Na volta às aulas, desafio é se adaptar a um retorno sem celulares

Acostumados à presença constante da tecnologia, estudantes terão que se adaptar à proibição de celulares

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Uso de celular em ambiente escolar ( Arquivo, EBC)

O fim das férias e o retorno à rotina escolar costumam gerar ansiedade entre os estudantes. No entanto, neste ano, os alunos enfrentarão um desafio ainda maior: a adaptação à nova rotina sem o uso de celulares, medida adotada pelo Governo Federal para reduzir distrações e melhorar o desempenho acadêmico.

Acostumados à presença constante da tecnologia, muitos jovens terão que reaprender a focar nos estudos sem o apoio imediato dos celulares. No Brasil, 80% dos estudantes relataram distrações durante as aulas, bem acima da média de outros países, como Japão (18%) e Coreia do Sul (32%).

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Embora a medida tenha o objetivo de incentivar a concentração e o desenvolvimento social, especialistas alertam para os desafios dessa adaptação, especialmente no início. Psicopedagoga e mestre em neurociência, Gláucia Benini destaca que a restrição pode gerar um aumento na ansiedade entre crianças e adolescentes.

“Esse tempo imposto sem o celular pode trazer a sensação de separação de algo que, para eles, é quase uma extensão do próprio corpo. Isso pode levar à dificuldade de concentração e até à falta de foco nos estudos”, explica.

O uso intenso dos celulares também pode levar à chamada ‘síndrome da checagem’, em que o cérebro se condiciona a verificar constantemente o celular, mesmo sem notificações. Gláucia destaca que esse comportamento pode se transformar em um hábito difícil de romper, tornando-se uma verdadeira dependência digital.

No entanto, a especialista ressalta que, com o tempo, a retirada gradual do celular pode trazer benefícios. “Depois desse período de ‘desmame’, os estudantes tendem a desenvolver maior capacidade de concentração e foco, o que pode impactar positivamente no aprendizado e na interação social”, afirma.

Desafio aos estudantes

Izabella Francis, de 14 anos, está prestes a iniciar o primeiro ano do Ensino Médio e, além da adaptação ao novo ambiente escolar, precisará lidar com um ‘novo mundo’ sem celulares em sala de aula. Apesar de reconhecer que o celular não é necessário para os estudos, ela acredita que a solução não seja a proibição, mas sim a disciplina no uso.

“Eu estou muito ansiosa para voltar às aulas, mas acho que vou me acostumar rápido. Até porque ninguém precisa do celular para estudar. Porém, acho que o certo não é proibir o celular e sim disciplinar o uso”, comenta.

Quando questionada sobre o tempo que costuma passar no celular, Izabella revela que é uma usuária ativa. “Eu fico bastante tempo por dia, costumo assistir vídeos no TikTok”.

Contudo, ela também destaca uma preocupação: desde a época da pandemia de Covid-19, com a implementação do ensino a distância, a adolescente criou o hábito de utilizar o celular para pesquisar quando não entendia algum conteúdo ou para auxiliar nos trabalhos escolares.

“Pode prejudicar o ensino porque o celular é uma ferramenta útil para pesquisar e aprender mais. Ainda vou poder usá-lo para isso fora da escola, mas é complicado não poder usar quando preciso, durante as aulas”, ressalta.

Isolamento transformou as interações sociais

Aulas da Rede Estadual durante a pandemia
Aulas da Rede Estadual durante a pandemia (Divulgação, SED)

Ainda que a pandemia de Covid-19 tenha ficado para trás, os impactos do isolamento social ainda afetam a rotina dos alunos. Segundo a psicopedagoga, o ensino remoto alterou os hábitos de estudo e a forma como interagem entre si. Para muitos, o contato com colegas e professores se tornou menos natural, tornando o retorno presencial um processo de readaptação constante.

“Crianças e adolescentes passaram um longo período no ensino remoto e, agora, precisam retomar as interações sociais. Durante esse tempo, ficaram muito expostos às telas, o que comprometeu a vivência de conexões reais. Por isso, essa retomada impacta diretamente na saúde mental e emocional”, explica a especialista.

Nesse contexto, a proibição dos celulares pode trazer aspectos positivos, como o estímulo à conexão real e à interação social. Para a especialista, o celular tem um impacto direto na forma como as crianças e adolescentes se relacionam no ambiente escolar.

