Pela primeira vez, Mato Grosso do Sul recebeu uma nota internacional de risco de crédito da agência Fitch Ratings, uma das principais agências globais. O Estado foi classificado com a nota ‘BB’ para dívidas de longo prazo em moeda local e estrangeira, com perspectiva estável. A avaliação reconhece a solidez fiscal do Estado, mas também aponta desafios, como a rigidez nas despesas e a vulnerabilidade a choques externos.
Apesar de ainda não ser grau de investimento, essa nota indica que o Estado tem boa organização financeira e não apresenta risco de inadimplência. A classificação considera aspectos como o equilíbrio orçamentário, o controle de gastos e a autonomia fiscal do Estado, mas também destaca a dependência de transferências da União e a limitação na capacidade de ajustar despesas e receitas em cenários adversos. A nota é a mesma atribuída ao Brasil.
Em nota enviada pelo Governo de MS ao Jornal Midiamax, a Segov (Secretaria de Estado de Governo e Gestão Estratégica) destaca que a avaliação da Fitch reforça a imagem de Mato Grosso do Sul como um Estado fiscalmente responsável e confiável, o que deve ampliar o acesso ao mercado de crédito e facilitar negociações com instituições bancárias e organismos multilaterais.
Notas de crédito e selo de ‘bom pagador’

Quanto mais alta a classificação de crédito de um país, mais eficiente, confiável e robusta é considerada sua economia — o que, por consequência, representa um menor risco para os investidores.
Com base nessa avaliação, as agências de classificação de risco dividem os países em dois grupos: grau de investimento e grau especulativo.
- Grau de investimento: funciona como um selo de qualidade que indica aos investidores um risco reduzido de ‘calote’. A nota de crédito atribuída a um país permite avaliar se os possíveis ganhos, como aqueles obtidos por meio de juros, compensam os riscos associados à instabilidade econômica local.
- Grau especulativo: abrange países que perderam o selo de bom pagador. Nesses casos, as agências deixam de endossar a segurança dos investimentos, o que pode levar à fuga de capitais e à redução de oportunidades de financiamento externo.
No caso do Brasil, o país possui atualmente a nota “BB”, que, embora estável, ainda não representa o grau de investimento. Conforme a Fitch Ratings, o Brasil manteve esse selo apenas entre 2008 e 2015, a entrada ou saída desse patamar depende de critérios como o nível das reservas internacionais, situação fiscal e a estabilidade política.
Mas, afinal, o que significa, na prática, uma classificação “BB”?
Renato Gomes, economista tributário, explica que a nota “BB” indica que o emissor — neste caso, o Estado de Mato Grosso do Sul — é considerado vulnerável a riscos econômicos e financeiros, especialmente em cenários adversos.
“Embora o Estado não esteja em situação de inadimplência, a classificação reflete um risco de crédito significativo, pois está abaixo do chamado ‘grau de investimento’ (investment grade). Em outras palavras, os investidores percebem incertezas relevantes quanto à capacidade de pagamento no longo prazo”, afirma.
Renato ressalta que a classificação “BB” deve ser interpretada com um olhar equilibrado. Por um lado, mostra que o Estado está em posição mais favorável do que as notas mais baixas, o que sugere algum grau de controle sobre as contas públicas. Por outro, ainda permanece abaixo do grau de investimento, o que transmite uma percepção de risco moderado a elevado.
“É um indicativo de que houve avanços na gestão fiscal, mas também de que ainda há obstáculos importantes a serem superados para melhorar a credibilidade junto ao mercado financeiro”, conclui.
O que muda com essa nota?
A classificação ajuda o Estado a conseguir novos financiamentos e atrair investimentos, tanto públicos quanto privados. Isso porque, com uma boa avaliação de risco, os projetos ficam mais baratos e seguros para quem deseja investir.
“Com um rating reconhecido internacionalmente, MS passa a oferecer menor risco a investidores, o que pode reduzir o custo de financiamentos e aumentar a atratividade de PPPs (parcerias público-privadas) e concessões”, traz a comunicação do governo.
