Campo Grande tem enfrentado, ao longo dos anos, uma queda gradativa no setor comercial, especialmente no que diz respeito aos grandes centros de compras. O último shopping inaugurado na cidade foi o Bosque dos Ipês, há mais de uma década (2013). Já o projeto de um novo shopping nas Moreninhas continua engavetado.
Em contrapartida, pequenos centros comerciais e galerias têm se consolidado como alternativas viáveis para empreendedores, principalmente nas regiões mais afastadas do Centro. Lojas de roupas, acessórios, pet shops, agências bancárias e até laboratórios especializados mostram a versatilidade dessas estruturas, que atendem a diferentes segmentos.
Na Rua Spipe Calarge, por exemplo, há ao menos 13 galerias comerciais – algumas ainda em construção -, o que evidencia o longo e silencioso processo de descentralização do comércio na cidade.
Independência financeira
Após 12 anos trabalhando como vendedora em uma loja movimentada da Avenida Afonso Pena, Midian Mello viu sua trajetória profissional tomar um novo rumo. Viúva e com um filho para cuidar, ela decidiu empreender e abriu sua própria loja de roupas em uma galeria no bairro Aero Rancho.
“Comecei vendendo on-line, mas chegou uma hora em que a demanda cresceu e eu senti que precisava de um ponto físico. Foi quando encontrei essa sala na galeria. Gostei e fiquei. Graças a Deus, tem dado certo”, conta empresária, que está há dois anos no local.
Localizada na principal via do bairro, a AV. Raquel de Queiroz, a galeria escolhida por Midian abriga mais de 30 estabelecimentos de diversos segmentos. O espaço, com salas de 21m² a 48m², reúne lojas de roupas, serviços de estética, decoração, além de escritórios de advocacia, arquitetura e até um polo universitário. No local, a média de aluguel varia entre R$ 800 e R$ 1,100.

A escolha pela galeria, em vez de um ponto no Centro da cidade, deu-se por diversos fatores, como proximidade de casa, segurança de estar em um espaço fechado, e praticidade no dia a dia.
“Hoje em dia as pessoas preferem comprar perto de casa. O bairro é grande, tem movimento, e isso facilita. Lá no Centro, a locomoção era difícil, principalmente para os clientes. Muita reclamação por falta de estacionamento, sem contar o tempo que eu levava para chegar lá”, lembra ela, que antes levava cerca de 1h30 para se deslocar até o trabalho.
Rede de cooperação
Mas quem pensa que a clientela se restringe à região está enganado. Midian conta que o público vai além da vizinhança e que já recebeu até clientes de fora da cidade, o que ela atribui à divulgação da loja nas redes sociais.
“Tenho clientes de toda a cidade. Muitos me encontram pelas redes sociais e vêm até aqui. Outros passam pela avenida, param no ponto de ônibus, veem a vitrine, e acabam voltando no outro dia para comprar”, relata.

