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Cotidiano

Igualdade parental? Em MS, licença-paternidade de 5 dias mal permite ver o bebê abrir os olhos

Com maior debate sobre igualdade de gênero e do papel paterno na criação do filho, a pressão sobre o direito dos homens à licença-paternidade aumentou
Jennifer Ribeiro -
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Mais que direito do pai, licença-paternidade é direito da criança. (Ilustração, Giovana Gabrielle)

Responsável por fornecer nutrientes e oxigênio da mãe para o bebê, o cordão umbilical leva de 7 a 15 dias para cair após o nascimento. Quando isso acontecer, a maioria dos pais já terá voltado ao trabalho após a licença-paternidade e não presenciará este e outros processos evolutivos do próprio filho. O motivo? A falta de equidade nos direitos de pais e mães: enquanto a mulher tem direito a 120 dias de licença, o homem tem apenas 5.

Em tese, este direito está previsto na Constituição Federal de 1988. A licença de apenas cinco dias deveria permanecer somente até que uma lei complementar para implementação definitiva fosse aprovada. Porém, 37 anos se passaram e, até hoje, essa votação não ocorreu.

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Especialistas entendem que este cenário inerte está diretamente ligado a um parlamento conservador e à omissão constitucional. Por anos, o debate sobre os cuidados dos filhos esteve centralizado na figura materna. ‘Tirar’ um homem do trabalho para ‘ajudar’ com os filhos era visto como bizarrice. Agora, com maior debate sobre igualdade de gênero e importância do papel participativo do pai na criação do filho, a pressão sobre tal direito aumentou.

Até que mudanças efetivas ocorram, este atraso seguirá impactando diretamente a rotina familiar. Esse período é fundamental para a adaptação da casa, para que o pai possa oferecer apoio à mãe e para fortalecimento do vínculo com o bebê. Além disso, a licença-paternidade contribui para a divisão mais equilibrada das responsabilidades parentais e para o bem-estar emocional de toda a família. Mais do que um direito do pai, este é um direito de toda criança.

Segurança e companheirismo

Maria Ribeiro tem três filhos: dois meninos — de 16 e 5 anos — e uma menina, de dois meses; e ela sabe bem como a falta de uma licença-paternidade estendida pode ser impactante.

Para ela, cada experiência de gestação e pós-parto foi única, cada uma com suas alegrias, desafios e especificidades. Quando seu primeiro filho nasceu, ela e o marido haviam se mudado recentemente para e, por isso, não tinham rede de apoio. Ele, que na época era vendedor em uma rede varejista, teve direito a apenas 5 dias de licença-paternidade. Trabalhando em horário comercial, quase não conseguia se dedicar ao filho e à esposa.

“Quando ele saía, ficava um vazio. Era nosso primeiro filho, tudo era uma novidade, e é um momento de insegurança. Ter ele por perto ajudava a me sentir mais segura, e as tomadas de decisões não eram individuais. Ele é o pai da criança! Era importante pra mim, pra ele e pro nosso filho que ele estivesse presente. Ter ele em casa só 5 dias foi horrível. Ter ele mais dias teria sido muito melhor, com certeza”, conta.

Apoio emocional

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Maria, grávida da filha caçula. (Reprodução, Arquivo Pessoal)

Já o segundo filho do casal nasceu em 2020, um mês antes do início da pandemia de covid-19 no Brasil. Novamente, o marido, agora trabalhando em uma empresa de comunicação, só teve direito a 5 dias de licença-paternidade. Quando o bebê tinha pouco mais de 1 mês e, assim como a mãe, precisava de cuidados, foi estabelecida a quarentena. Toda a rede de apoio precisou se ausentar por segurança.

“É desesperador, porque você acaba ficando muito tempo sozinha. E é cansativo, porque você acaba tendo que se dedicar a muita coisa ao mesmo tempo. Este é um momento de vulnerabilidade, a mulher está se adaptando, o corpo ainda está sensível. Embora fosse nosso segundo filho, cada gestação é diferente e dá a sensação de que você está passando por aquilo pela primeira vez. É um momento de instabilidade física e emocional. O pai, dividindo aquilo com você, é fundamental. É o apoio emocional que a gente tanto precisa”, frisa.

Após o nascimento da caçula da família, em maio de 2025, Maria teve complicações no pós-parto. Isso exigiu cuidados e idas constantes em consultas. Neste período, o apoio do marido foi fundamental.

“Dessa vez, ele conseguiu 15 dias, mas porque pegou atestado, teve as folgas. Minha mãe veio ficar com a gente nas primeiras semanas, o que foi imprescindível, mas ele é meu marido, é o pai; então, a presença dele é insubstituível. Eu não conseguia andar direito, não podia dirigir, e ele ali, me auxiliando, dividindo tudo comigo, me passou muita segurança”, aponta.

Impacto na relação pai e filho

Maria relembra que, nos primeiros 5 dias após o nascimento da filha, ou seja, justamente no período de licença-paternidade, seu marido contraiu uma gripe intensa. Se ele não tivesse conseguido mais dez dias de afastamento do trabalho, não teria conseguido aproveitar mais intensamente os primeiros dias da filha na casa.

