Oficiais relatam dificuldades para cumprir mandados de violência doméstica em Campo Grande
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A exposição do caso Vanessa Ricarte, morta a facadas pelo ex-noivo Caio Nascimento, colocou em evidência a fragilidade da Rede de Proteção à Mulher em Mato Grosso do Sul. Ao ampliar a lupa sobre os poderes, é possível ver deficiências até no cumprimento dos mandados judiciais que envolvem a Lei Maria da Penha.
Campo Grande tem 80 oficiais de Justiça para cumprir todos os mandados emitidos pelo Tribunal de Justiça de MS. Mas os números são piores quando envolvem a Lei Maria da Penha, visto que apenas 10 oficiais estão designados a cumprir estes mandados, incluindo a retirada de agressores de dentro de casa.
O fórum de Campo Grande gera, em média, 400 medidas protetivas por semana. Essas medidas chegam às mãos dos Oficiais de Justiça, com determinações que incluem notificar agressores, feminicidas ou até mesmo retirá-los de casa.
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Acontece que a sobrecarga de trabalho e a falta de estrutura eficaz para oficiais de justiça, dificultam o andamento de uma cadeia que não pode falhar. Resolução do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), estabelece prazo de até 48 horas para o cumprimento de medidas protetivas.
Se cada oficial de Justiça da Maria da Penha precisa cumprir, em média, 40 mandados por semana, é preciso efetividade em cinco deles por dia. Considerando 18 horas diárias (6h às 22h), o oficial tem em torno de 3h30 horas cumprir cada mandado de prisão.
“Aí você chega na casa para retirar um agressor, a pessoa se nega a sair, precisamos acionar a polícia via 190, esperar a viatura chegar para então tirar ele da casa. É desesperador, porque ainda tem a pressão de que todos os casos são graves e precisam de celeridade”, afirma um dos oficiais de Justiça ao Jornal Midiamax.
Falta de respaldo para a profissão
Para além da jornada exaustiva de segunda a sexta-feira, oficiais de justiça cumprem plantões nos finais de semana, onde precisam cumprir as medidas protetivas que chegam. Eles reclamam da falta de apoio policial para a cumprimento, visto que muitos dos envolvidos apresentam sinais de agressividade, além do uso de álcool e drogas.
“Já pedimos patrulha exclusiva para isso. Estamos pedindo isso há um bom tempo, mas sem sermos atendidos”, afirma oficial. Na prática, o sistema mostra que a rede de proteção à mulher vítima de violência é ainda mais frágil do que parece.
O número de oficiais de justiça também vem caindo a longo dos anos, devido à aposentadoria dos servidores de carreira do TJ-MS. Antes eram 140 oficiais em Campo Grande e atualmente, 80 servidores.
TJMS quer parceria com a Polícia Militar
O TJMS debateu, nessa semana, a assinatura de convênios com a Secretaria de Segurança Pública e o Governo do Estado, para colocar a PM à disposição no cumprimento das medidas protetivas em favor da mulher.
“A ideia é criar um batalhão com policiais militares disponíveis 24 horas, em número suficiente para cumprir todas as medidas protetivas, acompanhando a mulher vítima de violência doméstica desde o momento em que ela obtém a medida, até seu efetivo cumprimento. A Polícia Militar irá acompanhá-la até sua residência para garantir que o agressor seja afastado do lar conjugal ou que a mulher possa retirar seus pertences”, explicou o presidente do TJMS, Des. Dorival Renato Pavan.
Outra alternativa ainda apresentada pelo presidente e também discutida com a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, foi a de intimar os acusados via e-mail ou WhatsApp.
Ocorrências na Deam
Ainda diante da repercussão do caso e de falhas no atendimento a vítima de violência de gênero, um grupo técnico foi nomeado para analisar cerca de seis mil boletins de ocorrência registrados na Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher) de Campo Grande que não resultaram em instauração de procedimento ou que possuem providências pendentes.
Conforme informações, o grupo foi criado para aperfeiçoar o atendimento às vítimas de violência doméstica e familiar. A medida seria para maior eficiência e celeridade na apuração dos crimes contra a mulher. O grupo terá os trabalhos concentrados na Academia da Polícia Civil.
Em Campo Grande, o grupo será responsável por analisar boletins de ocorrência de casos represados, aqueles em que as vítimas ou autores não são encontrados no endereço e nem por telefone pela Polícia Civil, bem como desistência de representação por parte das vítimas ou ausência/inexistência de provas ou elementos comprobatórios para a instrução e andamento dos procedimentos.
Um mês sem medida protetiva
Recentemente, o Jornal Midiamax contou o relato de uma vítima de violência doméstica que mora em Campo Grande e que tem o agressor como vizinho. Apesar da denúncia e do pedido de medida protetiva, até o momento ele não foi intimado.
A campo-grandense contou que denunciou o ex-companheiro por agressão no dia 13 de janeiro. Na ocasião, ela buscou a Deam, registrou boletim de ocorrência, pediu por medidas protetivas, mas até o dia 13 deste mês não teve a medida validada.
“Até agora não consegui (a medida protetiva), ontem o agressor veio até minha casa e fez novas ameaças. Não vou mais atrás, se eu morrer e virar estatística, fica aí minha denúncia”, desabafou.
Sobre o caso, o TJMS explicou que não pode repassar dados sobre casos sigilosos. Por isso, não confirma se a medida protetiva está ou não vigente.
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