Outro ponto decisivo foi a sensação de segurança. “Aqui fecha à noite, temos portão, chave, vigilância. Se fosse uma loja isolada, já teria sido assaltada”. Apesar da estrutura da galeria, ela destaca que o bairro ainda enfrenta problemas com a falta de segurança. “A gente se cuida. Observo tudo, já vi tentativa de invasão aqui perto em horários mais vazios.”
Além disso, Mirian vê na galeria uma rede de apoio entre lojistas. “A gente se indica. Se uma cliente vem aqui e está procurando design de sobrancelha, eu mando para vizinha. Se está fazendo depilação com ela, ela manda para mim. Isso ajuda muito”, explica.
Sobre o impacto das vendas on-line, ela acredita que, embora o digital seja importante, o atendimento presencial ainda tem um peso significativo no setor de moda.
“Tem gente que prefere comprar on-line, mas muitas clientes ainda fazem questão de vir, tocar no tecido, experimentar. Esse contato ainda importa muito”.
‘Desenvolvimento está nos bairros’
Para quem passou mais de 30 anos atuando na região central de Campo Grande, ver os bairros prosperarem é garantia que o investimento deu certo. Há dois anos, o despachante Altair Ferreira Soares decidiu mudar de ares e transferiu seu escritório para a galeria no Jardim Aero Rancho, bairro onde mora há mais de dez anos.
Altair atua como despachante documentalista, prestando serviços como transferência e licenciamento de veículos, renovação de CNH e acompanhamento de processos junto ao Detran. Mesmo sendo um ramo de nicho, ele atrai clientes de diversos pontos da cidade e até de fora dela.
A mudança, segundo ele, teve o intuito de aproximar o trabalho de casa e fugir dos desafios que o Centro tem enfrentado. “Após ter ficado trinta e poucos anos na área mais central, decidi vir para perto da minha casa. Está tudo mais adiantado por aqui, o bairro está crescendo”, afirma.
Assim como Midian, a decisão de Altair levou em conta a praticidade e o custo-benefício. “No Centro, o local onde eu estava já era antigo, de difícil acesso, sem estacionamento e com muitos problemas de segurança. Aqui é muito mais tranquilo, tem bastante espaço para estacionar, e os clientes do bairro, às vezes, vêm até a pé”, compara.
‘Nem tudo pode ser resolvido on-line’
“Muitos já me conhecem há anos e continuam me procurando mesmo após a mudança de endereço. Nem tudo pode ser resolvido on-line. Às vezes, o cliente precisa de assessoria, precisa acessar, mas não tem senha ou tem dificuldade com os sistemas”, explica o despachante.

Segundo ele, o movimento da galeria tem crescido visivelmente. “O estacionamento vive cheio, e o próprio administrador já comentou que a maioria dos imóveis está locada. Isso mostra que o comércio aqui está aquecido”, comenta.
Altair também destaca a dinâmica de consumo local, enquanto o cliente resolve pendências com ele, acompanhantes aproveitam para visitar outras lojas do espaço, algo que não ocorria quando trabalhava em locais anteriores.
“Fiquei uma vez numa galeria lá no Centro e foi uma decepção. Era uma sala no fundo, mal localizada. Saí antes de completar um ano. Aqui no bairro é outra realidade. Dependendo do ramo, estar no térreo faz muita diferença, e esse tipo de estrutura ajuda muito”, avalia.
Para ele, a instalação de pequenos centros comerciais é um fator decisivo para o desenvolvimento urbano. Apesar de reconhecer que a região ainda carece de infraestrutura, vê com otimismo o fortalecimento da economia nos bairros.
“Esse tipo de empreendimento fortalece o bairro. É importante para a economia local e para os moradores, que têm mais opções de serviços perto de casa. O Centro, infelizmente, está abandonado. Já os bairros estão se desenvolvendo. E é aqui que o comércio de verdade tem crescido”.
Galerias crescem, mas shoppings amargam prejuízos
Enquanto as galerias e empreendedores locais vivem um bom momento, shoppings e grandes redes varejistas enfrentam dificuldades para se manter, o que afeta os três principais shoppings da Capital: Bosque dos Ipês, Norte Sul Plaza e Shopping Campo Grande.
Um dos casos mais emblemáticos é o do próprio Bosque dos Ipês, que, ao longo dos anos, viu gigantes do varejo encerrarem as atividades. A mais recente foi a loja da rede Renner, que fechou as portas em 2023, como parte de um processo de reestruturação nacional.
Desde sua inauguração em 2013, marcas renomadas como Zara, Forever 21, Le Lis Blanc e Saraiva também deixaram o empreendimento.
No mesmo ano, a loja Marisa encerrou suas atividades no Shopping Campo Grande. A Justiça homologou um acordo para a quitação dos aluguéis devidos, e a loja teve até 10 de janeiro de 2024 para desocupar o espaço. O processo começou com uma ação de despejo movida pelo shopping em maio e foi encerrado em julho, com o pagamento da dívida.