“Lógico que, se ele tivesse tido mais 15 dias, teria sido ótimo. Mas esses dez dias a mais foram fundamentais. Ele ficou os primeiros 5 dias bastante gripado, ou seja, não curtiu a neném. Acabava ficando longe dela pra não correr o risco dela ficar doente e só ficava perto de mim quando precisava me ajudar com algo, também pra eu não pegar nada que pudesse passar pra ela. Ele fazia as coisas da casa, cuidava dos nossos outros dois filhos, mas só foi conseguir curtir a neném no sétimo dia dela em casa”, conta.

“A mãe vai criando o vínculo com o bebê durante a gestação, a gente sente no corpo ele se desenvolver. Quando ele nasce, é muito dependente da mãe, tem a amamentação, então, o vínculo é maior. Com o pai, esse vínculo é construível. O pai precisa estar por perto para criar um laço com o bebê, entender o bebê”, conclui.

Paternidade ativa, maternidade leve

O atual período de licença-paternidade é insuficiente para que o pai compreenda a nova rotina e as necessidades do filho. Também é pouquíssimo para que ele possa dividir as tarefas por igual com a companheira.

Segundo Emília Luna, psicóloga infantil com abordagem na neurociência, o puerpério é um período extremamente delicado para a mãe. Este é o momento de reorganizar a vida e, também, de reorganização cerebral e hormonal. Por isso, ter alguém próximo, que contribua para esse processo, é fundamental.

“O ideal é que seja alguém bastante envolvido emocionalmente nessa nova rotina. Ou seja, ninguém melhor que o pai da criança. Cinco dias é um período muito curto quando pensamos nesse aspecto. Um vínculo mais estreito entre o pai e o bebê é um puerpério mais tranquilo para a mãe. Assim, sem dúvida, o mais beneficiado será o bebê, que receberá mais atendimento e acolhimento do pai e da mãe, crescendo de uma forma mais saudável emocionalmente”, explica.

Depressão pós-parto e retorno ao trabalho

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Psicóloga Emília Luna. (Reprodução, Arquivo Pessoal)

Segundo o estudo Nascer no Brasil, desenvolvido pela Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz, 26,3% das gestantes brasileiras apresentam algum sintoma de depressão após o parto. Para a psicóloga, a falta de envolvimento paterno após o nascimento do bebê é um fator significativo para isso, especialmente para as mulheres que não têm rede de apoio.

“Já sabemos que o período do puerpério é bastante delicado para a mulher, que precisa passar por reorganizações e a privação de sono, o que já é confirmado como um grande facilitador de adoecimento mental”, frisa.

Uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, publicada em 2018, aponta que há imediata queda no emprego das mães ao fim da licença-maternidade e, depois de 24 meses, metade delas saem do mercado — na maior parte das vezes, por iniciativa do empregador.

Nesse contexto, o debate de equiparação das licenças- maternidade e paternidade busca proteger tanto a saúde mental e física de mães e pais, quanto garantir os direitos das mulheres no mercado de trabalho. Segundo Emília, quanto mais os homens estiverem envolvidos na paternidade, menos as mulheres ficarão sobrecarregadas. Logo, não serão colocadas na ‘caixinha’ de única cuidadora, podendo se dedicar a outros projetos, como o mercado de trabalho.

“Ter o apoio do parceiro permitirá que a mulher consiga voltar mais facilmente para suas tarefas. Sem dúvida, seu retorno para as atividades de rotina será mais fácil e rápido”, aponta.

Benefícios da paternidade ativa

Quanto mais tempo o homem tiver para exercer seu papel de pai, maior será o vínculo afetivo entre ele e o filho. Conforme a psicóloga, o principal beneficiário da licença-paternidade é o bebê, que terá acolhimento e atendimento, tanto do pai quanto da mãe, em um momento tão crucial da vida.

“Um pai que é ativo se envolve na vida do filho, sabe quem é esse filho, do que gosta, o que precisa. Isso é resultado de um vínculo saudável. É importante para o pai, que se sente parte no desenvolvimento do filho, e para a criança, que se sente ainda mais protegida”, frisa.

Projetos e períodos propostos para a licença-paternidade

Em 2023, o STF (Supremo Tribunal Federal) deu 18 meses para que o Congresso regulamentasse o direito dos homens à licença-paternidade. A decisão veio após o julgamento de uma ação apresentada pela CNTS (Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde). Na ocasião, os ministros reconheceram a omissão do Congresso em aprovar a regulamentação da norma. O prazo venceu em julho, o que indicou que o tema entraria em apreciação logo após o recesso parlamentar, no início deste mês.

Nesse cenário, diversos projetos aguardam ser discutidos, e cada um deles propõe um período diferente para a licença-paternidade. Segundo a advogada de família e vice-presidente da ADFAS-MS (Associação de Direito de Família e das Sucessões), Ildalia Aguiar, a PEC (Proposta de Emenda Constinucional) 58/2023, em tramitação no Senado, é a mais avançada nas discussões.