Conforme a administração estadual, a classificação deve facilitar o avanço de projetos que estão sendo modelados pelo Escritório de Parcerias Estratégicas e que, agora, poderão ser apresentados ao mercado internacional com mais competitividade.

Além disso, a classificação internacional pode favorecer a captação de recursos junto a instituições financeiras globais em condições mais vantajosas.
“Esse tipo de avaliação é bastante valorizado tanto por credores públicos quanto por investidores privados interessados em atuar em um ambiente de estabilidade fiscal e mitigação de riscos”, destaca o Escritório de Parcerias Estratégicas da Segov.
O economista Renato Gomes reforça que os ratings influenciam diretamente a decisão de investir em determinado território. “Eles oferecem uma análise técnica e padronizada sobre o ambiente fiscal, institucional e econômico. Uma nota mais elevada tende a atrair mais capital privado, inclusive investimentos diretos em áreas como infraestrutura e concessões”, explica.
No entanto, ele alerta que uma classificação abaixo do grau de investimento dificulta — e encarece — o acesso a financiamentos externos. Isso porque investidores e instituições financeiras utilizam essas notas como referência para avaliação de risco.
“Quanto mais baixa a nota, maior a percepção de risco e, por consequência, mais altos os juros cobrados. Além disso, algumas instituições multilaterais impõem limites de crédito ou exigem garantias adicionais de entes subnacionais com rating inferior a ‘BBB-’”, finaliza.
Pontos positivos e desafios
A Fitch reconheceu pontos fortes da economia de MS, como:
- Autonomia fiscal, ou seja, capacidade de arrecadar e gerenciar recursos próprios;
- Economia diversificada, com destaque para o agronegócio e a indústria da celulose;
- Controle dos gastos, com margens orçamentárias consideradas adequadas.
Por outro lado, a agência também apontou alguns desafios:
- Despesas rígidas, principalmente com pessoal e previdência, que são difíceis de cortar;
- Dependência de poucos setores para arrecadação de impostos;
- Limitações legais para aumentar tributos, devido ao teto previsto na Constituição;
- Alta concentração da dívida junto ao governo federal.
Na avaliação do economista, a alta dependência de transferências da União — como o Fundo de Participação dos Estados (FPE) e o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) — limita a autonomia fiscal de Mato Grosso do Sul. Ele também destaca a vulnerabilidade do Estado a choques externos, como a queda nos preços das commodities, especialmente soja e carne, que impactam diretamente a arrecadação do ICMS.
“Existem ainda riscos previdenciários, decorrentes do envelhecimento do funcionalismo público e do aumento das despesas com servidores inativos. Soma-se a isso a exposição ao ciclo político, que pode interferir no ritmo das reformas e no controle fiscal”, ressalta.

A análise aponta ainda que a arrecadação tributária de Mato Grosso do Sul é sensível à conjuntura econômica nacional e internacional. Fatores como a redução das importações de gás natural da Bolívia continuam exercendo impacto relevante sobre as receitas do Estado.
“A vulnerabilidade externa possui maior relação com as características do Brasil (reservas cambiais, relações diplomáticas, etc.), não estando no âmbito de gerência da administração estadual”, destaca a pesquisa.
O que o governo tem feito?
Para melhorar sua posição em futuras avaliações e, eventualmente, alcançar o grau de investimento, o Governo de MS têm adotado medidas de controle fiscal, como o ajuste no crescimento das despesas, gestão de precatórios e redução da dependência de transferências da União. Em abril de 2024, o Estado amortizou integralmente o estoque de precatórios e agora realiza os pagamentos dentro do mesmo exercício fiscal.
O economista ressalta que os desafios apontados não são exclusivos de Mato Grosso do Sul. Segundo ele, a própria estrutura federativa brasileira concentra a maior parte das receitas na União, o que torna os estados dependentes de repasses como o FPE (Fundo de Participação dos Estados) e o FPM (Fundo de Participação dos Municípios).
