A montanha de lixo que passava de 10 metros, já foi um problema emblemático no bairro Dom Antônio Barbosa, região sul de Campo Grande. Atraídas pela microeconomia que girava em torno da catação de lixo, na década de 1990, centenas de famílias se instalaram ali, de onde tiravam sustento por meio da catação de resíduos recicláveis, em meio aos detritos gerados por campo-grandenses.
Anos depois, sofreram com a morte de um menino de 9 anos soterrado no lixão, o que concentrou a atenção dos campo-grandenses no problema social (e ambiental) que por ali pairava.
De lá para cá, muita coisa aconteceu. Embora ainda seja uma das regiões mais carentes de Campo Grande, foi a partir do desamparo econômico, o qual emergiu com o fechamento do lixão, que um mutirão da solidariedade ganhou força. Pelas “mãos” dessa rede solidária, a região volta a ver perspectiva de transformação social, por meio de diversos projetos sociais que realmente ajudam e tiram muitas crianças da marginalidade.
Com o crescimento, tudo o que as pessoas querem é não mais serem reconhecidas como “os moradores do lixão”. No mesmo lugar e entrada do que já significou renda e, também, foi palco de uma tragédia, hoje, está uma horta, uma casa solidária, reciclagem e projetos voltados ao meio ambiente.
Ou seja, o tempo passou, levando a sujeira embora e mostrando o verdadeiro sentimento de muitas pessoas, envoltas no estigma de que ali é uma região somente de criminosos.

O Jornal Midiamax conta esta história dentro de seu novo projeto, o Fala Povo: Midiamax nos Bairros, que apresenta particularidades, problemas e personagens da região do Dom Antônio Barbosa.
Ao longo da programação, no site, impresso e televisivo Midiamax (canal 4 da Net), serão exibidas histórias de moradores, curiosidades, pontos gastronômicos, segurança e tudo o que envolve o cotidiano da população local.
A terceira edição do Fala Povo: Midiamax nos Bairros será realizada com evento final no dia 13 de setembro de 2025.
Diana viu favela se tornar bairro com casas estruturadas

Diana Perez Roman, de 39 anos, é moradora do bairro há 22 anos. Desde o primeiro dia, diz que se envolveu em projetos sociais e hoje é coordenadora do Fraternidade Despertar. “Comecei como auxiliar, depois me tornei líder comunitária, sempre visitando as casas. E hoje estou aqui. A gente entregava sopas e cesta básica, cadastrava as famílias das favelas, que agora é o bairro José Teruel Filho, todo com casas estruturadas, já”, afirmou.
Mãe de quatro filhos, com idades entre 9 e 17 anos, Diana diz que também os mantém por perto, ajudando e participando de projetos com aulas de violão, clarinete, trompete e flauta. Ao todo, possui uma década atuando no projeto, onde antes existia lixão.
“Estamos com orquestra no projeto Educa Arte, em torno de 60 crianças, com aulas aos sábados. Meus filhos todos participam, são músicos. Eles, assim como os outros, tocam instrumentos como violoncelo, violino, flauta, viola, contrabaixo e outros equipamentos de música clássica. Em outra sala, duas vezes por semana, temos o projeto ‘Mão de Luz’, que monta o enxoval para as gestantes. Até falo para as 15 voluntárias: ‘Temos que transmitir a nossa energia, essa energia do bem’. Muitas vezes, é a primeira roupinha que o bebê vai usar”, comenta Diana.

‘Ajuda inclui escutar o próximo’, diz coordenadora de projeto
Questionada sobre como é trabalhar para a comunidade, a coordenadora fala em gratidão. “As pessoas pensam ser somente auxiliar o outro, mas, não. Muitas vezes, nós é que somos auxiliados. São pessoas que entram aqui, crianças também, trazem as suas dificuldades, tristezas… Então, a gente auxilia de alguma forma esta família, com alimentos, sopa, amparo e com a escuta, principalmente, porque tem gestante que chega com muita dificuldade e desabafa também”, comentou.
Por fim, Diana fala da evangelização, que ajuda muitos jovens. “São jovens que participaram aqui e hoje ajudam em outros projetos, trabalhando para a fraternidade, para ele mesmo e amparando outras famílias. A fraternidade, na verdade, é um início de mudanças. Nosso sonho agora é trazer mais qualificação para a comunidade, mais cursos, pensando sempre em ver as crianças e os jovens mais inseridos nos projetos do que na rua”, encerrou.

