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Cotidiano

Na busca pelo ‘corpo ideal’, mulheres arriscam saúde com uso estético da testosterona

Em mulheres, a testosterona pode gerar acne, crescimento de pelos, engrossamento da voz, além de alterações hepáticas e doenças cardiovasculares
Lethycia Anjos -
Uso de testosterona em mulheres
Ilustração - Uso de testosterona em mulheres (Giovana Gabrielle, Midiamax)

Em meio a conteúdos virais nas redes, influenciadoras fitness e clínicas que oferecem a chamada “regulação hormonal” como fórmula mágica para mais energia, libido em alta e corpos esculpidos, cresce o número de mulheres que recorrem à testosterona — hormônio que, no corpo feminino, é produzido em baixa escala.

No entanto, essa busca de benefícios estéticos e melhora no desempenho físico esconde riscos sérios à saúde, como infertilidade, doenças hepáticas e até problemas cardíacos.

Assim, diante do aumento na procura pelo uso de testosterona entre mulheres, a Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia), a SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia) e a SBC (Sociedade Brasileira de Cardiologia) divulgaram uma nota conjunta para alertar sobre os riscos do uso inadequado do hormônio.

Conforme as entidades, a única indicação respaldada por evidências científicas para o uso de testosterona em mulheres cisgênero (que se identificam com o gênero de nascimento) é no tratamento do transtorno do desejo sexual hipoativo. Mesmo assim, a recomendação abrange apenas mulheres na pós-menopausa e após avaliação médica criteriosa.

Ganhos estéticos NÃO comprovados

Presidente da Febrasgo, Maria Celeste Osorio Wender, destaca que não há comprovação de benefícios seguros no uso da testosterona para fins estéticos, aumento de massa muscular, emagrecimento ou rejuvenescimento.

“Não existe recomendação para o uso de testosterona visando ganho de massa muscular, perda de peso, rejuvenescimento, melhora de disposição ou energia. Tampouco para prevenção de doenças cardiovasculares ou para a chamada ‘regulação hormonal’ na menopausa”, reforça o comunicado oficial.

Outro ponto destacado pelas entidades é que a dosagem de testosterona no sangue não é necessária na investigação de mulheres com queixa de baixa libido. Exceto nos casos em que há suspeita de excesso do hormônio, como na síndrome dos ovários policísticos ou em tumores produtores de andrógenos.

“Em tempos de divulgação de notícias falsas, informações errôneas e conteúdos distorcidos, reafirmamos nosso compromisso com a informação científica de qualidade”, afirma Lia Cruz Vaz da Costa Damásio, diretora de Defesa e Valorização Profissional da Febrasgo.

(Foto Good.Com/Darkest/Reprodução. Montagem: Midiamax)

Quando há indicação?

Embora a testosterona seja um hormônio tipicamente associado ao corpo masculino, ele também está presente em mulheres, em pequenas quantidades, desempenhando funções importantes. Os valores normais de testosterona total na mulher é em média entre 17,55 ng/dL e 59,46 ng/dL. Já os valores de testosterona livre são entre 0,2 ng/dL e 2,06 ng/dL, conforme o ciclo menstrual e a idade da mulher.

Médica ginecologista, Ana Helena Mattos explica que, em alguns casos, a reposição de testosterona pode ser indicada para mulheres — especialmente quando há uma relação direta entre a queda da libido e a baixa hormonal.

“Quando a baixa de libido está relacionada a um nível reduzido de testosterona no sangue, o ginecologista pode prescrever o uso do hormônio com segurança”, afirma a médica.

Nesse contexto, a especialista esclarece que a testosterona tem efeitos positivos no organismo feminino quando utilizada dentro dos níveis fisiológicos normais e sob indicação médica. Entre os principais benefícios, estão a melhora da libido; aumento da disposição física e contribuição para o desenvolvimento da massa muscular.

Contudo, ela alerta que o uso inadequado — especialmente em doses elevadas — pode trazer sérios riscos à saúde. “A testosterona só é segura dentro de uma faixa de valores normais no sangue. Acima disso, começam os efeitos colaterais”, explica Ana Helena.

No caso específico de homens trans, o uso de testosterona pode ser recomendado para produzir características físicas, como crescimento de barba e de pelos corporais, engrossamento da voz, distribuição de gordura em um padrão mais “masculino”, aumento da musculatura, interrupção da menstruação e crescimento do clitóris.

Busca pelo ‘corpo perfeito’

A médica endocrinologista Lara Leite destaca que o uso indiscriminado da substância é um reflexo direto da cultura da aparência potencializada pelas redes sociais.

“Hoje, blogueiras e ‘musas fitness’ ditam padrões de beleza representados por corpos esculturais e definidos, com o mínimo de gordura corporal. Para acelerar esse processo, muitas mulheres recorrem ao uso de testosterona, adquiridos tanto por prescrições médicas inadequadas como por formulações clandestinas”.

Essa tendência surgiu porque a testosterona consiste em um hormônio anabólico que promove aumento da massa magra e consequente redução da massa gordurosa. Contudo, a médica explica que a fisiologia hormonal da mulher difere substancialmente da do homem e, por isso, não há indicação de uso para esse fim.

“Produzimos cerca de 15 a 20 vezes menos testosterona do que os homens; obviamente, levaria muito mais tempo, mais esforço e mais disciplina para se atingir o corpo perfeito da influencer. Nossas características biológicas estão moldadas principalmente pelo estradiol, que cuida da nossa pele, cabelo, libido e saúde óssea”, destaca.