“Esse modelo gera uma dependência estrutural. Além disso, muitos estados têm economias baseadas em commodities agrícolas e minerais, o que os expõem a volatilidades do mercado internacional. Portanto, os fatores apontados no relatório não são exclusivos de MS, mas refletem uma fragilidade estrutural do federalismo brasileiro”.
O Estado também tem promovido ações para diversificar sua matriz econômica. A presença de grandes empresas do setor de celulose e do agronegócio é apontada pela Fitch como ponto forte da economia sul-mato-grossense.
Conforme a Segov, juntos, esses setores representam cerca de 33,5% do PIB estadual — sendo 22,8% da agropecuária e 10,7% da celulose.
Indicadores fiscais e projeções

A dívida consolidada do Estado representava 24,75% da Receita Corrente Líquida ao final de 2024. Nota bem abaixo do teto de 200% fixado pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Já a dívida externa, quase toda com organismos multilaterais e com garantia da União, correspondia a 17,8% da dívida total.
“A dívida líquida ajustada da EMS inclui R$ 9,4 bilhões em dívida direta e R$ 1,6 bilhão em caixa irrestrito no final de 2024”.
Já perfil financeiro de MS, segundo a Fitch, está classificado como ‘a’, com projeção de carga da dívida fiscal de 33,4% até 2029.
“O perfil financeiro do EMS indica uma deterioração das margens operacionais no cenário de rating da Fitch. Isso ocorre devido à desaceleração do crescimento da arrecadação tributária, resultante das mudanças estruturais em curso na matriz econômica do estado. As importações de gás representam uma parcela menor da arrecadação tributária”.
Apesar disso, o Estado apresenta perfil de risco classificado como “mais fraco”, ou seja, alto risco da capacidade do emissor de cobrir o serviço da dívida se o saldo operacional enfraquecer inesperadamente, principalmente devido à limitação para ajustar despesas em momentos de queda de receita.
A margem operacional — diferença entre receitas e despesas — foi de 9,8% em 2024, após uma média de 15,7% entre 2020 e 2024.
“O estado está em dia com o pagamento da folha de pagamento e não apresenta atrasos significativos no pagamento de fornecedores”, destaca a avaliação.
Sustentabilidade a longo prazo
As práticas fiscais destacadas pela Fitch Ratings — como esforço fiscal, transparência e solidez orçamentária — são sustentáveis no longo prazo? Para o economista Renato Gomes, sim, especialmente se houver continuidade administrativa e política.
“Mato Grosso do Sul tem apresentado avanços consistentes em planejamento orçamentário e em iniciativas de modernização da gestão pública. No entanto, a sustentabilidade dessas práticas está condicionada à manutenção do controle de gastos, à implementação da reforma previdenciária estadual e ao aumento da produtividade do gasto público”, afirma.
Com a nota em mãos, o Governo do Estado pretende intensificar a divulgação de seus projetos de concessões e PPPs (parcerias público-privadas) no exterior. A iniciativa tem como objetivo atrair novos investimentos e fortalecer a imagem de Mato Grosso do Sul como um destino seguro e competitivo para negócios.
Próximos passos
A expectativa é de que a classificação internacional contribua não apenas para ampliar o acesso a financiamentos, mas também para consolidar a confiança de investidores estrangeiros no ambiente fiscal e institucional do Estado.
Já na avaliação do economista, o foco ideal para a melhoria contínua da nota e da saúde fiscal do Estado deve envolver um conjunto de medidas estruturais. Entre elas:
- Aumentar a receita própria, especialmente a arrecadação tributária, reduzindo a dependência de transferências federais;
- Consolidar políticas fiscais sustentáveis, com controle rigoroso de gastos e geração contínua de superávits primários;
- Manter a dívida líquida consolidada em patamares baixos, proporcionalmente à receita corrente líquida;
- Aprimorar os níveis de transparência e governança, transmitindo previsibilidade e estabilidade institucional ao mercado;
- Diversificar a base econômica, reduzindo a sensibilidade do Estado a choques externos, como variações nos preços de commodities.
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