Roupinhas e afeto: costureiras fazem enxoval completo para gestantes
A costureira Antônia da Silva Brates, de 66 anos, é uma das voluntárias no setor da costura. Para conseguir a abundância de panos, ela narra verdadeiros “mutirões” para angariar recursos, por meio da venda de rifa, pizzas, além de outros formatos de arrecadação e doações.
“A gente corta, costura e entrega o enxoval completo para as mães. Colocamos tudo: macacão, pijaminha, fralda, toalha, coberta e mais o que recebermos. Tudo é enviado com muito amor, carinho, é o kit completo. São, ao todo, 60 peças no interior da banheira. Nestes últimos dias, entregamos 20 kits”, contou Antônia.


Assim, a aposentada, que vai ao local duas vezes por semana, tanto de ônibus como a pé, dedica o tempo para o voluntariado e diz que se sente muito feliz em poder ajudar. “A gente vem de longe para trabalhar. E aqui é um momento em que a gente brinca, conversa, dá risada e ganhamos também uma cesta básica, além de algumas verduras”, comentou.
Mesmo não sendo costureira profissional, Antônia diz que aprendeu desde cedo a costurar, “cortando roupinhas de boneca escondido da mãe”. Desde então, sempre gostou muito. O mesmo gosto e zelo pelo trabalho voluntário é o que sentem e fazem mãe e filha, Kaillainy Santana Siqueira e Lucilene Santana da Silva, de 15 e 39 anos.
“Desde 2022, meu pai sempre teve o sonho de fundar o Instituto Opamaas [Organização para Preservação Ambiental]. Ele correu atrás de documentação, tudo. A gente ajudou a pintar, reformar, trabalhando muito. E eu e minhas irmãs na horta. Também tivemos a colaboração de todos. Vejo este lugar como o nosso futuro. O meio ambiente é o nosso futuro. É um projeto que se identifica cada vez mais com reflorestamento na comunidade”, ressaltou Kaillainy.
‘Projeto abriu portas para o meio ambiente onde lixo tomava conta’, relata voluntária

Conforme a jovem, antes da Organização, o lixo tomava conta do local; agora, o projeto abriu portas para o meio ambiente, colocando ações sustentáveis em andamento na busca de fazer a diferença.
“Um orgulho que tenho é este projeto. Meu esposo sempre teve este sonho e, desde 2019, vem lutando e agora deu certo. Éramos do sítio, no interior do Estado, mas ele sempre estudou sobre o assunto e queria muito um local, até que conhecemos o seu Nilton, que cedeu o espaço, e agora estamos aqui, firmes e fortes, como voluntários, vestindo a camisa verde, literalmente”, comentou Lucilene.
A algumas quadras do projeto Fraternidade Despertar está o projeto Asas do Futuro, que oferece ballet, arte e cidadania, capoeira, musicalização, informática e futebol masculino e feminino.
Lixão não existe mais: comunidade quer ser reconhecida pelo talento




Há 27 anos, o gesto solidário distancia crianças e adolescentes da criminalidade, cumprindo um papel que vai muito além da solidariedade. No dia da visita da reportagem, 23 bailarinas estavam a caminho da Argentina, pela quarta vez consecutiva, participando de eventos e mostrando os talentos do Dom Antônio.
“É uma viagem muito importante para as bailarinas e todos os envolvidos. Elas se apresentam e já visitam as Cataratas do Iguaçu. Fazemos uma programação bem bacana, porque é uma oportunidade de expandir conhecimento e todas verem que podem ir muito além, já que, muitas vezes, quando se fala em comunidade, muitos não veem perspectiva e ligam muito ao lixão. Não é correto falar as bailarinas do lixão. Somos as bailarinas, os capoeiristas do Dom Antônio. Temos muitos talentos, o que a gente precisa é de incentivo”, finalizou a coordenadora Glauciane Diandra Teixeira da Silva, de 34 anos.
Confira
Fala Povo: Midiamax nos Bairros
A história dos bairros de Campo Grande é tema do Fala Povo: Midiamax nos Bairros. Ao longo desta semana, reportagens especiais vão apresentar aos leitores aspectos históricos, indicadores socioeconômicos, demandas populares e peculiaridades das diversas regiões de Campo Grande, culminando com programa ao vivo no sábado. Quer ver seu bairro na série? Mande uma mensagem para (67) 99207-4330, o Fala Povo, WhatsApp do Jornal Midiamax! Siga nossas redes sociais clicando AQUI.
(Revisão: Dáfini Lisboa)