Apesar disso, o Shopping Campo Grande está em processo de expansão. Com inauguração prevista para outubro de 2027, a ampliação prevê 150 novas operações, dois novos pisos com arquitetura moderna e a chegada de grandes marcas. Uma das novidades é a famosa loja de cosméticos Sephora, rede francesa que anunciou sua vinda para Campo Grande antes mesmo do início das obras.
Outro impacto significativo foi a pandemia de Covid-19. Em 2020, a loja Etna, especializada em móveis e decoração e um dos destaques do Shopping Norte Sul Plaza, também fechou as portas. Na ocasião, a empresa informou que a decisão fez parte de uma revisão estratégica da rede.
Comércio central também sente os reflexos

No Centro da cidade, a situação não é diferente. Lojas fechadas, aluguéis elevados e mudanças no comportamento do consumidor têm desafiado os empresários locais.
Apesar do cenário adverso, há movimentos positivos em outras frentes. Para Renato Paniago, presidente da ACICG (Associação Comercial e Industrial de Campo Grande), o crescimento de centros comerciais em bairros periféricos representa um novo caminho para o comércio da capital.
“Esse avanço representa um passo importante na descentralização da atividade econômica, contribuindo para a inclusão social, a geração de empregos nos bairros e o fortalecimento do comércio de vizinhança”, afirma.
Entre os fatores que impulsionam esse crescimento estão o aumento populacional nos bairros, o desejo por praticidade e as dificuldades de mobilidade urbana.
“Abrir um negócio em áreas residenciais demanda investimento significativamente menor do que em grandes shoppings, o que torna essas alternativas mais atraentes para pequenos e médios empreendedores”, completa Paniago.
Viabilidade a longo prazo

Mas esse modelo é sustentável a longo prazo? Na avaliação da ACICG, sim. Paniago destaca que, além da comodidade para o consumidor, é necessário garantir outros aspectos para que os empreendimentos prosperem: gestão eficiente, segurança, vagas de estacionamento e conexão com a comunidade local.
Entre os benefícios, ele aponta a geração de empregos, estímulo à economia local, valorização imobiliária e menor concentração de tráfego urbano. Já os desafios envolvem o esvaziamento do centro, infraestrutura precária em algumas regiões, segurança e a necessidade de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento equilibrado.
Além disso, infraestrutura urbana adequada é essencial para o sucesso desses centros comerciais. “Saneamento, iluminação, segurança, calçadas, vias de acesso e transporte público são fundamentais para atrair clientes e permitir que o comércio prospere”, ressalta.
Consumo digital e novos hábitos
A mudança nos hábitos de consumo também contribui para a nova configuração comercial. O comércio eletrônico ganhou força: em 2024, uma pesquisa apontou que o e-commerce sul-mato-grossense cresceu 266% em um ano, de R$ 303 milhões, em 2022, para R$ 1,1 bilhão, em 2023. Os destaques vão desde o setor agropecuário – com vendas de gado e insumos – ao varejo, impulsionado pela procura por smartphones.
Por outro lado, dados da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo) revelam queda na confiança dos comerciantes campo-grandenses. Em junho de 2025, o Índice de Confiança do Empresário do Comércio registrou 97,6 pontos na Capital, abaixo da linha dos 100 pontos, que separa otimismo de pessimismo.

“O consumidor busca conveniência, agilidade e preço. Pequenos centros comerciais próximos às residências, com entrega rápida e presença digital, têm vantagens competitivas. Com custos operacionais mais baixos, é possível oferecer preços mais atrativos”, analisa Paniago.
Preço atrativo e perspectiva de retorno
A dificuldade com os altos aluguéis no Centro é outro ponto frequentemente apontado por lojistas como um entrave à permanência. Em junho, uma loja de utilidades na Rua 13 de Maio liquidou tudo por 50%. Questionada sobre o motivo, a proprietária reclamou do movimento, do alto valor do aluguel e do que chamou de abandono da região central de Campo Grande.
Por isso, a ACICG tem atuado como interlocutora entre o setor empresarial e o poder público, com assento em conselhos como o de Desenvolvimento Urbano e o Codecon (Conselho Municipal de Desenvolvimento Econômico), que delibera sobre incentivos fiscais a novos empreendimentos.

