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Cotidiano

Há quatro anos, relatos semelhantes ao de Vanessa já denunciavam atendimento na Deam

Mais de 500 comentários de mulheres apontam humilhação, deboche e falta de acolhimento por equipes da Deam em Campo Grande
Dândara Genelhú -
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Relatos são de quatro anos atrás, mas retratam realidade recente na Deam. (Reprodução, Redes Sociais, Montagem Midiamax)

Humilhação, deboche e falta de acolhimento. Essas são algumas das características apontadas em relatos sobre atendimentos na Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher de MS) realizados há pelo menos quatro anos na Casa da Mulher Brasileira em Campo Grande. Áudios de Vanessa Ricarte sobre atendimento na quarta-feira (12) mostram que o descaso e erros grosseiros seguem presentes na Deam.

Vanessa detalhou o atendimento na Delegacia Especializada: “bem fria e seca”. A jornalista buscou amparo e denunciou o ex-noivo, Caio Nascimento, pouco tempo antes de ser vítima de feminicídio na própria casa. Ela foi morta a facadas.

Neste domingo (16), a jornalista completaria 43 anos ao lado de amigos e familiares. Agora, deixa memória de carreira brilhante e independência, além das denúncias em gravação de voz.

O serviço prestado à Vanessa se assemelha ao encontrado em dezembro de 2020, por Alcides* ao ajudar uma mulher, vítima de cárcere privado e espancamento. Naquele dia, a Casa da Mulher Brasileira estava vazia, disse o homem, o que gerou atendimento rápido na recepção.

“Porém, a vítima ficou em espera por mais de horas, isso mesmo horas. Depois de quase duas horas de espera a vítima resolve ir embora, fui no balcão pedir informação se ainda iria demorar o atendimento, imaginem a grosseria da atendente mal-educada achando que tivesse falando com seu próprio filho ou marido”, descreveu Alcides*.

Apenas encaminhamento

Assim, Alcides* contou que a mulher recebeu atendimento apenas após pressão. “Nada resolvido, saiu de lá com encaminhamento para ir no IMOL. Agora imaginem uma pessoa fragilizada, machucada, que acabou de sofrer violência doméstica, muitas vezes sem dinheiro para pegar um ônibus, como vai no IML?”, questionou.

Alcides pontuou no relato que a vítima saiu da Casa da Mulher apenas com encaminhamento para o Instituto de Medicina e Odontologia Legal, sem ao menos busca policial pelo agressor. Enquanto aguardava, Alcides* conversou com outra vítima que buscava atendimento na Deam.

A mulher contou que “continua sendo perseguida e ameaçada, ligaram no 153 e foi informado que não tinha viatura para fazer a diligências contra o agressor”. Então, Alcides* indagou “que segurança essa Casa oferece às mulheres vítimas?”

Falta de acolhimento

O post em grupo do Facebook rendeu diálogo sincero entre mulheres que, infelizmente, se identificaram com a situação. Assim, mais de 500 comentários trouxeram à tona realidade também vivida por Vanessa: falta de acolhimento.

“Sinto que muitas vezes falta amor nesses atendimentos (acolhimento)… Só sinto tristeza, de verdade”, lamentou uma mulher no grupo. Os relatos femininos são de ‘humilhação’ durante os atendimentos.

“É uma vergonha. Passei por isso, é muita humilhação”, disse uma internauta. Outra integrante do grupo apontou tratamento com ‘grosseria’ no atendimento psicológico. “Eu fui tratada com grosseria por uma das psicólogas lá dentro. Eu precisava de apoio, não de apanhar mais, palavras também ferem, tanto quanto um coice”, lamentou.

Vale lembrar que os comentários são de quatro anos atrás. Contudo, vítima do primeiro feminicídio de Campo Grande em 2025, Vanessa também relatou tratamento ‘frio’ dentro da instituição.

“Eu, que tenho instrução, escolaridade, fui tratada desta maneira. Imagina uma mulher vulnerável… essas que são mortas”, disse a jornalista em mensagem a uma amiga.

“Tudo protege o cara, o agressor”, resumiu Vanessa.

Desencorajamento

Ainda no grupo, em 2020 outra participante relatou que passou pelo mau atendimento por duas vezes. “2x que precisei ir lá foi só humilhação mesmo, desisti e fui embora”.

Esse é um dos depoimentos deixados por mulheres, que acabam desencorajadas em acreditar no atendimento e proteção às vítimas.

“Eu falo nem adianta denunciar, passa humilhação, pessoas grossas”, disse uma internauta que foi auxiliar uma amiga na procura por ajuda. “Fiquei horas com ela e de nada adiantou”, lamentou.

“Que novidade, por isso tantas mulheres mortas, essas leis não servem para nada”, respondeu outra integrante.

“Eu fui uma vez lá para fazer uma denúncia para nunca mais. Que situação. Desde a recepção! Não desejo a ninguém! Desisti de seguir em frente com a denúncia pela forma como fui tratada. Só queria sumir dali!”, revelou uma mulher.

Anos passaram, relatos são os mesmos…

Um relato puxa outro? O incentivo para compartilhar histórias semelhantes ao relato de Alcides* em 2020 também esteve presente nesta semana em Mato Grosso do Sul.

Portanto, após a morte e ampla divulgação dos áudios de denúncia de Vanessa, mulheres voltaram às redes sociais para relatar o atendimento na Deam.

Em depoimento nas redes sociais, uma mulher compartilhou que quando esteve na Deam foi questionada por um policial “se realmente aquilo [boletim de ocorrência] era preciso”, já que a ficha do agressor era limpa e ela, a vítima, iria sujá-la. O homem nunca foi intimado.

“Desde a primeira reportagem que vi da Vanessa, senti que o caso dela viria para mudar essa realidade nojenta e machista que vivemos. Infelizmente perdemos uma grande mulher, porém, o que nos traz a esperança é saber que sua morte não foi em vão. Por Deus e a orientação que ela tinha, desmascarou não só a polícia, como toda a sociedade que julga e sempre diz que, se quiser, ‘é só largar’, é ‘só denunciar’. A mulher, até depois de morta, se passaria como culpada. É triste e lamentável”, desabafa.

Além disso, outro relato traz uma experiência muito similar. Neste caso, o escrivão, sem nenhuma empatia, teria insinuado que a vítima deveria ter feito ou escondido algo do agressor, para ele ter “chegado a esse ponto”. Ela continua seu depoimento afirmando que após registrar o boletim de ocorrência por agressão, sentou em uma cadeira na recepção para beber água e aguardar um carro de aplicativo. Neste momento uma funcionária se aproximou e informou que ela não poderia aguardar ali.

Confira os áudios de Vanessa:

*Alcides é um nome fictício usado para não identificar e assim preservar o denunciante.

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