“O celular acaba ‘roubando’ essa conexão e dificultando a interação direta entre as pessoas. Ele pode fazer com que a criança se feche, deixando de fazer novos amigos, de conversar e de buscar a socialização no mundo real”, afirma.

Ela ressalta que, ao se concentrar nas redes sociais ou na interação virtual, muitos jovens acabam pulando etapas importantes de sua formação social. “Eles ficam socializando no mundo virtual e, muitas vezes, deixam de estabelecer vínculos reais, essenciais para o desenvolvimento emocional e psicológico”, explica.

Mas e quando o celular se tornou um vício?

TikTok
Uso de celular por jovens (Henrique Arakaki, Midiamax)

Embora o uso de celulares e tecnologia tenha benefícios, como o acesso a ferramentas de estudo e jogos educativos que estimulam o desenvolvimento cognitivo. Quando esse uso é excessivo, podem surgir problemas como perda de foco, diminuição da concentração, miopia, obesidade e até ansiedade. Gláucia explica que a dependência da tecnologia também afeta as relações interpessoais, dificultando a distinção entre o mundo real e virtual.

Quando a dependência do celular se transforma em vício, é fundamental reconhecer os sinais e buscar ajuda profissional. A psicopedagoga alerta que qualquer indício de vício, seja em celulares ou jogos eletrônicos, deve ser tratado de forma cuidadosa.

“É importante procurar um especialista capacitado para lidar com a dependência, que, se não tratada, pode afetar a adaptação escolar dos alunos”, explica.

Na volta às aulas, é comum que crianças e adolescentes apresentem dificuldades devido à abstinência do uso excessivo de celulares ou jogos, por isso, pais e responsáveis precisam estar atentos aos sinais de alerta como: irritabilidade, falta de apetite, distúrbios do sono e baixo rendimento escolar.

“Esses sinais, como o aluno não querer ir à escola, nervosismo e oscilações de comportamento, indicam que a adaptação escolar não está ocorrendo de forma adequada”, alerta a especialista.

Como se adaptar a volta às aulas?

escolas
Estudantes REE (Divulgação, SED)

Para que essa adaptação ocorra da maneira mais tranquila, a especialista orienta que os pais e responsáveis estabeleçam limites para o uso da tecnologia, criando rotinas equilibradas que incluam tanto o tempo de tela quanto atividades físicas e interações sociais para estimular a produtividade.

“É importante que a criança tenha tempo para brincar ao ar livre, praticar atividades físicas e até desenvolver habilidades manuais, como a caligrafia, ultimamente as crianças querem só digitar. O excesso de tempo em frente às telas não apenas prejudica a coordenação motora, mas também impacta a fixação do conteúdo na memória, dificultando o aprendizado”.

O tempo de exposição a telas varia conforme a idade. Para crianças de até dois anos, a orientação é não ter contato com telas, pois o cérebro ainda está em fase de formação. Entre 2 e 5 anos, o limite é de uma hora de tela por dia; de 5 a 10 anos, o máximo é duas horas diárias; e, para adolescentes de 11 a 17 anos, o tempo recomendado pode chegar a três horas por dia.

“É essencial que os pais monitorem o ambiente virtual dos filhos, já que, além de questões de saúde, a exposição a conteúdos inadequados, como pedofilia, automutilação ou até mesmo suicídio. Mas o controle deve ir além das telas, os pais precisam estar presentes na vida dos filhos, criando oportunidades para interações reais”.

Convívio familiar

Para a especialista, colocar as crianças na frente de um celular ou tablet para ‘ter um tempo para si’ não substitui o tempo de qualidade em família. Atividades simples como refeições juntos, passeios no parque, montar um quebra-cabeça ou jogar um jogo de baralho são essenciais para o desenvolvimento emocional e social.

“Essas práticas, que antes eram comuns nas famílias brasileiras, estão sendo deixadas de lado à medida que a tecnologia avança, mas é fundamental retomá-las para garantir uma convivência mais saudável e equilibrada”, conclui.

