Sem mencionar a presença de comunidades locais que convivem em regiões com maior incidência e perigo de ataques de onças, autoridades ambientais anunciaram que Campo Grande sediará o I Workshop Internacional ‘Conflitos com Grandes Felinos: Riscos, Causas e Soluções’.
O evento, inédito no Brasil, será realizado entre os dias 26 e 27 de agosto, a fim de discutir estratégias e soluções para garantir tanto a segurança da população quanto a conservação de grandes predadores da fauna brasileira, além de ações estratégicas para prevenir ataques e promover a convivência segura com esses animais.
Apesar de positiva a iniciativa, ribeirinhos criticam foco exclusivo na onça, justificando que a discussão deve levar em conta todo o ecossistema do bioma, e solicitam a inclusão de comunidades locais nas decisões sobre o Pantanal.
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Ribeirinhos pedem voz nas decisões ambientais
A artesã e presidente do Renascer Pantanal, Associação de Artesãs da Barra do São Lourenço, Leonida Aires de Souza, de 59 anos, revela que a comunidade nunca foi procurada para participar dos debates acerca do cotidiano de quem, realmente, convive com a vida selvagem diariamente. “Nunca fomos ouvidos, na verdade”.
A comunidade ribeirinha Barra do São Lourenço está localizada em Corumbá, na margem esquerda do Rio Paraguai, próximo à confluência com o Rio Cuiabá, na fronteira entre Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Para chegar lá, só por barco ou avião. Isolados, até o acesso à internet é um desafio, considerando que o sinal não chega a muitas casas.
A artesã reforça, ainda, que a população local também faz parte do bioma, merecendo ser respeitada e levada em consideração na tomada de decisões ambientais.
“A gente se sente bem entristecido, decepcionado, porque a gente gostaria muito que eles [autoridades] nos levassem mais a sério. Não estou falando que eles não estão fazendo nada, mas eles poderiam estar mais presentes nas comunidades, ajudando a comunidade de alguma forma. E isso não está acontecendo. E, se vêm aqui, só vêm repórter e alguns pesquisadores, não tem nada concreto. Aí eles fazem reuniões entre eles, e a gente acaba ficando de fora. Isso é uma situação que nos deixa muito tristes”, expressa Leonilda.
Proteção da fauna
Leonilda destaca a importância de que pesquisadores e autoridades adotem uma visão mais ampla na preservação do Pantanal, que contemple toda a fauna e flora, garantindo equilíbrio no ecossistema. Apenas dessa forma será possível que nenhuma espécie enfrente a escassez de alimentos em seu habitat natural.
Além de proteger a onça-pintada, a artesã reforça que é necessário também assegurar a preservação das espécies que compõem sua cadeia alimentar, para apaziguar os ataques destes felinos aos humanos e seus animais de estimação.
“Se eles cuidarem apenas da onça e não cuidar das outras formas de vida, que é a fonte de alimentação das onças, vai sempre ter esses ataques. Não estou falando que a gente não deve preservar a onça, mas que deveriam olhar para os outros animais também. Milhões de vidas existem no Pantanal”, afirma Leonilda.
Ataques sempre existiram, mas pioram a cada ano
Conforme relata Leonilda, os ataques de onças aos cachorros e demais animais criados pelos moradores sempre existiram. No entanto, este cenário vem piorando, principalmente pela escassez de comida, que faz com que os animais avancem para as comunidades.
A presença da onça-pintada nas proximidades das residências tem aumentado significativamente nos últimos anos, e, segundo artesã, os felinos parecem estar cada vez mais agindo como se fizessem parte do ambiente cotidiano da comunidade.
“Elas sempre atacaram os cachorros e comeram, mas elas pegavam, comia um, dois e ia embora, e não voltavam mais. Mas, de uns anos para cá, elas vêm e ficam, atacam. Então a situação está ficando bem crítica. E essa história de falar que é fantasia, é muita falta de respeito com a gente, porque as pessoas têm essa mania de achar isso, que é fantasia”, expõe.
Para proteger os animais, a comunidade recorre a cercas, arames e tem construído casas menores para abrigar os cachorros. No entanto, nenhuma medida tem se mostrado eficaz.
“Ela está chegando mais e mais, nas casas, e não está querendo ir embora. Antes, ela ficava escondida, pegava os nossos animais e ia embora. Agora ela passa no quintal e não está nem aí. A gente tem que viver prendendo os animais dentro de casa e, quando a gente não consegue colocar, simplesmente ela pega e leva. Eu creio que [isso aconteça] justamente por causa que não está tendo alimentação”, opina Leonilda.
Workshop sobre onças
Durante os dois dias de evento, os painéis reunirão especialistas do Brasil, da Índia, da África, de Bangladesh, do Chile, da África do Sul e dos Estados Unidos. O encontro será na sede da Famasul (Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul), e a abertura contará com a presença do governador de Mato Grosso do Sul, Eduardo Riedel, além do presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, que mediará um dos painéis.
Durante o encontro, será redigida a Carta de Diretrizes para a Convivência com Grandes Felinos, um documento construído de forma colaborativa ao longo do evento, que contará com a assinatura dos participantes e de instituições presentes. Além disso, outras ações estratégicas devem ser definidas.
O evento também resultará na produção de artigos técnicos e científicos, com análises comparativas e soluções práticas discutidas ao longo dos debates.
Durante o encontro, também serão debatidas soluções adaptadas ao contexto brasileiro para responder a questões como: a prevenção de ataques sem o recurso de abate dos animais; a inclusão de saberes indígenas, de produtores rurais e de comunidades tradicionais; a utilização dos dados de ataques para sistematização e transformação dessas ocorrências em ações preventivas; o papel dos veículos de imprensa na percepção de riscos sem consequências de alarmismo na sociedade.
O evento é promovido pelo Instituto SOS Pantanal, Associação Onçafari, Instituto Onça Pintada e Instituto Homem Pantaneiro. A reportagem procurou cada uma das organizações, para questionar a falta de presença das comunidades locais no evento, e aguarda retorno.
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