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Exercícios são essenciais para um corpo definido. (Freepik)

“Nem toda baixa libido é falta de testosterona”

A falta de desejo sexual decorre de uma série de fatores. Segundo a endocrinologista, o diagnóstico do transtorno do desejo sexual hipoativo — única indicação médica reconhecida para o uso da testosterona — é clínico e exige a exclusão de outras causas. “O desejo sexual não é só biológico. É multifatorial”, diz.

Lara explica que, antes de considerar o tratamento com a testosterona, é imprescindível avaliar e tratar outras causas de desejo sexual reduzido, incluindo:

  • níveis baixos de estradiol (principal hormônio feminino);
  • depressão e outras doenças psiquiátricas;
  • efeitos colaterais de medicamentos (como antidepressivos);
  • obesidade e síndrome metabólica;
  • questões ligadas ao relacionamento conjugal ou fatores psicossociais.

A nota das entidades médicas repudia, ainda, o uso da testosterona para emagrecimento, melhora de energia ou reposição durante a menopausa. Implantes subcutâneos, popularizados por sua “comodidade”, também são desaconselhados.

“Esses pellets manipulados (implantes) não têm aprovação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), liberam doses imprevisíveis e aumentam significativamente o risco de efeitos colaterais”, alerta a especialista.

Efeitos colaterais irreversíveis

A lista de complicações associadas ao uso da testosterona sem indicação é extensa: acne severa, crescimento de pelos no rosto e corpo, queda de cabelo, engrossamento da voz, aumento do clitóris, além de alterações hepáticas, risco cardiovascular aumentado e impacto direto na fertilidade feminina.

“Problemas hepáticos, como hepatite medicamentosa, insuficiência hepática aguda e câncer de fígado; risco aumentado de infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral, devido à maior predisposição à trombose. Além disso, pode gerar irregularidades menstruais e ausência de ovulação, prejudicando a fertilidade feminina”, relata a endocrinologista.

O uso prolongado e sem acompanhamento também pode causar dependência psicológica, pois muitas mulheres passam a acreditar que não funcionam mais sem o hormônio. Além disso, Ana Helena alerta que a ‘masculinização’ em mulheres com níveis elevados de testosterona por períodos prolongados pode ser irreversível.

“O crescimento do clitóris [hipertrofia] e o engrossamento da voz são efeitos irreversíveis. Mesmo que a paciente interrompa o uso da testosterona, essas alterações não retrocedem e podem demandar cirurgias corretivas”, alerta a ginecologista.

Testosterona não é cosmético

Hoje, o mercado disponibiliza diferentes formatos de testosterona, como géis, cápsulas ou injetáveis; no entanto, a endocrinologista enfatiza que nenhuma formulação está aprovada pela Anvisa para uso em mulheres no .

“Quando realmente necessário, só deve ser usada sob prescrição médica, com monitoramento rígido e produto de qualidade farmacêutica comprovada.”

Além disso, Lara destaca que há grupos que jamais devem utilizar testosterona. Entre eles estão mulheres com histórico de câncer de mama ou de útero, doenças hepáticas ou cardiovasculares.

“A maioria das mulheres não precisa de reposição de testosterona. A concentração de testosterona na mulher será sempre consideravelmente mais baixa do que nos homens.”

Uso de testosterona virou ‘febre’ entre mulheres. (Divulgação, Febrasgo)

Cuidado com quem você ouve

Em meio a esse cenário e à explosão de conteúdos nas redes que promovem o uso da testosterona como “cura para tudo”, Lara Leite orienta a sempre procurar profissionais de confiança.

“Não se baseie no número de seguidores ou na fala cativante e convincente desse profissional. E, sim, na formação acadêmica, se ele possui registro de qualificação de especialista no Conselho Federal de Medicina e, principalmente, se sua conduta está pautada pela ciência e pela ética. Veja se ele é guiado pela premissa de Hipócrates: “Primum non nocere — primeiro, não causar danos.”

Ela reforça que o endocrinologista é o profissional mais preparado para lidar com hormônios, avaliar riscos e monitorar efeitos colaterais. “Pense duas, três vezes antes de iniciar o uso. Converse com quem já usou e passou pelas complicações. Questione. Porque mais importante que o corpo perfeito é o corpo saudável.”

Importância do acompanhamento ginecológico

Ana Helena enfatiza que toda mulher que utiliza qualquer tipo de hormônio, inclusive a testosterona, deve passar também por acompanhamento regular com um ginecologista.

Assim como Lara, Ana Helena reforça que, antes de iniciar qualquer reposição hormonal, é essencial realizar uma avaliação clínica completa, que inclui exames de sangue; ultrassonografia ginecológica e abdominal; mamografia (para pacientes com idade indicada) e avaliação da história clínica e possíveis sinais de hiperandrogenismo, como oleosidade excessiva, crescimento anormal de pelos ou síndrome dos ovários policísticos.

“Infelizmente, temos visto muitas mulheres em tratamento hormonal sob orientação de outras especialidades — e até de profissionais que nem são médicos — sem os exames necessários. O foco tem sido apenas no resultado estético ou de performance, e os riscos estão sendo negligenciados”, lamenta.

“Cada organismo reage de uma forma. Mulheres com tendência ao hirsutismo ou a quadros androgênicos precisam de atenção redobrada, pois podem sofrer reações mais intensas ao uso de testosterona”, conclui a ginecologista.

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