais crítico” em 2024.

“A metodologia em si não mudou, mas, talvez, a postura dos revisores finais tenha se tornado mais criteriosa, buscando até mesmo pequenos desvios que antes poderiam ser desconsiderados”, afirma. Para ela, transformar a nota máxima em algo quase inalcançável prejudica o exame. “Se o aluno realmente atinge o nível esperado, ele deveria receber a nota 1000. Tornar essa conquista quase utópica não beneficia ninguém e mina a confiança dos candidatos”, conclui.

Diante disso, questiona também a disparidade nos números: “É improvável que apenas 12 estudantes em todo o Brasil tenham alcançado o patamar de excelência que o Inep define como nota 1000. Essa discrepância levanta dúvidas sobre o real propósito dessa avaliação rigorosa”.

Racismo estrutural e o impacto do tema da redação

Do outro lado, Romilda Pizani, educadora e ativista, conecta a queda no número de redações nota 1000 ao contexto social e racial, especialmente reforçado pelo tema da redação de 2024, que abordou racismo e identidade negra. Para ela, o resultado evidencia desigualdades estruturais que dificultam o desempenho de estudantes, especialmente os negros.

Romilda destaca que a Lei Federal 10.639/03, que determina o ensino obrigatório de conteúdos sobre as culturas africanas e afro-brasileiras, ainda é insuficientemente aplicada nas escolas, comprometendo o sentimento de pertencimento e a capacidade de reflexão dos estudantes negros.

“Se o aluno não conhece sua história, ele não se sente pertencente a ela. Isso gera insegurança e dificulta a articulação de ideias sobre temas que demandam reflexão crítica, como o racismo e a identidade negra”, analisa.

Ela também aponta que o tema da redação deste ano pode ter exposto desigualdades profundas. “Muitos estudantes, especialmente de escolas públicas, não têm acesso a uma educação que promova debates sobre identidade, história e questões sociais. Isso reflete o racismo estrutural, que ainda permeia o sistema educacional e impacta diretamente o resultado do Enem”, afirma.

Segundo Romilda, o Enem, ao propor temas que demandam esse tipo de reflexão, acaba evidenciando a falta de equidade na educação. “Sem oportunidades iguais, continuamos reproduzindo desigualdades. Essa queda nas notas máximas mostra haver um longo caminho a percorrer para tornar a educação realmente inclusiva”, conclui.

Desafios para a valorização da herança africana do Brasil

Em novembro, o Jornal Midiamax produziu uma reportagem sobre o tema do Enem 2024, que abordou os “Desafios para a valorização da herança africana do Brasil”. A escolha surpreendeu candidatos e revisitou reflexões sobre racismo, invisibilidade social, violência e o silenciamento enfrentado pela população negra.

A educadora social Romilda Pizani destacou que a educação é essencial para a transformação social, enfatizando a importância do tema no reconhecimento do Brasil como um país majoritariamente negro. Segundo ela, é fundamental discutir políticas públicas e seus impactos na sociedade para garantir o acesso e a inclusão da população negra, promovendo mudanças significativas.

Apesar da relevância do tema, especialistas, como Romilda e o professor Ale Jamil Meres, alertam que trazê-lo à redação do Enem é apenas um passo inicial. Romilda ressalta que o conhecimento, embora libertador, não é suficiente para eliminar o racismo, que muitas vezes é perpetuado mesmo por quem possui informações. Já Meres pontua que o tema estimula a democratização cultural e a empatia, promovendo a visibilidade de grupos historicamente marginalizados. Ele elogia a escolha por evidenciar a discrepância entre a representatividade da população negra nas diferentes esferas sociais e seu peso demográfico, reforçando a necessidade de maior inclusão e equidade.

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