Ela prevê a ampliação da licença-paternidade para 20 dias e da licença-maternidade para 180, inclusive, para os casos de adoção. “Entendo ser uma ampliação necessária, o período hoje estabelecido por lei aos que são regidos pela CLT é ínfimo e não corresponde à necessidade dos infantes, aos direitos humanos e à proteção familiar, que é garantia constitucional”, pontua.

Também tramita na Casa o PL (Projeto de Lei) 6063/2024, que estabelece 180 dias de licença-maternidade e 60 dias de paternidade. A matéria prevê também um acréscimo nos períodos em caso de nascimentos múltiplos. A matéria segue em análise na CDH (Comissão de Direitos Humanos).

Um segundo projeto, o PL 3773/2023, amplia gradualmente a licença-paternidade, começando em 30 dias e chegando a 60. O texto estabelece o ‘salário-parentalidade’, um benefício previdenciário a ser pago durante o afastamento. A matéria está em tramitação na CAS (Comissão de Assuntos Sociais).

No Senado, outras duas propostas estão em tramitação: o PL 139/2022, que prevê 60 dias úteis de licença-paternidade e o compartilhamento de até 30 dias da licença-maternidade com o pai, enquanto o PL 6136/2023 propõe compartilhar até 60 dias da licença-maternidade e dobrar seu prazo em caso de deficiência do recém-nascido.

Já na Câmara dos Deputados, pode ser aprovado o PL 3935/08, que aumenta de cinco para 15 dias a licença-paternidade. Isso vai valer tanto para o pai biológico quanto para o adotivo. O projeto também garante ao pai estabilidade de 30 dias no emprego após o término da licença.

Licença-paternidade igualitária

Conforme a advogada Ildalia, atualmente a lei estabelece cinco dias de licença, mas o direito pode ser ampliado para 20 dias nas empresas participantes do Programa Empresa Cidadã, uma iniciativa do governo brasileiro que incentiva empresas a concederem licenças-maternidade e paternidade estendidas aos seus colaboradores, em troca de benefícios fiscais.

Advogada Ildalia Aguiar. (Reprodução, Arquivo Pessoal)

Mas, para além da discussão sobre o aumento da licença-paternidade, a advogada ressalta a importância de garantir igualdade no direito para todos os pais, independentemente do seu vínculo empregatício.

“Como exemplo, cito os que possuem uma benesse maior, licença-maternidade de 6 meses. Não há motivos para essa distinção se manter! As adequações no sistema têm que acontecer e beneficiar a todos, pais e mães; afinal, todos movimentam a máquina. Inclusive, com relação aos profissionais liberais: comerciantes, médicos, advogados, arquitetos, engenheiros, enfermeiros, contadores… O tratamento tem que ser igualitário, afinal, se trata de direito fundamental, devendo resguardar a família, que tem proteção constitucional”, pontua.

Importância do debate

Cada vez mais falamos sobre o equilíbrio na balança: pais mais participativos permitem que as mulheres tenham menos carga e culpa no maternar. A consciência de que a criação não é um dever único e exclusivo da mulher respalda a ampliação de discussões como esta. E é justamente este movimento que tem pressionado o poder público para sancionar leis que garantam o direito da família.

“Hoje falamos em uma parentalidade paterna ativa, vemos o pai como uma figura de apoio e cuidado, o que anteriormente era só função materna. O pensar evoluiu, esse é um passo importante e necessário para maior vinculação e responsabilidade parental nas relações familiares. Essa é uma omissão que deve ser sanada e implementada”, afirma a advogada de família.

“Pai e mãe possuem os mesmos direitos e deveres, e essa igualdade deve ocorrer em todos os sentidos. A sobrecarga materna é imensa, e deve, sim, ser dividida, assegurando aos pais a responsabilidade e estabilidade necessária. Entendo que será algo progressivo, mas a ampliação deve ocorrer, e 20 dias ainda é um período muito curto, mas é um primeiro passo”, pondera.

“A ampliação da licença-paternidade tem como objetivo promover a igualdade de gênero e fortalecer os vínculos familiares do pai com o filho, além de ser uma excelente ajuda e participação do pai em um momento delicado para a mulher, que em muitos dos casos não tem uma rede de apoio”.

Licença-paternidade para pais adotantes

Atualmente, a legislação garante um prazo de cinco dias de licença para todos os casos de adoção, pondendo, como já mencionado, ser estendido nos casos de empresas participantes do Programa Empresa Cidadã. Nos casos de adoção única, a advogada explica que o pai adotante terá direito a 120 dias de licença, similar à licença-maternidade.

“A licença-paternidade é um direito fundamental que visa garantir o cuidado e a participação do pai no início da vida do filho. O que verificamos é que a mudança do olhar legislativo e social sobre a criança, entendendo ela como um sujeito de direitos e um ser em formação, despertou tal mudança”, finaliza.

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