A entidade oferece serviços como capacitações pela Escola de Negócios, estratégias de relacionamento, soluções para recuperação de crédito e consultorias na área de recursos humanos. No entanto, linhas de crédito não fazem parte do escopo da ACICG. Nesse caso, a orientação é buscar instituições financeiras.
Um dos principais atrativos desse modelo comercial está no valor dos aluguéis. No bairro Carandá Bosque, uma das áreas mais valorizadas da capital, uma sala comercial de 40 m² pode ser alugada por R$ 2 mil mensais, mais R$ 100 de IPTU e R$ 250 de condomínio. Já no Jardim dos Estados, mais próximo ao Centro, uma loja com 97,52 m² é ofertada por R$ 4,7 mil por mês.
Para quem pensa em investir, os preços de venda também variam bastante. No bairro Tiradentes, por exemplo, uma galeria completa com cinco lojas de 35 m² cada está à venda por R$ 1,4 milhão. O anúncio destaca uma estimativa de retorno de R$ 6,3 mil mensais, considerando a locação de cada sala por R$ 1.200.
Reflexos no mercado imobiliário

Celso Barros, diretor do Sindimóveis/MS, afirma que o crescimento de minishoppings e galerias nos bairros já tem gerado impactos positivos na valorização dos imóveis comerciais dessas regiões.
“Há uma demanda crescente por imóveis comerciais nas regiões periféricas, especialmente em bairros mais populosos como o Aero Rancho e o Nova Lima. Essa mudança de perfil valoriza os imóveis e responde à necessidade por praticidade”, explica.
Segundo Barros, ainda que a valorização não possa ser mensurada de forma exata, corretores já notam uma mudança significativa na busca por imóveis fora do eixo central.
“Imóveis residenciais localizados em vias que estão se transformando em corredores comerciais passam a ter outro valor de mercado, pela possibilidade de uso comercial. Além disso, o custo-benefício para o empreendedor, comparado à região central, torna esses espaços mais atrativos e eficazes para alcançar o público-alvo”, conclui.
Como regularizar seu negócio?
Contudo, a criação de um centro comercial exige o cumprimento de diversas etapas e regras legais. O primeiro passo é definir a natureza jurídica do negócio, o que dependerá do porte da empresa, do faturamento estimado e da existência (ou não) de sócios. Para pequenos empreendedores, a opção mais simples costuma ser o MEI (Microempreendedor Individual), ideal para quem atua sozinho ou com, no máximo, um funcionário, e possui faturamento anual de até R$ 81 mil.
Já empresas com sócios ou com faturamento superior devem optar por outras modalidades, como a ME (Microempresa) ou a Sociedade Limitada (LTDA).

Em seguida, é necessário solicitar o CNAE (Classificação Nacional de Atividades Econômicas), código que define a atividade principal da empresa. Por exemplo, o CNAE de um restaurante será diferente do de uma loja de roupas. Outro passo essencial é o registro na Junta Comercial do estado, procedimento obrigatório que oficializa a abertura da empresa.
Após isso, o empreendedor deve obter o CNPJ (Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica) junto à Receita Federal. O CNPJ é indispensável para realizar transações legais e financeiras, como abrir conta bancária, emitir notas fiscais e recolher tributos.
Para funcionar de forma regular, também é preciso solicitar o alvará de funcionamento junto à Prefeitura. Esse documento atesta que o local está adequado à atividade proposta e atende às normas de segurança e zoneamento urbano.
Além disso, alguns tipos de empreendimento exigem autorizações específicas. Restaurantes, por exemplo, precisam de licença da Vigilância Sanitária, enquanto atividades industriais podem necessitar de licença ambiental.
Por fim, vale considerar a adesão ao Simples Nacional, regime tributário que unifica e simplifica o pagamento de impostos, reduzindo a burocracia e facilitando a gestão financeira da empresa.
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