Proibição dos celulares

Projeto de lei deve proibir uso de aparelhos celulares nas escolas do Brasil (Pexels por Pixabay)

Sancionada pelo presidente Lula em 15 de janeiro de 2025, a lei que proíbe o uso de celulares nas escolas abrange todas as turmas da educação básica, incluindo educação infantil, ensino fundamental e ensino médio. Entretanto, a nova legislação permite que os estudantes usem os aparelhos, desde que o uso seja restrito a situações excepcionais, como emergências ou necessidades relacionadas à saúde.

A medida também autoriza a utilização de celulares para fins pedagógicos ou didáticos, conforme a orientação do professor, e em situações de inclusão e acessibilidade para estudantes com deficiência ou condições de saúde específicas.

O projeto de lei foi justificado por parlamentares com base nos impactos negativos do uso excessivo de smartphones. De acordo com o relatório do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) de 2022, alunos que passaram mais de cinco horas diárias conectados apresentaram uma queda média de 49 pontos em matemática, comparados aos estudantes que utilizavam os dispositivos por até uma hora por dia.

Como fica em Mato Grosso do Sul?

Escola estadual
Escola estadual (Divulgação, SED)

Em Mato Grosso do Sul, o Regimento Escolar das escolas estaduais já veda o uso de celulares em sala de aula, com exceção das situações previstas na lei. Secretário de Educação, Hélio Daher destaca que o uso de celular tem se mostrado mais prejudicial ao aprendizado.

“O celular tira a atenção dos estudantes e diminui a interação entre o professor e os colegas, pois eles ficam imersos nos dispositivos”, afirmou.

No entanto, ele observa que há casos em que os professores da REE (Rede Estadual de Ensino) permitem o uso dos celulares para atividades como trabalhos de audiovisual e pesquisas, o que demonstra que, quando bem orientado, o uso das telas pode ser adequado ao ambiente escolar. “É fundamental oferecer suporte às escolas para que o uso dos dispositivos seja controlado, promovendo maior produtividade no processo de aprendizagem”, enfatizou Daher.

Para que a lei seja cumprida, a SED (Secretaria Estadual de Educação) irá orientar as escolas da rede estadual de sobre uso de aparelhos celulares nas salas de aula. “A criança ao invés de socializar, está na panelinha do Whatsapp, com pessoas que apenas pensam como elas. O grande ganho das escolas é estar com pessoas que pensam diferente de você”, disse o secretário.

Por isso, a SED vai orientar as escolas e redes de educação, para que façam a orientação de como utilizar esse equipamento quando necessário.

Com R$ 920 milhões em investimentos, que promoverão a digitalização do ensino em MS, o governador Eduardo Riedel (PSDB) pontuou a diferença das ações de tecnologia. “A gente não pode confundir aprendizado, ensino, ambiente digital com distração. Troca de mensagens, joguinhos, não é aprendizado”.

MEC lança guias sobre uso de celulares

Na última semana, o Ministério da Educação lançou dois guias sobre o uso consciente de celulares nas escolas. Um direcionado às instituições de ensino de todo o país e outro voltado às redes de educação. As publicações incentivam o diálogo entre profissionais da educação e a adoção de estratégias para integrar celulares e tablets ao processo de aprendizagem de forma pedagógica e equilibrada.

Os novos materiais foram publicados na plataforma MEC RED de recursos educacionais digitais. O primeiro guia chamado “Conscientização para o uso de celulares na escola: por que precisamos falar sobre isso?”, relata estudos que apontam que a simples presença do celular próximo ao estudante pode impactar negativamente a aprendizagem e o desenvolvimento de crianças e adolescentes e causar transtornos mentais e dependência.

“Na escola, o uso prolongado de celular diminui as oportunidades de interação social entre os estudantes, prejudicando o desenvolvimento de habilidades sociais e emocionais”, diz o guia. Além de considerar que crianças e adolescentes podem ficar mais expostos a conteúdos inadequados e situações de risco.

O segundo guia – voltado às redes de ensino de todo o país – traz exemplos de escolas públicas e particulares brasileiras e de outros países que restringiram o uso de celulares nas dependências das unidades de ensino, incluindo os momentos do recreio e de intervalos entre as aulas.

O material digital ainda explica que, com planejamento pedagógico, de forma intencional, o celular pode servir como uma ferramenta relevante para ampliar o acesso à educação e enriquecer as práticas de ensino, especialmente em contextos de desigualdade.

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